Desde logo, o tema deste livro estimula a curiosidade do leitor: o clero feminino nos tempos do Império. Por outro lado, promete-se uma história emocionante, em torno de um manuscrito perdido, nada menos que um roteiro de viagem do famoso e enigmático descobridor das terras de Angola, Diogo Cão. No centro da intriga está o Mosteiro de Lorvão que, cada vez mais, constituía um desafio ao poder centralizador do Rei, D. João III.
Com perspicácia, a autora, apresenta-nos uma visão do clero feminino, criado no século XII, não como uma conquista das mulheres mas como uma forma de dar destino às mulheres nobres que não conseguiam um casamento dentro da sua condição social, ou que haviam cometido o pecado capital. No entanto, no Mosteiro de Lorvão crescia um nicho de autonomia feminina que desafiava tais propósitos.
É que, aos poucos, os mosteiros femininos iam-se tornando mundos fechados, com todo o recato que o refúgio implicava. E não tardou muito até que se transformassem em esconderijos de segredos passíveis de ameaçar os poderes instituídos. Daí o interesse com que um Rei autoritário como D. João III os tentasse controlar.
Mesmo no auge do Império, Portugal continuava a ser um país conservador, peado pelos interesses e privilégios das ordens dominantes – nobreza e clero: o irmão de Caetana (personagem principal, que escondia o famoso Roteiro) emigrara para Itália porque só lá teria futuro como artista. Em Portugal seria destinado “à espada ou à Igreja”.
Neste romance sobressai, a meu ver, a personagem Filipa d’Eça, eleita abadessa à revelia do próprio Rei. Ela é a voz da Razão. A voz da verdade que, sem peias, exprimia a inutilidade do clero feminino como “armazém” de senhoras perdidas e donzelas sem vocação. A sua voz era, no entanto, inconveniente.
Realce também para um retrato bastante realista do Rei D. João III – corajoso mas algo rude e antipático. Ficou, no entanto, por explorar um outro lado da personalidade do monarca: o seu espírito fraco no que respeita à religião: muito piedoso mas com uma religiosidade feita de medo, bem à maneira medieval. Esta característica confirmada pela historiografia contrasta até um pouco com a atitude ameaçadora que este livro desenvolve, em relação aos mosteiros. Aliás é esse carácter exageradamente piedoso que o levou a introduzir em Portugal a tenebrosa Inquisição.
Em suma, trata-se de um livro muito interessante, de leitura rápida e fácil deixando-nos, no entanto, um certo “sabor a pouco” pois o tema dava “pano para mangas”.
Avaliação Pessoal: 8/10
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