terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Cemitério de Praga - Umberto Eco


Cemitério Judeu de Praga - imagem retirada daqui.

Um romance histórico interessantíssimo. Nem outra coisa seria de esperar de um mestre como Umberto Eco.
O pano de fundo é dado pelas intrincadas intrigas políticas na nascente Itália e na velha França, no século XIX. Na península italiana, Garibaldi e Mazzini colocavam os reinos italianos a ferro e fogo. No entanto, as diversas facções digladiavam-se continuamente, com o Vaticano e a França sempre de permeio. Tal “embrulhada” de interesses e forças era terreno fértil para intrigas e jogos de poder onde reinavam os espiões e interesseiros como Simonini, o herói, ou melhor, o anti-herói deste livro.
Simonini é perverso, perigoso, traiçoeiro. Mas é também um pouco estúpido. Esta é a grande lição da obra: um homem pouco inteligente mas tremendamente perverso e impiedoso pode pôr em risco toda uma nação.
Umas vezes ao serviço de Garibaldi, outras de Mazzini, dos piemonteses, dos franceses, dos austríacos ou até dos russos, Simonini tem apenas um princípio do qual nunca prescinde: um ódio profundo, mortal, aos judeus. Simonini é um personagem suficientemente perverso para que todos os leitores nutram por ele um sentimento de revolta a roçar o mesmo ódio que ele sente por todos, bem expresso nesta afirmação de um personagem com quem Simonini negoceia: “O ódio é a verdadeira paixão primordial - o ódio une os povos, desperta a esperança nos miseráveis e solidifica o poder instituído – seja o ódio aos judeus, aos maçons, aos estrangeiros…” (pág. 432).
Ao mesmo tempo, este livro demonstra como a história pode ser forjada por interesses mais ou menos obscuros: Simonini, o espião ao serviço de quem lhe paga mais, especializa-se em forjar documentos. E mesmo aqueles que sabem tratar-se de documentos falsos, agem como se fossem verdadeiros. A História, muitas vezes é construída apenas por falsários.
Um outro aspecto interessante deste livro é o facto de Simonini ser praticamente o único personagem ficcional. Freud e Garibaldi são apenas dois dos mais conhecidos intervenientes na narrativa. Outros são verdadeiros trapaceiros com existência histórica comprovada que Eco estudou afincadamente.
Trata-se portanto de um livro cheio de emoção onde é possível “ver” nas suas páginas grande parte da realidade política de uma Europa muito conturbada, nos finais do século, anunciando já a Primeira Guerra Mundial que marcaria o início do século XX. Nascia a Itália, mas aprofundavam-se as guerras de bastidores entre austríacos, franceses russos e ingleses.  
Avaliação Pessoal: 9.5/10

13 comentários:

N. Martins disse...

Nem vou ler a tua opinião, porque esse é um daqueles que faz parte da minha lista de próximas aquisições. Não quero saber nada sobre ele, só espreitei a pontuação... Promete! :)

Unknown disse...

é um excelente romance histórico mas tem atenção a uma coisa: aquilo tem muito de história (do século XIX europeu). Espero que gostes.

NLivros disse...

Ora viva!

Eis um livro que está na minha lista e um autor que muito aprecio.

Fiquei com a certeza de se tratar de uma excelente obra.

Cristina Torrão disse...

Interessante, criar uma personagem, cujo carácter se baseia na força do ódio. Há sempre um grande risco na criação de um anti-herói, que provoca revolta nos leitores, mas talvez o facto de este ser um pouco estúpido o torne mais humano e permita uma certa identificação.
Enfim, Umberto Eco atingiu um estatuto acima das "leis" que ditam os best-sellers (com todo o mérito, claro) e não tem problemas em correr riscos desses ;)

Unknown disse...

