terça-feira, 27 de agosto de 2013

História de Duas Cidades - Charles Dickens

Sinopse
Ao fim de dezoito anos de prisão na Bastilha como prisioneiro político, o envelhecido Dr. Manette é libertado e parte para a Inglaterra, onde volta a encontrar a filha. Aí, dois homens, Charles Darnay, um aristocrata francês exilado, e Sydney Carton, um advogado brilhante mas de má reputação, apaixonam-se por Lucie Manette. Das ruas pacíficas de Londres, são levados para a Paris do Reino do Terror, onde a sombra fatal da guilhotina abarca tudo e todos.

Comentário:
Talvez só Victor Hugo tenha trasposto a Revolução Francesa para a literatura de ficção de forma tão fiel e emocionante como o fez Charles Dickens nesta obra. O enredo desenvolve-se em duas cidades, Londres e Paris e por detrás de todos os acontecimentos está esta tremenda verdade: as injustiças sociais que conduziram à grande revolução não eram específicas de França; elas existiam da mesma forma em Londres porque o sofrimento dos injustiçados é universal.
O que mais impressiona neste livro é este desmascarar das injustiças e a justificação das terríveis e sangrentas vinganças que marcaram aqueles anos de finais do século XVIII. Mas mais admirável é ainda o facto de este livro ter sido escrito em 1859, antes do surgimento das teorias socialistas. Na verdade, as ideias de Dickens podem, neste livro, ser consideradas percursoras do socialismo, tal é a preocupação com o desmascarar de tais injustiças.
No entanto, não se pense que estamos perante uma obra de cariz ideológico; pelo contrário, o autor consegue “ver os dois lados” a apontar o dedo às outras injustiças: as que se cometeram no período do terror, em que a vingança (neste livro personificada como a personagem Vingança) assume uma matriz de violência extrema, da qual foram vítimas muitos inocentes, em nome dos belos ideais da Revolução.
Pelo meio fica a inevitável estória de amor. Mas mesmo nesse aspeto, tão sujeito aos clichés da literatura oitocentista, Dickens não deixa de nos presentear com aquilo que, na minha opinião há de mais encantador na sua escrita: a caracterização das personagens; desde o bondoso Lorry, um velho e amável banqueiro até à impiedosa Madame Defarge, a imagem terrífica do mais cruel jacobinismo, desfilam personagens tipo, todas elas cheias de significado na representação global da alma humana: o magnífico e heroico Sidney Carton, que dá a vida para salvar os que ama, a singela Lucie, a imagem da ingenuidade imaculada e Charles Darnay, um herói quase imbecil, um homem de bom caráter mas incapaz de se opor à fúria dos tempos e dos homens.
Exposto o que de mais genial tem este livro, não posso deixar de apontar um defeito que, num autor como Dickens, é algo estranho: a imensa quantidade de coincidências que tornam o enredo francamente “impossível”. Alguns dos personagens cruzam-se de forma completamente impensável, em situações inimagináveis.
O final do livro é constituído por algumas páginas de arte em estado puro. Algumas das páginas mais belas que até hoje se escreveram. Simplesmente magistral.
Enfim, um livro de leitura fácil e apaixonante que me ajuda a cimentar a convicção que venho formando há uns anos: a literatura oitocentista é verdadeiramente apaixonante. Embora com grandes e honrosas exceções (Fitzgerald, Joyce, Mann, Murakami, Auster, Kafka, etc.), o século XX, a meu ver, não superou a centúria grandiosa que o precedeu. Mas isso será assunto para outros escritos…

4 comentários:

Carlos Faria disse...

Confesso a minha falha de nunca ter lido Dickens, talvez por que as mais famosas obras dele estarem em cinema e dispensei de ler os originais.
Concordo que o século XIX deu-nos obras primas completas sobre o ponto de vista artístico, filosófico e moral. Adorei "Os Miseráveis", sobretudo no que se refere à mensagem e informação subjacente, pelo que penso que este livro poderá fazer um contraponto e mostranr a mesma revolução do ponto de vista de um estrangeiro.
Desde algum tempo que ando a incluir nas minhas leituras obras consagradas, uma vez que já me apercebi que somos inundados com publicidade das editoras do que vai saindo e descubro que se tornam variações da mesma obra ou do mesmo estilo e só o tempo distinguirá o trigo que ficará do joio que cresce na moda.

NLivros disse...

Já li muita coisa de Dickens, mas confesso nunca ter lido este romance.
Fiquei interessado, pese embora essas coincidências pouco dickenianas, em todo o caso ler Dickens é sempre um prazer e tenho-o feito ao ritmo de um livro por ano.
Abraço!

Unknown disse...

Carlos, foi essa a conclusão a que eu também cheguei e da qual ainda há dias conversava aqui com o Iceman. Na verdade, há tanto lixo a ser publicado que é um crime não ler os clássicos.
Iceman, eu tenho uma grande lacuna a colmatar: ainda não li os livros mais famosos do Dickens (Oliver Twist, Nicholas Nickleby e David Copperfield) mas os entendidos dizem que este Tale of two cities (não gosto da tradução do título) é o menos "Dickeniano" de todos.

Pedrita disse...

eu gosto muito de dickens. beijos, pedrita