Sinopse
«Um apego ao concreto. Uma obra tida como ímpar no género da
literatura autobiográfica. Depois de ter investido, durante 30 anos, na poesia
e na crónica, José Saramago regressa às origens e recupera o romance, género
com que tinha iniciado a sua carreira. Aos 55 anos, inicia nova vida literária,
que o irá transformar no mais conhecido escritor português contemporâneo. Carta
de ideias e rumos. Os muros de Caxias. Um pintor a retratar as vicissitudes do
quotidiano. Sabe que nunca acabará o segundo quadro. ""O retrato está
tão longe do fim quanto eu quiser, ou tão perto quanto eu decidir"".
Saramago e o homem no tempo e nas circunstâncias, nas luzes e nas sombras.
Saramago em viagem. ""Verifico que mais fácil me foi ir dizendo quem
era do que afirmar hoje quem sou"". Saramago de inquietações e
interrogações, de luta política. A última página deste romance regista a queda
do regime.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"
Comentário:
1947, 1977, 1980 e 1982 são datas fulcrais da carreira do
nosso grande Mestre. Em 1947 publicou o seu primeiro livro, Terra
do Pecado para depois se eclipsar como escritor até 1977, ou seja,
trinta anos depois. É nesse ano que ele, com 55 anos de idade (!) começa a sua
verdadeira carreira literária, precisamente com este Manual de Pintura e Caligrafia.
Dois anos depois publicará esse maravilhoso Levantado do Chão, um
livro a que alguns chamaram romance rural mas que eu prefiro encarar como um
dos expoentes máximos do romance neo-realista. Mais dois anos depois, em 1982
surge o monumento maior da literatura portuguesa: Memorial do Convento.
Este livro é portanto, um marco histórico. Não é o melhor
livro de Saramago nem nunca poderia ser; nota-se a incipiência do estilo, até
uma certa timidez na criação de situações ficcionais. Sendo uma obra
autobiográfica, notam-se algumas hesitações na relação entre realidade e
ficção. No entanto, muitas dessas hesitações refletem outra realidade mais
profunda: a dificuldade filosófica de
separação entre a realidade vivida e o universo ficcional do escritor. Este
tema, aliás, tornar-se-á recorrente em toda a obra de Saramago.
O livro narra-nos o percurso de vida de um homem que, em
plena ditadura fascista, decide substituir a pintura pela escrita; H. era um
pintor medíocre (ou, pelo menos, banal) que, desiludido com a sua arte começa a
escrever um livro. No entanto, ele não consegue separar o livro da sua própria
vida. É todo o drama da relação (ou
contradição?) da vida com arte que vem ao de cima.
No entanto, subsiste na mente do autor um conceito de arte que não passa de uma dimensão da vida, mas uma
dimensão superior; algo que supera, que ultrapassa, a própria vida.
Saramago cita-nos neste livro o grande artista que foi Paul Klee: “um quadro que tenha por tema um homem nu
deve compor-se de maneira que seja respeitada não a anatomia do homem mas a do
quadro”. Quer dizer: a arte justifica-se a si própria e a realidade será a
tal imitação da arte a que já Oscar Wilde fazia referência. A pintura e a
escrita de ficção afinal, descobre H./Saramago, têm tudo em comum; numa como
noutra, a relação entre sujeito e objeto
é comandada por uma interdependência permanente em que o enredo (quadro
pintado ou romance escrito) altera a mente do artista e vice-versa. Esta
temática será retomada mais tarde, de forma mais sistemática, no livro História
do Cerco de Lisboa.
Um outro aspeto que me parece importante neste livro é a conceção proletária do artista, por oposição
clara à burguesia capitalista, mais chegada ao regime salazarista que vigorava,
mesmo após a morte do ditador. Neste sentido, trata-se de uma obra como uma
forte dimensão política. No entanto, como podia Saramago, um homem que sempre
lutou pela liberdade, fugir ao contexto político?
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