Uma pequena aldeia alentejana transforma-se em
Jerusalém graças ao amor de uma rapariga pela sua avó, cujo maior desejo
é visitar a Terra Santa. Um professor paralelo a si mesmo, uma inglesa
que dorme dentro de uma baleia, uma rapariga que lê westerns e crê que a
sua mãe foi substituída pela própria Virgem Maria, são algumas das
personagens que compõem uma história comovente e irónica sobre a
capacidade de transformação do ser humano e sobre as coisas fundamentais
da vida: o amor, o sacrifício, e a cerveja.
Depois de ser distinguido com o prestigiado Prémio da
União Europeia para Literatura, Afonso Cruz venceu com o seu romance
"Jesus Cristo Bebia Cerveja" a categoria Livro Português do Ano na
primeira edição dos Prémios Time Out Lisboa.
Comentário:
A leitura deste livro, no âmbito do clube de leitura da
Bertrand de Braga, deixou alguma perplexidade. Por um lado, é um livro de
leitura muito agradável. Por outro, deixa um certo desencanto. Talvez o encanto
esteja no estilo e o desencanto no encaminhamento que o autor deu ao enredo.
Talvez se esperasse algo mais credível.
Um dos aspetos em que o livro é muito bem conseguido é na caraterização
dos personagens:
Rosa, a força bruta da terra; a candura de uma criatura
simples, ingénua, vítima de um destino nefasto. O Professor, um incompreendido;
uma vítima do mundo materialista e pragmático em que vivemos; a personificação
do fracasso do mundo das ideias. O Sargento Oliveira é o que resta do velho
Portugal: brutamontes, ignorante, cultiva um poder que julga superior e que
justifica a sua prepotência. Antónia é a mulher do povo, que nunca perde a
capacidade de sonhar, embora vivendo mergulhada na ignorância; ir a Jerusalém
foi um objetivo de vida. O sonho comanda a vida e a vida alimenta o sonho até
que ele se concretize. Miss Whittemore, a inglesa que “colonizou” um monte
alentejano, é a mecenas; a mulher estrangeira que traz a civilização a este
Portugal rural.
Este livro vem complementar uma tríade de obras
completamente diferentes umas das outras. Depois de um algo obscuro “A Boneca
de Kokosha”, este livro é uma lufada de ar fresco, uma obra divertida sem
perder a grandeza de um enredo muito bem elaborado. É um retrato profundo e
muito sério do Alentejo, mas também de toda uma ruralidade, nas suas virtudes
ingénuas mas também na ignorância e num certo obscurantismo.
O estilo de Afonso Cruz, fundado sobre frases curtas e
diretas, permite uma leitura agradável de onde sobressaem ideias claras,
plasmadas em frases de uma beleza literária indiscutível, onde o humor de uma
espécie de filosofia do trivial se mistura com a arte de transformar a vida num
conjunto de aforismos:
“Tal como é possível não pisar a merda, é possível dar a
volta ao impossível”
“Se o trabalho desse dinheiro, os pobres eram ricos”
“A loucura, quando dá a um grande número de pessoas,
chama-se sociedade contemporânea”
“Deus está na barriga dos esfomeados”
O final do livro, na minha opinião pessoal, perde um pouco
pelo exagero da situação criada. No entanto é desfecho surpreendente, cheio de
criatividade literária.
6 comentários:
Ando há imenso tempo para ler este livro, mas ainda não calhou. Mas é um dos que está na lista para ler proximamente... :)
No teu canto descobre-se sempre novas leituras que poderão vir a tornar-se muito interessantes! :D
Gosto do estilo criativo de Afonso Cruz, da dinâmica e da caracterização que ele dá aos personagens, da poética das histórias. Acho-o extraordinário!
A história deste livro é muito engraçada, independentemente das tristezas e do final trágico.
Gostei.
http://numadeletra.com/22922.html
Abraço,
Numa de Letra
Manuel,
gostei bastante da tua opinião. Como nos tens habituado é profunda, sóbria mas nem por isso menos interessante.
Devo dizer que fiquei com um problema que deverá ser impeditivo de ler este livro nos tempos mais próximos: penso que gostarei menos do livro do que da tua opinião sobre o mesmo. Acredito que não vá encontrar nada mais que tu, antes pelo contrário, na sua leitura e o tema não me suscitou uma curiosidade muito grande.
Gostei de te ler. Gostei da tua visão sobre a obra e, neste caso, para mim é o bastante.
Obrigado.
Um abraço.
Teté, é um livro que se lê muito rapidamente porque, alem de não ser muito grande, a escrita é muito apelativa. Obrigado pelo elogio :)
Tons de azul
parece que gostaste mais que eu :) Mas, de facto, aqueel final dececionou-me um bocadinho. Mas é como diz o outro: "há quem goste...";)
André
Obrigado! Muito obrigado por essas palavras. Mas o propósito é convencer as pessoas a ler os livros :)
Abraços a todos
Tenho o Afonso Cruz na lista de autores nacionais que pretendo conhecer melhor. Até agora ainda só li "O Pintor debaixo do lava-loiça", do qual gostei bastante, mas "Jesus Cristo bebia cerveja" e "A Boneca de Kokoschka" estão também na estante.
Aproveito para partilhar esta entrevista ao Afonso Cruz, feita pelo Carlos Vaz Marques, na TSF. Vale a pena ouvir.
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