segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Doente Inglês - Michael Ondaatje

A solidão que é a soma de quatro almas. Quatro pessoas, quatro vidas disformes, moldadas pelo infortúnio. A solidão e um livro magoado que exala tristeza, uma obra triste como a guerra e como a soma de quatro solidões. Um doente horrivelmente queimado, uma enfermeira dedicada que sacrifica a vida por ele, um soldado indiano que a guerra fez autómato revoltado e Caravaggio, velho soldado espião e ladrão, perigoso, perdido na vida como o pintor italiano.
A segunda guerra mundial e a respectiva desgraça humana como pano de fundo: um mundo destroçado porque o mundo é feito de corpos e almas, agora dilaceradas pelo monstro que o homem inventou e a que chamam ódio. Quatro seres que já não procuram explicações nem futuro; apenas talvez a paz que um refúgio num velho mosteiro pode ainda trazer.
O Inglês esqueceu tudo, queimado por dentro e por fora, tudo para ele são sombras disformes excepto Katharine e o deserto. Nada mais faz sentido senão o deserto mapeado pelo velho Heródoto, ultimo e primeiro a compreender o mundo, e o amor. Katharine, a imagem da vida, da morte e do amor, enfim, talvez seja tudo a mesmo coisa.
Kip, uma vida de submissão do colono indiano à velha senhora, a Inglaterra, um passado de humilhação e revolta abafada disfarçado na coragem do sapador heróico, desarmando bombas que por todo o lado desfazem outras vidas.
Hanna, perdida e vítima da vida, desterrada do belo Canadá para os intestinos do mundo, a Europa, a velha Europa onde se morre apenas. E Hanna sobrevive porque ainda existe essa réstia heróica de vida – o amor. Um amor difuso, talvez pelo doente, talvez por Kip ou Caravaggio, talvez por ela própria ou pela humanidade, pouco importa.
Caravaggio, perdido no mundo, à procura de Hanna ou do que possa sobrar da vida.
Para lá de uma Itália dilacerada, um deserto africano que preenche memórias de vida. Porque “só no deserto há Deus. (…) fora dali apenas havia comércio e poder, dinheiro e guerra.”
Sentimentos fortes e paixões profundas acabam por unir os quatro personagens da obra, como forças superiores e tirânicas. O amor leva-os a viajar pela vida: Londres, Cairo, o deserto ou a India; não existe amor sem viagens por onde os espíritos vagueiam.  O amor... esse lugar estranho que fica onde as almas solitárias se completam.
Uma obra magnífica, magistral, escrita a sangue e lágrimas, onde ler é uma viagem pela melancolia e pela tristeza. Um livro belissimamente triste. Sim, porque a tristeza pode ser bela.

7 comentários:

Jojo disse...

Olá!
Eu tenho este livro cá em casa. Depois desta opinião, lê-lo-ei em breve. Comprei-o porque já tinha lido maravilhas sobre ele e porque adorei o filme. Um dos meus favoritos.

Bjinhos e Feliz Natal!

Teresa Diniz disse...

Olá Manuel
Um livro belíssimo e que tu consegues dissecar muito bem. E também um dos poucos livros que não foi apagado pelo filme, mas que também não foi estragado, já que o filme que originou é também belíssimo. Boa escolha.
Bjs

Ju Haghverdian disse...

Eu vi o filme, anos atrás! Nem sabia que era livro, que ignorância... como não seria? Uma história daquelas não poderia ser menos que um belo livro, sem dúvidas!

Lia Silva disse...

Olá! Não tenho o livro, só o filme, mas ainda não o vi. Concordo plenamente contigo. Os livros mais belos que eu li até hoje são os mais dramáticos.
Beijo

Unknown disse...

Curioso: vocês, as quatro já viram o filme e gostaram... só me resta ver também :)
FELIZ NATAL para vocês e obrigado pelas vossas pelavras!

Paula disse...

Olá Manuel,
Primeiro vi o filme, gostei mas não amei. Depois li o livro e foi uma leitura que ficará para sempre.
Quando revi o filme, gostei um pouco mais, mas confesso que os filmes raramente superam os livros. E este não foi excepção (achei o livro muito melhor).
Quando cheguei ao fim da ultima página não me apetecia fechar o livro. Ainda ficou lá por cima dos móveis...para pegar de vez em quando e ler umas passagens.
Um abraço.

nb: gosto da play list :P

Teresa Lobato disse...

Continuo fascinada com essa tua capacidade de leitura e de análise. Não li o livro, mas vi o filme. Um dos meus favoritos, sem dúvida, enriquecido pelas interpretações dos actores principais.

Um Bom Natal, Cardoso!