Sinopse
Uma cidade é devastada por uma epidemia instantânea de
"cegueira branca". Face a este surto misterioso, os primeiros
indivíduos a serem infetados são colocados pelas autoridades governamentais em
quarentena, num hospital abandonado. Cada dia que passa aparecem mais
pacientes, e esta recém-criada "sociedade de cegos" entra em colapso.
Tudo piora quando um grupo de criminosos, mais poderoso fisicamente, se
sobrepõe aos fracos, racionando-lhes a comida e cometendo atos horríveis. Há,
porém, uma testemunha ocular a este pesadelo: uma mulher, cuja visão não foi
afetada por esta praga, que acompanha o seu marido cego para o asilo. Ali,
mantendo o seu segredo, ela guia sete desconhecidos que se tornam, na sua
essência, numa família. Ela leva-os para fora da quarentena em direção às ruas
deprimentes da cidade, que viram todos os vestígios de uma civilização entrar
em colapso. A viagem destes é plena de perigos, mas a mulher guia-os numa luta
contra os piores desejos e fraquezas da raça humana, abrindo-lhes a porta para
um novo mundo de esperança, onde a sua sobrevivência e redenção final refletem
a tenacidade do espírito humano.
(in wook.pt)
Comentário
Em Ensaio Sobre a Cegueira não há
nomes; não há luz; há uma espécie de apocalipse, um colapso coletivo, uma
marcha inexorável para o abismo. O fim da humanidade como um imenso buraco
negro. Um caminho, uma vida, tudo num enorme caos. Assim vai a vida, assim vai
o mundo, os destinos, a gente que percorre a escuridão como quem persegue o
inferno.
Uma humanidade inteira que escapa
à sua condição de ser coletivo; apenas uns milhares, quiçá milhões de
indivíduos como uma soma imensa de egoísmos. Não há solidariedade; não há como
acreditar nos outros; há, isso sim, uma guerra perpetuada pela desgraça, um
rumo negro chamado destino.
Cegos somos todos. Este mundo
traçado por Saramago em pinceladas de escuridão não é mais que uma imensa e
monstruosa metáfora da sociedade humana em que nos afundamos. Uma sociedade
humana sem humanidade. Sem luz nem redenção.
Este é talvez o livro em que
Saramago assume o discurso narrativo mais objetivo, mais concreto. A mensagem
metafórica concilia-se de forma notável com a objetividade da escrita. Só um
génio conseguiria esta síntese, esta simbiose entre a estória e a mensagem;
entre o concreto e o subliminar; entre o mundo das imagens e o universo das
ideias.
Mas ao longo do livro,
misteriosamente, um enorme oásis de sentimento se vai abrindo, como uma grande
mancha de sol: a esposa do médico, uma mãe coletiva, assume-se como o anjo
protetor e traço de união entre os cegos.
Globalmente, estamos perante uma
refinada crítica social; uma espécie de grito de revolta perante uma sociedade
tipicamente entorpecida pelas estruturas burguesas capitalistas, que a
conduziram a um individualismo extremo. A cegueira dos personagens representa a
forma egoísta com que o ser humano se distancia do seu semelhante,
transformando a sua própria vida numa imensa solidão.
Muito interessante e
significativa, também a forma como Saramago explora o incremento da capacidade
auditiva nos cegos. O poder do que se diz, das mentiras e boatos; a capacidade
que o ser humano tem para acreditar e fazer acreditar em pseudoverdades que só
contribuem para o desastre coletivo da sociedade em que nos encontramos
mergulhados.
8 comentários:
Um livro brilhante :)
Depois d' "O Ano da Morte de Ricardo Reis", este "Ensaio" é um dos que mais me impressionou- as palavras, as imagens são tão fortes que é impossível lê-lo e não parar por momentos e respirar fundo (o filme é uma sombra do que Saramago criou com este livro).
Tenho ainda presente a sensação da crueldade humana, de face às necessidades e às privações ser tão "fácil" regressar às estruturas de poder mais primitivas. Tenho também a impressão que mesmo apesar do pessimismo de Saramago há uma réstia de esperança, que se sente nos contactos, nos afectos, no que em conjunto/ unidos se poderia contruir.
Destaco ainda a figura do CÃO nesta obra- este grande escritor deu-lhe as características que tantas vezes faltam aos homens (a lógica diz-nos que não deveria ser assim, mas...)
Livro Notável
Boas Leituras :)
Meu caro C. ainda bem que fala no cão. Talk como em "A Caverna" (um dos meus livros preferidos de Saramago), o cão assume um papel fundamental no contraponto com a "desumanidade" do ser humano.
O lado humano, positivo, a tal réstia de esperança que refere, eu senti-a principalmente no papel da mulher do médico; uma espécie de anjo bom.
Esse "regressar às estruturas de poder mais primitivas" fez-me lembrar "O Deus das Moscas"...
Quanto ao Ano da Morte de Ricardo Reis, é o livro que estou a ler neste momento.
Caro Manuel, sim, concordo com referência a "O Deus das Moscas".
Se compararmos a transformação das crianças/jovens e dos cegos no hospital é possível encontrar pontos em comum.
Fico a aguardar o seu comentário sobre o "Ano da Morte de Ricardo Reis"- apesar de nem sempre concordar consigo gosto bastante das opiniões fundamentadas e construtivas- Continue :-D
Caro C. se me permite a sinceridade, gostava imenso que me criticasse quando não concorda comigo :) Mas confesso o mesmo pecadilho: sou um seguidor fiel do seu blog e raramente escrevo lá, a mais das vezes por pura preguiça :(
pela minha parte prometo penitenciar-me... :)
Um grande livro, sem duvida. O segundo dele que li, e achei-o melhor que As Intermitencias Da Morte. Já a sequela do livro Ensaio Sobre A Cegueira, Ensaio Sobre A Lucidez, é o pior do Saramago. Acabei de ler o livro de contos OBJECTO QUASE, simplesmente admirável. Podem ler o meu testemunho:
http://www.facebook.com/sergio.knight1?hc_location=timeline
.... e este também. :)
Saramago tem uma escrita singular mas brilhante. Para além destes dois que comentei adorei também o Ensaio sobre a Lucidez, As Intermitências da Morte (que não deixa de ser um ensaio), Evangelho Segundo JC, Caim e o Homem Duplicado. A Jangada de Pedra gostei, mas não tanto. Todos os Nomes e A Viagem do Elefante não gostei nada e talvez o seu mais famoso livro, Memorial do Covento... nunca li. Tenho-o ali na estante até que chegue o dia.
Boas leituras.
Abraço.
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