Iceman, se bem conheço os teus gostos, este livro "é a tua cara" como se diz na minha terra :)

Cristina, esse é o ponto! Um anti-herói só pode ser suportado por escritor de génio ou que tenha "crédito" para prender os leitores mesmo com um personagem antipático.
Acho que neste livro tudo anda em torno do ódio. Não é a patetice de Simonini que lhe dá crédito junto do leitor... aliás, o leitor em momento algum simpatiza com ele. O leitor detesta-o mas admira os seus golpes ardilosos. Depois Eco explora essa coisa estranha que todos temos no espírito que é a atracção pelo grotesco, pela maldade... não sei se estou a explicar bem isto... :)
Mas para lá disto há os outros trunfos de Eco: a escrita perfeita, o retrato histórico; o sentido de humor leve, fino, discreto que por vezes desemboca na gargalhada solitária e quase insana de quem lê no silêncio da madrugada... enfim, um livro que tenho a certeza vais gostar de ler.

Miguel Nunes disse...

Iniciei-me no universo Eco com este livro precisamente.
Tal foi o fascínio que o Nome da Rosa e o Pêndulo de Foucault estão já na estante à espera.
Boas leituras Manuel.

mauseriagostar.blogspot.com

Unknown disse...

Olá Sr.
Se gostaste deste vais gostar ainda mais de O Nome da Rosa. É magnífico!

Anónimo disse...

Um excelente romance HISTÓRICO que demonstra como pode-se manipular a história e os acontecimentos criando factóides, contrafacções, enfim pseudo-história.

lembrando o que disse Balzac "a verdadeira história é a história da vergonha".

Red Angel disse...

Confesso que me deu algum "trabalho" a ler, mas no final a leitura foi bem mais do que satisfatória.

Ainda assim, e dos que já li, o meu preferido deste escritor continua a ser "O Pêndulo de Foucault", uma verdadeira obra iniciática (na minha modesta opinião).

N. Martins disse...

Volto para confirmar a genialidade de Umberto Eco. Muita história, é verdade, mas muito muito interessante. Gostei imenso! E gostei desta tua opinião... :)

Unknown disse...

Olá N. :)
fiquei feliz por teres gostado; conheço muito poucas pessoas que leram este livro, por isso sinto-me um pouco sozinho quendo digo que é uma obra de excecional qualidade :)
Um abraço!

Unknown disse...

Faz, mais ou menos, um ano e meio que li esse livro. Foi-me dado por uma colega do trabalho que leu as 50 primeiras páginas e desistiu. Disse que o livro era muito chato. Não me abalei, nem um pouco, pois já havia lido "O Nome da Rosa" (duas vezes; a terceira foi interrompida pela minha mulher, que disse que não me deixaria lê-lo novamente e me deu um livro novo de presente; mas vou ler de novo, mesmo assim) e "O Pêndulo de Foucault". Pra falar a verdade, fiquei mais instigado em ler o "Cemitério" por ela ter desistido. O livro segue o mesmo estilo de sempre: começa meio lento, às vezes entendiante. Mas isto faz parte da técnica que o autor usa para apresentar os personagens e cenários, dando-os corpo para que o final seja sempre empolgante e interessante, deixando-nos com aquele "gostinho de quero mais". Certamente será um livro que lerei novamente, mas antes preciso "zerar" minha conta com Eco. Recentemente, terminei de ler Baudolino e partirei em breve para a "...Rainha Loana" e a "Ilha...". O "Cemitério" é, em minha opinião, o livro mais interessante do autor. Seu personagem principal, Simonini, desfila por lugares e fatos históricos, não só o dos Manuscritos, mas entre os maçons, satanistas, Freud, a Comuna de Paris, as lutas garibaldinas e tantas outras. As ilustrações da edição brasileira são magníficas e ajudam a criar a atmosfera proposta pela obra. A descrição da missão negra é hiperrealista; parece que estamos lá, atrás daquelas cortinas, observando o que ocorre durante a "cerimônia". Somos privilegiados em poder acompanhar, "on-line" a obra desse autor que, com a morte de Hobsbawm, é o maior intelectual da atualidade, vivo.

Maria das Graças disse...

O título e o autor me convenceram a comprar "O cemitério de Praga". Apenas a curiosidade, de alcançar o entendimento de uma lógica dos preconceitos no personagem, me levaram a terminar o livro e com um sentimento antagônico. Felizmente o narrador interrompe o personagem e surpreende o leitor com as notas de esclarecimentos