Sinopse:
José de Alencar, um dos grandes patriarcas da literatura
brasileira, pelo volume e mensagem de sua obra, deu à ficção produzida no
século XIX, um tratamento monumental. Escritor romântico, enfocou os mais
importantes aspetos da nossa realidade: o índio e o branco; a cidade e o campo;
o sertão e o litoral. A presente obra, que lhe granjeou popularidade ao ser
lançado em folhetim, era lido avidamente, até nas ruas, à luz dos lampiões. O
romance conta a história de amor entre o índio Peri e a moça branca Ceci, tendo
como cenário o Brasil do século XVII.
Comentário:
Ler José de Alencar é regressar ao mais genuíno romantismo literário
oitocentista. “Está cheio de clichés”, poderá afirmar o leitor desprevenido; no
entanto, aquilo a que hoje chamamos clichés da literatura romântica eram,
naquela época, o segredo do sucesso: as paixões exacerbadas e a tragédia a que
muitas vezes conduziam; tragédia ou felicidade suprema; a supervalorização do
meio natural… Não havia lugar a meios-termos nem meias tintas.
A maior parte do livro é dominada por um tom bastante
benévolo perante, por um lado, a bondade cristã dos colonizadores portugueses e
a bondade natural dos Guaranis. Mau grado a existência de personagens realmente
maléficos como o italiano e ex-frade Loredano, eles são sempre vistos como
exceções à regra; uma espécie de ovelhas tresmalhadas. Assim, na maior parte do
enredo, o leitor deixa-se levar por descrições idílicas, paixões supremas e uma
exemplar figura do fidalgo português que preza a honra acima de tudo. D.
António Mariz e aqueles de quem se rodeia são figuras de grande valor literário
por representarem essa honradez aristocrática que começava a perder-se no tempo
em que Alencar escreveu.
No entanto há um certo tom escatológico que confere à obra,
na sua parte final uma aparência de dramalhão, contrastando com o espírito
jovial e encantado que domina a primeira parte do livro.
Por todo o livro reina a beleza fantástica e majestosa da
natureza; as cores, os sons e até os perigos da floresta amazónica são-nos
apresentados de forma realmente idílica, como se de quadros vivos se tratasse.
Mas estamos longe das fastidiosas descrições dos escritores realistas; o tom é
sempre poético e agradável.
Um dos personagens principais, Peri, o índio Guarani,
representa nesta obra o bom selvagem de Rousseau: Alencar partilha da crença no
índio puro e bom. Aqueles que se revoltaram contra os portugueses e que, na
verdade, eram tremendamente cruéis, não fizeram mais do que defender a sua
própria terra, perante o colonizador português que, curiosamente, também é
visto de forma positiva por Alencar. Ou seja: não há “maus”; não há personagens
pérfidos a não ser essa figura terrível que escapa a toda a moral (seja divina
ou natural), que é Loredano; ele é uma espécie de encarnação do demónio.
Um dos aspetos mais marcantes em Alencar é uma religiosidade
profunda, ingénua, que mesmo assim não deixa de envolver um admirável espírito
de tolerância perante as crenças e a cultura dos indígenas.
“O pensamento é a arma
mais poderosa que Deus deu ao homem, e que com ela se abatem os inimigos, se
quebra o ferro, se doma o fogo, e se vence por essa força irresistível e
providencial que manda ao espírito dominar a matéria.”
2 comentários:
Como melómano, só tenho ouvido falar desta obra pela existência de uma ópera homónima de António Carlos Gomes baseada no livro. Mas daquela só conheço excertos e do livro nada.
Olá Carlos
Não se pode dizer que seja um livro fabuloso, mas como nunca tinha lido nada de Alencar, optei por este por ter lido algures que foi o seu primeiro grande sucesso.
Nesse sentido, como marco fundamental do romantismo, é também um marco na literatura do país-irmão.
A ópera não conheço...
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