Sinopse:
"É a obra mais polémica de José Saramago e
aquela que, indiretamente, o levou a sair de Portugal e a refugiar-se na ilha
espanhola de Lanzarote. Ficou para a história o desentendimento com o então
subsecretário de estado da Cultura Sousa Lara, que considerou o livro ofensivo
para a tradição católica portuguesa e o retirou da lista do Prémio Europeu de
Literatura. Com um José destroçado por ter fugido e deixado as crianças de
Belém nas mãos dos assassinos de Herodes; com uma Maria dobrada e descrita,
logo no início do livro, em pleno ato de conhecer homem; com um Jesus temeroso,
um Judas generoso, uma Madalena voluptuosa, um Deus vingativo e um Diabo
simpático, não era de esperar outra reação das almas mais sensíveis e mais
devotas do catolicismo português. E verdadeiramente viperinas são as várias
páginas onde o escritor português se entretém a descrever minuciosamente os
nomes e a forma como morreram os mártires dos primeiros séculos do
cristianismo. Assim se escreveram os heréticos Evangelhos segundo Saramago,
para irritação de muitos e prazer de alguns. Como convém." (Diário de Notícias,
9 de Outubro de 1998)"
Comentário:
Este livro tornou-se mais famoso pela sua “censura” do que
pela sua real qualidade literária. Publicado em 1989 é uma enorme obra de arte,
um exercício portentoso de criatividade artística, mas alguns pretenderam lê-lo
e interpreta-lo como uma obra sobre religião. Trata-se do maior engodo em que
pode cair um leitor desprevenido; no entanto, foi nesse engodo que caíram
alguns políticos da época.
Foi em resultado dessa polémica que Saramago decidiu fixar
residência em Espanha. É esta a atitude que muitas vezes Portugal adota em
relação aos seus maiores génios: emigrem, dizem eles!
O aspeto que mais ressalta deste livro é a abordagem humana
dos personagens; Jesus não é o filho de Deus; é visto, acima de tudo, como
Homem, em todas as suas qualidades e fraquezas. Logo no início do livro, um
pormenor paradigmático: quem visita o Jesus recém-nascido não são três reis com
ouro, incenso e mirra; são três pobres pastores que oferecem leite, queijo e
pão.
Os pobres e deserdados são as vítimas, mais que os eleitos
ou os bem-aventurados; são os que choram por fora e por dentro; e às vezes o
choro não tem remédio, é “aquele lume contínuo que queima as lágrimas antes que
elas possam surgir e rolar pelas faces”. É a este sofrimento que Saramago
presta homenagem num intenso poema cheio de humanidade.
Mas a leitura histórica de Saramago tem, por vezes,
implicações bem atuais: a questão da luta pelo território, que tanto tem
assolado a região da “Terra Santa” é constantemente questionada nesta análise.
O povo de Israel matou e invadiu para conquistar a terra. Depois foi invadido.
Antes, eram eles os estrangeiros. Agora quem são?
Em termos de religião, Saramago põe o dedo na ferida quando
nos apresenta Deus como um ser castigador. Milhões de pessoas morreram em nome
de Deus. Jesus foi apenas o primeiro de muitos. Jesus foi apenas um joguete nas
mãos caprichosas de Deus. A culpa é o argumento de Deus; a culpa que se
incentiva no homem, desde Adão. Mas a maior culpa que o homem carrega é a de se
ter tornado um obstáculo à ação de Deus. Por isso o homem não pode ser livre.
“O homem só é livre para ser castigado”.
Quanto a Jesus, o homem que viveu em pecado com Maria de
Magdala, o homem que procurou contrariar Deus através da bondade, é esse Jesus
cujo pensamento se aproxima de Saramago: o homem que diz, à revelia de Deus:
“Se não dividires, não multiplicarás”.
Deus, pelo contrário, é apresentado como um aliado do Diabo:
porque quanto maior for a glória de um, maior será a do outro.
4 comentários:
Um grande livro, embora que no que toca a Biblia, prefira Caim.
https://www.facebook.com/sergio.knight1?ref=tn_tnmn
Olá Sérgio
esse é um dos que ainda não li :(
Foi o primeiro livro de Saramago que li e custou-me horrores. Acho que ainda tenho pesadelos com as páginas e páginas dos mártires da igreja.
A minha mãe, super católica, leu e adorou, o que só prova que há gente com bom senso. Depois deste decidi que nunca mais ia ler Saramago, mas a minha mãe ofereceu-me o Ensaio sobre a cegueira quando ele ganhou o Nobel. Adoro o filme mas continuei a não me habituar à escrita. Mamãe obrigou-me, novamente, a ler o Caim que a fez rir à gargalhada. Pronto, acho que foi aí que descobri que afinal precisava era de crescer para apreciar o escritor. Agora vou ter que ir ler os outros todos outra vez :)
A tua mãe é uma heroína, Patrícia! :)
Pelo que conheço do teu perfil de leitora, acho que ias gostar de Levantado do Chão (que vou reler na próxima semana) e principalmente A Caverna. Se decidires tentar um destes diz qualquer coisa.
Beijinhos
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