segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Alienista - Machado de Assis

Antes dos estudos de Jung e de Freud, Machado de Assis escreveu em 1881 esta interessante novela em que aborda de forma inovadora para a época o tema da loucura. Nesse ano, do outro lado do mundo, Dostoievski acabava de publicar o seu último romance (Os Irmãos Karamazov) e falecia pouco depois. Não sei se Machado de Assis leu o mestre russo que tão bem abordou este tema. No entanto, o seu estilo é bem diferente e inovador.
O protagonista, Simão Bacamarte, é médico e dedica-se à psiquiatria. Para tal instala-se na pequena cidade de Itaguaí, onde funda a Casa Verde, um hospício onde vai internado os habitantes da povoação que considera doentes. Aos poucos vai enchendo a casa até aí encerrar boa parte da população. A partir daí começa a ser difícil distinguir quem são os loucos porque os que ele considera sãos são uma minoria cada vez mais insignificante. Isso leva-o a, de repente, soltar todos os internados concluindo que a teoria era inversa àquilo que ele pensava.
O ponto alto da obra é atingida quando Machado de Assis cria uma relação entre o estudo da loucura e o poder político. Por momentos, a alienação colectiva parece ser o suporte quer do poder quer do contra-poder representado pelo barbeiro revoltoso, que se opõe à Câmara Municipal que apoiava o alienista.
O final do livro surpreende pela forma inteligente como o autor decide o destino do protagonista; isolado, ele é o único que pode provar a si próprio a validade das suas teorias. Faltava saber até que ponto as suas teorias não seriam, elas próprias, provenientes da sua loucura, em vez da razão. NA verdade, o estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”. Assim, ganhava lógica a atribuição do epíteto de louco àquele que apenas agisse segundo a razão :) …
Um aspecto impressionante do livro é o estilo de escrita do autor. Penso que poucos conseguiram exercitar a língua portuguesa de forma tão bela como o fez este brilhante escritor brasileiro. Veja-se, por exemplo, a musicalidade, a beleza, deste excerto: “Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco para andar na rua ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos.”
Finalmente, uma nota para o fino sentido de humor de M. de Assis, que nos coloca um constante sorriso nos lábios, sem nunca cair na piada fácil que o tema sempre propicia ao escritor. Um livro importante na história da literatura de língua portuguesa, de leitura fácil e profunda, agradável e que nos propicia fortes motivos de reflexão.
Avaliação Pessoal: 9.5/10

9 comentários:

susemad disse...

Este livro é tão bom, mas tão bom! Uma pequena obra lirerária, mas tão grande e forte em sentido.
Ainda dei umas boas gargalhadas à conta deste "alienista". :D

Unknown disse...

é mesmo. Foi uma bela surpresa. É curioso: este livro foi-me aconselhado por alguém aqui no mundo dos blogues; mas não recordo quem...
O que mais me impressionou em relação a esse humor de que falas é que nuca cai na facilidade; era muito fácil fazer piadas sobre os disparates dos "loucos". Mas Machado de Assis não vai por aí...

susemad disse...

Na volta leste a minha opinião, Manuel e ficaste convencido! ;)
Não conheço muitos blogueiros que tenham lido este livro...
Também concordo. O humor dele é refinado. :)
Um abraço

Fefa Rodrigues disse...

Eu, brasleira que sou, fico muito feliz qd vejo que vcs leem obras de escritores brasileiros e que gostam!!!

Orgulhinho!!;o)

Fefa Rodrigues

Fefa Rodrigues disse...

Ah... tomei a liberdade de indicar a leitura do seu post em meu blog, td bem?

Fefa Rodrigues
http://apaixonadaporpapel.blogspot.com/

Unknown disse...

Tudo bem, Fefa. Eu é que agradeço :)
A literatura brasileira é muito apreciada em Portugal pelas obras de Jorge Amado, Erico Veríssimo, Ubaldo Ribeiro, Chico Buarque, etc. Mas penso que Machado de Assis é o verdadeiro génio da vossa literatura.

Cristina Torrão disse...

Muito interessante. "O estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”" - isto faz-me lembrar a teoria do caos que, simplificando, diz que toda a ordem advém do caos, o verdadeiro motor da vida.

P.S. Gostei da sugestão para a 9ª leitura conjunta do Destante. Vou tentar adquirir o livro, para participar, afinal, trata-se de um romance histórico ;)

Kézia Lôbo disse...

GOsto dessa obra, ja li duas vezes! Machado de Assis é um dos meus autores clássicos favoritos, já li quase todas as obras dele, faltam algumas, que quero ler! Otima dica!

Unknown disse...

Olá Cristina
desde Dostoievski que alguns escritores vêem mostrando que a anormalidade faz parte do âmago da nossa alma. A normalidade é um conjunto de normas interiores ou exteriormente impostas destinadas a dar uma formatação à alma que não é, de todo, natural. Daí a loucura do ser normal...
Quanto ao livro do Destante, é um romance histórico tão diferente dos de Cristina Torrão :) Não é melhor nem pior, a diferença está nos tons das cores da escrita :)
Mas vais gostar!

Kézia, hoje fiquei decepcionado quando numa reportagem a propósito do Rock in Rio, umas jovens brasileiras nunca tinham ouvido falar de Rui Veloso... acho que nós conhecemos melhor o Brasil do que o Brasil nos conhece a nós... Machado de Assis é muito, muito, apreciado em Portugal.