sexta-feira, 29 de abril de 2011

Jerusalém - Gonçalo M. Tavares

A proximidade entre o Bem e o Mal; entre o amor e o ódio; a vida vizinha da morte – um caminho apenas. Talvez a cruz de Jerusalém, cidade e nome do livro, metáfora para o hospício Georg Rosemberg, onde Mylia e Ernst viveram, amaram e conceberam Kaas. É Mylia quem diz, citando a Bíblia: “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que seque a minha mão direita”. E mais adiante: Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg”, que seque a minha mão direita”.
Numa escrita crua, dura, directa e atraente, GMT percorre a vida de personagens-tipo, que vivem nas margens ténues da loucura normal.
Mylia, 18 anos, esquizofrénica. Casa com o médico Theodor; ele estudá-la-á sem amor. A mãe diz que ela vê almas.
No hospício, Mylia conhecerá Ernst, esquizofrénico. Desse amor nascerá Kaas. No hospício Georg Rosemberg. Ou Jerusalém. Sítio da redenção e da paixão. Do sofrimento e do amor. Da salvação e da perdição. O local de onde vem o medo, como a guerra para Hinnerk.
Mylia, 40 anos, à espera da morte. Alguns meses para viver. Procura uma igreja, na madrugada. Desesperada por um pouco de paz. A dor dilacera-a; a dor má, que a matará e a dor boa, que a faz sentir viva: a dor da fome; da fome do corpo. Naquele momento um pão era mais importante que a eternidade: a vida é uma soma de momentos, todos eles únicos.
Theodor Busbeck desposara Mylia. Ele estuda o horror; faz contas, somas, gráficos. Encontrar os padrões do horror nos tempos; o horror passado e futuro da humanidade explicados em fórmulas matemáticas.
O horror, o sofrimento e a violência são vitais para o mundo; se um dia houver equilíbrio entre os sofredores e os que fazem sofrer, o mundo perderá sentido e extinguir-se-á. Como na vida de qualquer indivíduo: sofrer ou fazer sofrer são os termos da equação. Quando se equilibrarem será a morte. Ou então, para lá desse equilíbrio, apenas a fé poderá sobreviver. Como na doença de Mylia: ela viverá depois do prazo que a ciência lhe deu para morrer. Porque os milagres existem. O sagrado é o lugar onde tudo termina. O sagrado que se encerra no nome de Theodor.
Como se vê, trata-se um livro cheio de simbolismo; mas aqui, significados e significantes acabam por ser descodificados sem esforço pelo leitor, tornando a leitura extremamente agradável. Não se trata de um livro “negro” como a capa pode enunciar; não se trata de um livro sobre a morte ou a loucura; trata-se de um livro sobre a vida nas suas múltiplas facetas; sobras as angústias do viver, do sentir, do amar e do morrer.
Não é uma obra-prima nem GMT alguma vez terá ambicionado tal; é um livro pequeno, de leitura rápida, que deixa múltiplas pistas que nos permitem antever no seu autor um talento que o poderá levar, no futuro, aos mais altos níveis da genialidade.
Avaliação Pessoal: 8.5/10

6 comentários:

Cristina Torrão disse...

Impressionante.

Anónimo disse...

Pior livro que já li!

SEVE disse...

"Jerusalém" - mais um grande/enorme livro, dum escritor absolutamente magistral e desconcertante!

Unknown disse...

Gostei muito. Acho que ainda falta qualquer coisa a GT para se tornar um ícone da literatura portuguesa; talvez ainda não tenha encontrado uma certa identidade como escritor.
MAs esta obra é, sem duvida, magistral.

Unknown disse...

Gostei bastante! Muito bem escrito!

Carlos Genésio de Oliveira Seixas disse...

JERUSALÉM, um livro no qual a estória se inscreve nas grandes da literatura. Ficção real, onde as dores, a maldade, a morte, a supremacia do ser humano investigando os percalços da vida. Mostra-nos as nossas características mais escondidas e abertas ao social, mas que podem ser vistas nuas e cruas através da narrativa. Uma literatura forte e bem arrumada, sem linearidade.