«Em A Jangada de Pedra (...) o escritor recorre a um estratagema típico. Uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica que começa a vogar no Atlântico, inicialmente em direção aos Açores. A situação criada por Saramago dá-lhe um sem-número de oportunidades para, no seu estilo muito pessoal, tecer comentários sobre as grandezas e pequenezas da vida, ironizar sobre as autoridades e os políticos e, talvez muito especialmente, com os actores dos jogos de poder na alta política. O engenho de Saramago está ao serviço da sabedoria.» (Real Academia Sueca, 8 de Outubro de 1998)
(in Wook.pt)
Comentário:
Li este livro há muitos anos; creio que há mais de quinze
anos. Reli-o agora e encontrei nele um novo livro. Talvez porque nunca como
agora este país tenha precisado de uma fuga para o mar.
A vontade de um povo transformada na vontade de uma
península; nem a terra escapa à força de um povo. Portugal e Espanha não são,
aqui, dois países. São um pedaço de terra insatisfeita com a sua condição de
resto da Europa e um povo só, único e unido, na luta pela verdadeira
independência.
Os conflitos sociais que daqui decorrem representam essa
oposição tão enraizada no pensamento de Saramago: entre o povo e o poder
instituído que não o representa e, pior ainda, se lhe opõe.
Este livro é o testemunho do iberismo que Saramago sempre
defendeu mas é também um grito de revolta perante os caprichos do poder
político de que ele próprio foi vítima, tanto em ditadura como em democracia.
A jangada cumpriu o seu destino: o mar, esse “mundo” que
tantas vezes justificou o nosso ser português. E um dia parou; encontrou a sua
identidade girando sobre si própria e, finalmente, estacionando, fixando-se
como ilha. No entanto, Saramago deixa-nos em aberto a possibilidade de novas
viagens. Talvez porque o nosso destino nunca se cumpra. Talvez porque o destino
dos povos seja escrito página a página e não no determinismo com que tantas
vezes encaramos o futuro.
Note-se que este livro foi escrito em 1986, ano em que
Portugal aderiu à CEE, antecessora da atual União Europeia. Mas hoje, passados
23 anos, a discussão não terminou e muitos de nós continuamos a perguntar: que
fazemos nós nesta Europa? É por isso que, por mais anos que passem, os livros
de Saramago são sempre atuais.
Mas não se pense que este livro é uma obra sobre política. É
um romance pautado pela sensibilidade humana com que Saramago sublinha todas as
suas obras. De entre os vários personagens, sobressai a misteriosa Joana Carda
que, com um risco feito no chão sente que determinou a separação da península.
Quantos de nós não gostariam agora de fazer esse risco no chão? E pode ainda o
povo fazer riscos no chão? Penso que sim e Saramago concordaria. No entanto,
faltam as vontades. As vontades que talvez ainda estejam retidas num frasco de
Blimunda.
3 comentários:
Um livro que ainda não li mas espero fazê-lo em breve.
Já leu Augusto Abelaira? É igualmente muito bom, eu admiro imenso a obra do autor. Fica a sugestão :)
Olá Denise
nunca li Augusto Abelaira mas já anotei e vou ler. Afinal, foi a Denise que me aconselhou o Homem Duplicado e adorei :)
:)
"A Cidade das Flores"
Recomendo esse. Depois, espero que sinta o apelo à leitura de Abelaira daí em diante ;)
Boas leituras!
Enviar um comentário