EXCERTO:
Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moçambique, do lado de lá da baía de S. Vicente. Já se antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo depois. Dizem que de desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha. Ao que parece, Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em redor da casa. A senhora maldizia a perfeição de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. Só para a esfeiar e, assim, afastar os candidatos.
Depois da morte da mãe, enviaram Luarmina para o lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entregue a reza e crucifixo. Havia que arrumar a moça por fora, engomála por dentro. E foi assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para sua atual moradia, nos arredores de minha existência.
Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moçambique, do lado de lá da baía de S. Vicente. Já se antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo depois. Dizem que de desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha. Ao que parece, Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em redor da casa. A senhora maldizia a perfeição de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. Só para a esfeiar e, assim, afastar os candidatos.
Depois da morte da mãe, enviaram Luarmina para o lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entregue a reza e crucifixo. Havia que arrumar a moça por fora, engomála por dentro. E foi assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para sua atual moradia, nos arredores de minha existência.
Comentário:
Antes de mais, como sempre, a magia da mistura do português com
o falar de Moçambique; como se vê no excerto acima, esta escrita tem um
impressionante componente musical. O leitor é desde logo embalado por este
falar.
Neste pequeno livro (em boa hora incluído no Plano Nacional
de Leitura) está bem patente toda a qualidade literária deste grande escritor,
bem como toda a dimensão simbólica que a sua escrita encerra. Mar Me Quer,
título sugestivo é muito mais do que um trocadilho bem-sucedido; é a expressão
de uma analogia que Mia Couto desenvolve noutras obras entre o Mar e o devir, a
expressão do tempo, por oposição à terra, onde radicam as raízes daquilo que é
o verdadeiro tema de fundo de todas as suas obras: o povo moçambicano.
Agualberto Salvo-Erro, o pai do protagonista personifica
essa ligação da água a tudo o que é externo; Agualberto viveu e morreu em
desgraça porque pactuou com os estrangeiros, por oposição ao avô Celestino, o
homem com o coração da terra.
Zeca, o protagonista, herdou os dois lados; ele prefere
apenas viver, ao sabor do tempo, ou seja, fazer o que resta ao povo
moçambicano: sobreviver. Ao mesmo tempo, revela-se a face mais visível do
imenso iceberg que é a escrita simbólica de Mia Couto: esse lado emerso do
livro é a história de amor de Zeca Perpétuo pela sua gorda vizinha, a enigmática
Luarmina.
Luarmina é mulata; é a síntese das culturas em conflito
histórico; ela é também a explicação final do destino do pai de Zeca, num final
apoteótico e surpreendente.
Trata-se de uma bela estória, mais uma das muitas que Mia
Couto tem escrito. O poeta Miguel Almeida disse algures que ler Mia Couto lhe
dá uma vontade enorme de escrever poesia; acho que isso testemunha bem a beleza
quase mágica das palavras de Mia Couto, um escritor que tem levado bem longe a língua
portuguesa.
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