(Carta recentemente descoberta, do espólio de Abraão Forjaz,
dirigida ao seu amigo Visconde da Ribeira Seca).
Meu caro Visconde,
muita água tem corrido por baixo da ponte desde que o enviaram aí para o
Brasil, como inspetor dos negócios de Pau Brasil.
Como sabe, há muito
que Sua Majestade se demitiu da governaçom do Reyno, (como se escrevia antes do
acordo ortográfico) deixando todo o poder nas mãos do nosso santo e sábio
Intendente. Dizem que vai por aí uma crise dos diabos, mas o certo é que temos herói
na coisa pública. Dizem que há por aí gente a passar fome de cão mas todos os
dias o nosso Intendente aparece nos noticiários, distribuindo sorrisos e
estórias de embalar.
Os patos bravos seguem-no
para todo o lado; são como moscas.
Alguns dizem que o
Intendente é um homem do povo; que subiu a pulso. Dizem ainda que é um homem
sensível, dedicado à sua missão, sábio, desinteressado… enfim, meu caro
visconde, só falta que o coloquem em cima de um andor e lhe façam uma
procissão.
Pois, e não será isso verdade?
perguntará o amigo Visconde.
De todo, como diria a
tia do Estoril. De todo. O homem é um nabo, para ser direto. O que acontece é
que anda na moda, que é como quem diz, cultiva a imagem. Veste bons fatos e
penteia-se bem, dirá o Visconde. Olhe que não, olhe que não, responderia o
Cunhal que Deus tem. O pior é que a imagem a que me refiro não é bem isso; é a
arte global de convencer os patos bravos a segui-lo até pertinho da falésia;
até que ele, em pessoa, surja em cima da dita cuja falésia, como um Cristo-Rei (ou
Corcovado como aí se diz) glorioso e triunfal, enquanto os patos bravos,
embalados por ele, não conseguirão travar e se esbardalharão por completo
falésia abaixo.
Então e a lei? Perguntará
o amigo Visconde. A lei, meu caro, tem sido o maior motivo de divertimento. O
nosso Intendente, no alto da sua sapiência inventou um expediente infalível:
sempre que lhe dizem que a lei não permite isto ou aquilo, faz beicinho, arrota
a bafio, deixa correr o ranho pelo nariz afora e, comovidos, os patos bravos
oferecem-se em sacrifício no altar da Pátria.
(O autor deste blogue limita-se a publicar a carta sem
qualquer alteração, omissão ou acrescento, não se responsabilizando por qualquer
eventual semelhança em relação à realidade atual).
3 comentários:
Esta carta é o máximo, no melhor estilo queirosiano ;)
Obrigado, António e Cristina.
Abraços
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