Antes dos estudos de Jung e de Freud, Machado de Assis escreveu em 1881 esta interessante novela em que aborda de forma inovadora para a época o tema da loucura. Nesse ano, do outro lado do mundo, Dostoievski acabava de publicar o seu último romance (Os Irmãos Karamazov) e falecia pouco depois. Não sei se Machado de Assis leu o mestre russo que tão bem abordou este tema. No entanto, o seu estilo é bem diferente e inovador.
O protagonista, Simão Bacamarte, é médico e dedica-se à psiquiatria. Para tal instala-se na pequena cidade de Itaguaí, onde funda a Casa Verde, um hospício onde vai internado os habitantes da povoação que considera doentes. Aos poucos vai enchendo a casa até aí encerrar boa parte da população. A partir daí começa a ser difícil distinguir quem são os loucos porque os que ele considera sãos são uma minoria cada vez mais insignificante. Isso leva-o a, de repente, soltar todos os internados concluindo que a teoria era inversa àquilo que ele pensava.
O ponto alto da obra é atingida quando Machado de Assis cria uma relação entre o estudo da loucura e o poder político. Por momentos, a alienação colectiva parece ser o suporte quer do poder quer do contra-poder representado pelo barbeiro revoltoso, que se opõe à Câmara Municipal que apoiava o alienista.
O final do livro surpreende pela forma inteligente como o autor decide o destino do protagonista; isolado, ele é o único que pode provar a si próprio a validade das suas teorias. Faltava saber até que ponto as suas teorias não seriam, elas próprias, provenientes da sua loucura, em vez da razão. NA verdade, o estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”. Assim, ganhava lógica a atribuição do epíteto de louco àquele que apenas agisse segundo a razão :) …
Um aspecto impressionante do livro é o estilo de escrita do autor. Penso que poucos conseguiram exercitar a língua portuguesa de forma tão bela como o fez este brilhante escritor brasileiro. Veja-se, por exemplo, a musicalidade, a beleza, deste excerto: “Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco para andar na rua ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos.”
Finalmente, uma nota para o fino sentido de humor de M. de Assis, que nos coloca um constante sorriso nos lábios, sem nunca cair na piada fácil que o tema sempre propicia ao escritor. Um livro importante na história da literatura de língua portuguesa, de leitura fácil e profunda, agradável e que nos propicia fortes motivos de reflexão.
Avaliação Pessoal: 9.5/10
9 comentários:
Este livro é tão bom, mas tão bom! Uma pequena obra lirerária, mas tão grande e forte em sentido.
Ainda dei umas boas gargalhadas à conta deste "alienista". :D
é mesmo. Foi uma bela surpresa. É curioso: este livro foi-me aconselhado por alguém aqui no mundo dos blogues; mas não recordo quem...
O que mais me impressionou em relação a esse humor de que falas é que nuca cai na facilidade; era muito fácil fazer piadas sobre os disparates dos "loucos". Mas Machado de Assis não vai por aí...
Na volta leste a minha opinião, Manuel e ficaste convencido! ;)
Não conheço muitos blogueiros que tenham lido este livro...
Também concordo. O humor dele é refinado. :)
Um abraço
Eu, brasleira que sou, fico muito feliz qd vejo que vcs leem obras de escritores brasileiros e que gostam!!!
Orgulhinho!!;o)
Fefa Rodrigues
Ah... tomei a liberdade de indicar a leitura do seu post em meu blog, td bem?
Fefa Rodrigues
http://apaixonadaporpapel.blogspot.com/
Tudo bem, Fefa. Eu é que agradeço :)
A literatura brasileira é muito apreciada em Portugal pelas obras de Jorge Amado, Erico Veríssimo, Ubaldo Ribeiro, Chico Buarque, etc. Mas penso que Machado de Assis é o verdadeiro génio da vossa literatura.
Muito interessante. "O estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”" - isto faz-me lembrar a teoria do caos que, simplificando, diz que toda a ordem advém do caos, o verdadeiro motor da vida.
P.S. Gostei da sugestão para a 9ª leitura conjunta do Destante. Vou tentar adquirir o livro, para participar, afinal, trata-se de um romance histórico ;)
GOsto dessa obra, ja li duas vezes! Machado de Assis é um dos meus autores clássicos favoritos, já li quase todas as obras dele, faltam algumas, que quero ler! Otima dica!
Olá Cristina
desde Dostoievski que alguns escritores vêem mostrando que a anormalidade faz parte do âmago da nossa alma. A normalidade é um conjunto de normas interiores ou exteriormente impostas destinadas a dar uma formatação à alma que não é, de todo, natural. Daí a loucura do ser normal...
Quanto ao livro do Destante, é um romance histórico tão diferente dos de Cristina Torrão :) Não é melhor nem pior, a diferença está nos tons das cores da escrita :)
Mas vais gostar!
Kézia, hoje fiquei decepcionado quando numa reportagem a propósito do Rock in Rio, umas jovens brasileiras nunca tinham ouvido falar de Rui Veloso... acho que nós conhecemos melhor o Brasil do que o Brasil nos conhece a nós... Machado de Assis é muito, muito, apreciado em Portugal.
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