domingo, 7 de abril de 2013

O Evangelho segundo Jesus Cristo - José Saramago




Sinopse:
"É a obra mais polémica de José Saramago e aquela que, indiretamente, o levou a sair de Portugal e a refugiar-se na ilha espanhola de Lanzarote. Ficou para a história o desentendimento com o então subsecretário de estado da Cultura Sousa Lara, que considerou o livro ofensivo para a tradição católica portuguesa e o retirou da lista do Prémio Europeu de Literatura. Com um José destroçado por ter fugido e deixado as crianças de Belém nas mãos dos assassinos de Herodes; com uma Maria dobrada e descrita, logo no início do livro, em pleno ato de conhecer homem; com um Jesus temeroso, um Judas generoso, uma Madalena voluptuosa, um Deus vingativo e um Diabo simpático, não era de esperar outra reação das almas mais sensíveis e mais devotas do catolicismo português. E verdadeiramente viperinas são as várias páginas onde o escritor português se entretém a descrever minuciosamente os nomes e a forma como morreram os mártires dos primeiros séculos do cristianismo. Assim se escreveram os heréticos Evangelhos segundo Saramago, para irritação de muitos e prazer de alguns. Como convém." (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"

Comentário:
Este livro tornou-se mais famoso pela sua “censura” do que pela sua real qualidade literária. Publicado em 1989 é uma enorme obra de arte, um exercício portentoso de criatividade artística, mas alguns pretenderam lê-lo e interpreta-lo como uma obra sobre religião. Trata-se do maior engodo em que pode cair um leitor desprevenido; no entanto, foi nesse engodo que caíram alguns políticos da época.
Foi em resultado dessa polémica que Saramago decidiu fixar residência em Espanha. É esta a atitude que muitas vezes Portugal adota em relação aos seus maiores génios: emigrem, dizem eles!
O aspeto que mais ressalta deste livro é a abordagem humana dos personagens; Jesus não é o filho de Deus; é visto, acima de tudo, como Homem, em todas as suas qualidades e fraquezas. Logo no início do livro, um pormenor paradigmático: quem visita o Jesus recém-nascido não são três reis com ouro, incenso e mirra; são três pobres pastores que oferecem leite, queijo e pão.
Os pobres e deserdados são as vítimas, mais que os eleitos ou os bem-aventurados; são os que choram por fora e por dentro; e às vezes o choro não tem remédio, é “aquele lume contínuo que queima as lágrimas antes que elas possam surgir e rolar pelas faces”. É a este sofrimento que Saramago presta homenagem num intenso poema cheio de humanidade.
Mas a leitura histórica de Saramago tem, por vezes, implicações bem atuais: a questão da luta pelo território, que tanto tem assolado a região da “Terra Santa” é constantemente questionada nesta análise. O povo de Israel matou e invadiu para conquistar a terra. Depois foi invadido. Antes, eram eles os estrangeiros. Agora quem são?
Em termos de religião, Saramago põe o dedo na ferida quando nos apresenta Deus como um ser castigador. Milhões de pessoas morreram em nome de Deus. Jesus foi apenas o primeiro de muitos. Jesus foi apenas um joguete nas mãos caprichosas de Deus. A culpa é o argumento de Deus; a culpa que se incentiva no homem, desde Adão. Mas a maior culpa que o homem carrega é a de se ter tornado um obstáculo à ação de Deus. Por isso o homem não pode ser livre. “O homem só é livre para ser castigado”.
Quanto a Jesus, o homem que viveu em pecado com Maria de Magdala, o homem que procurou contrariar Deus através da bondade, é esse Jesus cujo pensamento se aproxima de Saramago: o homem que diz, à revelia de Deus: “Se não dividires, não multiplicarás”.
Deus, pelo contrário, é apresentado como um aliado do Diabo: porque quanto maior for a glória de um, maior será a do outro.

4 comentários:

Anónimo disse...

Um grande livro, embora que no que toca a Biblia, prefira Caim.

https://www.facebook.com/sergio.knight1?ref=tn_tnmn

Unknown disse...

Olá Sérgio
esse é um dos que ainda não li :(

Unknown disse...

Foi o primeiro livro de Saramago que li e custou-me horrores. Acho que ainda tenho pesadelos com as páginas e páginas dos mártires da igreja.
A minha mãe, super católica, leu e adorou, o que só prova que há gente com bom senso. Depois deste decidi que nunca mais ia ler Saramago, mas a minha mãe ofereceu-me o Ensaio sobre a cegueira quando ele ganhou o Nobel. Adoro o filme mas continuei a não me habituar à escrita. Mamãe obrigou-me, novamente, a ler o Caim que a fez rir à gargalhada. Pronto, acho que foi aí que descobri que afinal precisava era de crescer para apreciar o escritor. Agora vou ter que ir ler os outros todos outra vez :)

Unknown disse...

A tua mãe é uma heroína, Patrícia! :)
Pelo que conheço do teu perfil de leitora, acho que ias gostar de Levantado do Chão (que vou reler na próxima semana) e principalmente A Caverna. Se decidires tentar um destes diz qualquer coisa.
Beijinhos