terça-feira, 3 de junho de 2014

O Fundamentalista Relutante - Mohsin Hamid





Sinopse:
Numa mesa de café em Lahore, um paquistanês com barba conversa com um desconhecido e apreensivo americano. Enquanto anoitece, o paquistanês começa a contar a história que conduziu a este encontro fatídico…Changez está a viver o sonho americano. À frente da sua turma em Princeton, é contratado por uma firma de "avaliação" de elite, a Underwood Samson. Ele prospera na energia de Nova Iorque e a sua paixão pela bonita e elegante Erica é uma promessa de entrada na alta sociedade de Manhattan. Mas após o 11 de Setembro, a situação de Changez na sua cidade adotiva altera-se subitamente e a sua relação com Erica é eclipsada pelo despertar dos fantasmas do passado desta. A própria identidade de Changez sofre também uma enorme mudança, revelando fidelidades mais fundamentais do que o dinheiro, o poder e talvez até mesmo o amor.
in fnac.pt
Comentário:
O protagonista dá pelo nome de Changez e não é por acaso: esse é um derivativo do nome Gengis, do famoso imperador mongol Gengis Khan e, ao mesmo tempo, imperativo do verbo "changer". Na verdade, ele é o protagonista de um mundo em mudança; uma mudança brutal provocada pelos atentados de 11 de Setembro. Mas, ao contrário que que muito se escreveu, este não é um livro sobre os atentados de Nova Iorque. É, acima de tudo, uma análise muito inteligente do impacto e das consequências desses atentados nas relações dos EUA com o mundo árabe (e não só). Mais do que uma reflexão política estamos perante uma crónica de um mundo em profunda e dramática mudança.
A narrativa baseia-se num diálogo entre Changez e um homem de negócios americano, na cidade de Lahore, no Paquistão; o jovem paquistanês vai narrando a sua passada aventura nas terras do tio Sam. Tudo começara com o fascínio pelo ocidente; com a sua brilhante ascensão numa empresa de sucesso, em que Changez se encarregava de avaliar empresas. E muitas vezes essas avaliações determinavam falências e despedimentos, ou seja, todas as consequências do fascinante mas (afinal) medonho capitalismo.
Tudo se precipita com o 11 de Setembro; a partir daí o sonho americano dá lugar à loucura americana; às perseguições insanas a todos os que, como Changez, fizessem lembrar essas figuras demoníacas vindas do oriente. Para o americano comum, o inimigo já não é apenas Bin Laden ou a Al-Qaeda; é qualquer ser humano cuja aparência se assemelhasse a um árabe. Nessa altura, o fascínio que Changez sentia pela América é substituído por um avassalador sentimento de traição; o fascínio pela capital do capitalismo é, agora, é encarado como um ato que atraiçoou as suas próprias raízes e a sua identidade: traição!
É precisamente essa loucura americana que conduz Changez àquilo que a América decidiu chamar fundamentalismo e que aqui surge como uma simples, natural e lógica defesa contra a ira irracional da América.
Tudo isto faz deste pequeno livro uma obra genial. A inteligência com que a mensagem passa é notável. Até a estória romântica de Changez com Erica se desenrola num notável plano simbólico; Erica está doente como a América; ela não será capaz de amar Changez porque está ferida de morte na sua própria alma.
Por outro lado, é notável a forma como o autor constrói um personagem que só aparentemente é secundário: o interlocutor quase silencioso de Changez. O americano nunca assume no livro o discurso direto; ele ouve e tem medo. Tal como o americano comum, tudo o que é paquistanês é assustador. No entanto, age com indiferença. Com a mesma indiferença com que os EUA encararam a guerra entre a Índia e o Paquistão em que este, teoricamente aliado, é agredido brutalmente pelo exército indiano perante a passividade hipócrita dos americanos. Da mesma forma, o interlocutor de Changez, nunca nomeado, sente medo mas é totalmente passivo; assusta-o um empregado de café demasiado sério mas não o assusta as descrições brutais da miséria paquistanesa. 
Um pequeno pormenor do livro pode servir para avaliar a inteligência desta pequena e genial obra: após o 11 de Setembro, Changez é vítima daquele controlo insano nos aeroportos. E Changez sente-se culpado, sem que nada o justifique! Um pormenor que constitui um poderoso motivo de reflexão.

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Não me deu informação que me permitisse formar uma opinião sobre o que achou da qualidade literária da escrita, mas fiquei convencido sobre o qualidade da trama obra como reflexão do conflito de culturas e anotei-a para a comprar oportunamente.

Unknown disse...

Podes crer que vais gostar. A escrita,em termos de estilo, não me mereceu grandes comentários porque nesse âmbito não traz nada de novo; é uma escrita fácil, fluída, simples. Diria que anda perto da escrita jornalística, não fosse o tom simbólico que está por todo o lado. É, acima de tudo, um livro que dá muito que pensar, principalmente quando temos um espírito crítico suficiente para o ler sem preconceitos, como é o caso do Carlos.