Sinopse:
Tudo estava bem na vida de Godofredo Conceição Alves até ao
dia em que chega a casa e tem a terrível visão: sua mulher no sofá amarelo, em
postura inconveniente, trocando afagos com um outro homem. E logo o seu sócio! Negócios,
tranquilidade, o doce lar, tudo vem abaixo, como num pesadelo. Desesperado, Alves
vê sua vida ruir e, indignado, anseia por vingança; afinal, perde-se a mulher,
mas não se perde a honra. Com este enredo, Eça construiu esta novela, uma
obra-prima de ironia e humor. E o desconforto de Alves, a sua ansiedade por
lavar a honra, acaba por levar a um desfecho verdadeiramente surpreendente.
Afinal, o que os vizinhos vão pensar?
Comentário:
Alves e Companhia é um dos romances menos conhecidos do
grande mestre do realismo português. Na verdade, esta obra, publicada a título
póstumo, está longe do fôlego dos grandes romances de Eça, como Os Maias. No
entanto, estamos perante um dos livros mais agradáveis de Eça. A meu ver é este
tipo de narrativa que devia ser incentivada nas escolas porque são livros como
este, ou o Conde de Abranhos, ou ainda A Relíquia, que deliciam os leitores que
apreciam uma narrativa leve e bem-disposta; por outras palavras, o valor deste
livro reside essencialmente na motivação do leitor para depois enfrentar as
obras mais profundas de Eça de Queiroz.
Alves e Companhia é um livro sobre a inação humana.
Godofredo Alves é enganado pela mulher, com o seu sócio. A traição, segundo a
tradição da honra masculina, exigia vingança, ou melhor, um ato de reposição da
honra. Mas depressa ele se encontra sozinho nessa vontade de vingança e todos
os que o rodeiam preferem fugir ao escândalo; os amigos têm medo de apadrinhar
o duelo; o sogro prefere transformar em vítima a esposa traidora; esta prefere
escapar-se para umas proveitosas férias na praia. E Godofredo fica só na sua
dor, vendo todos os outros tirarem proveito da sua desonra.
Não andarei longe da verdade se disser que estamos perante
uma crítica de costumes, mas talvez seja mais exato se disser que se trata de
uma sátira de costumes; uns, os “machos latinos” aproveitam as mulheres dos
outros para se divertirem; e como todos podem ser ao mesmo tempo traídos e traidores,
tudo rola na paz dos Deuses; outros, como Godofredo, representam o romantismo
tradicional, cheio de boas intenções e moral católica. O que é peculiar em Eça
e que neste romance se torna o seu ponto crucial, é o facto de o escritor não tomar
partido e parodiar de igual forma as duas atitudes.
Mais do que uma sátira aos comportamentos, o livro acaba por
constituir uma sátira à própria moral, por um lado, e à tão satirizada “honra”
do cavalheiro enganado.
Enfim, um livro bem-disposto, de leitura fluida e muito
agradável. O bom velho Eça no seu melhor.
7 comentários:
Precisamente Alves e Companhia e O Conde de Abranhos são dois dos livros da coleção completa de Eça que estão cá em casa que ainda não li, talvez seja este post o empurrão para avançar já para estas duas obras que até estão reunidas num único volume.
A "inação humana", mais uma vez, em Eça. Um aspeto das suas personagens que até se nota em Carlos da Maia.
Excelente comentário, Manuel. E concordo plenamente com o teu primeiro parágrafo ;)
Aos três livros que citaste, eu acrescentaria A Capital, pela ridicularização de toda uma classe que pretende ser intelectual, mas a quem o intelecto falta.
O Conde de Abranhos é um monumento á sátira política. Continuamos a ter muitos lipinhos na AR. Talvez nos faltem zagalinhos. A RTP esteve muitíssimo bem, quando há três ou quatro anos criou uma série baseada no Conde de Abranhos.
O Eça no seu melhor! :) Gosta-se sempre das suas histórias.
Agora deste-me vontade de ler algo dele. Sim porque ainda tenho livros dele por ler na prateleira.
Também gostei muito deste livro... Acho que era uma boa preparação para quem ainda não leu os Maias. É divertido e satírico, sem ter aquela carga descritiva que tanto parece assustar. Era bom para dar nas escolas, tal como o Mandarim que também e assim pequenino, por acaso a Relíquia não foi dos que mais gostei...
cumps
Carlos, deixaste os mais divertidos para o fim. Vais gostar de certeza.
Cristina,o que é curioso é que ele satiriza a inação mas também o contrário. Aqueles que reagem, os impulsivos, também são caricaturdos porque caem no ridículo. É por isso que Eça é o mestre da sátira: ninguém lhe escapava :)
Grande Poeta
Fizeste bem lembrar a Capital. Durante anos foi a minha obra preferida do Eça, até reler Os Maias. E é como dizes: que atualidade, senhores! Falas dos lipinhos mas também há por aí muitos Conselheiros Acácios :)
Tonsdeazul
eu também ainda não li tudo dele; falta-me pelo menos um, O Mandarim. Mas são sempre leituras deliciosas.
Sara, é isso mesmo. Começar Eça com os Maias, como se obrigam os alunos, é um disparate. Eu próprio tive de o ler e só gostei mesmo quando o reli porque só nessa altura percebi todo o alcance do livro.
Beijinhos e abraços a todos.
"O Mandarim" foi o que menos gostei do Eça, mas talvez tenha sido por não ter lido na melhor altura... Não sei. Depois logo me dás a tua opinião. ;)
Enviar um comentário