sexta-feira, 30 de maio de 2014

João Sem Terra - José-Augusto França


Sinopse:
João sem Terra segue-se, como fora anunciado, a Ricardo Coração de Leão. São dois romances independentes e nenhum deles é histórico. Um título provocou automaticamente o outro, em nomes de altas personagens da História – que no caso são apenas coincidências, ou nem isso. Ambos os romances, porém, tratam de Duas Vidas Portuguesas com o seu quê de inevitavelmente histórico, dos anos 1960 em diante. Depois de Ricardo, jornalista lisboeta em suas aventuras amorosas e políticas, de «coração de leão» em Portugal, conta-se aqui a história de João, jovem professor que, em 1965, partiu para Paris a escapar à guerra colonial. São vidas possíveis de uma História que foi vivida por todos nós – cá dentro ou lá fora...
in www.presenca.pt

Comentário:
Decidi-me pela leitura deste livro pela magnífica promoção do site da Presença mas, acima de tudo, pelo nome do autor. Recordo-me de ler e estudar José Augusto França na universidade, na sua qualidade de historiador da arte onde é, de facto, uma enorme autoridade intelectual.
Mas se enquanto historiador a sua obra me fascina, após a leitura deste livro de ficção já não poderei dizer o mesmo em relação à sua condição de escritor de ficção.
Como este foi o primeiro livro que li de J. A. França, talvez a minha opinião venha a modificar-se no futuro, mas para já deparei com um livro algo difuso: a mensagem, ou ideia-base do livro, até é bastante interessante: a solidão do refugiado político, do exilado, vítima do regime salazarista. Este tema, tão bem desenvolvido, por exemplo, em Manuel Alegre, é aqui explanado num enredo algo pastoso, lento, pouco atrativo. Maçador, mesmo. Cheguei ao final da leitura com aquela sensação estranha e desagradável de um livro cujo enredo se poderia ter resumido a meia dúzia de páginas. Isto para já não falar de um final em estilo de dramalhão, pouco convincente e, a meu ver, um pouco forçado. As condições em que se encontrava o protagonista não me parecem suficientes para justificar tal final.
Mas pelo meio ficam também coisas interessantes, como as descrições por vezes bastante poéticas dos locais percorridos pelo protagonista, nomeadamente a cidade de Paris com todos os seus encantos e as bucólicas florestas do interior de França, esse país que foi paraíso e salvação para muitos dos que tiveram a coragem de fugir à ditadura e recusar essa bestialidade que foi a guerra colonial.

domingo, 25 de maio de 2014

Beatriz e Virgílio - Yann Martel


Sinopse:
Henry, um escritor reconhecido, decide escrever um livro, meio ficção e meio ensaio, como forma de abordar todos os aspectos de um mesmo tema. Completamente desencorajado pelos seus editores, desiste do projecto e vai viver para outra cidade. Aí, contudo, continua a receber cartas de leitores e, um dia, um taxidermista escreve-lhe a pedir ajuda. Henry apercebe-se então de que estão ambos a tentar escrever sobre o mesmo tema. Um livro polémico e provocador, que confirma o autor de A Vida de Pi, o Man Booker Prize de 2002, como um dos mais surpreendentes escritores canadianos da actualidade
in wook.pt
Comentário:
É sempre ingrato voltar a um autor que se revelou genial num primeiro livro. Foi o caso de magnífico "A vida de Pi", um livro encantador que venceu o Man Booker Prize de 2002. Agora, doze anos depois, empreendi a leitura deste Beatriz e Virgílio sem conseguir desligar-me dessa memória. Por mais que o nosso cérebro saiba que não devemos fazer comparações, elas são inevitáveis e a verdade é que este livro não me encantou como acontecera com o seu antecessor.
No entanto, estou muito longe de considerar esta obra como um mau livro; por um lado, dececionou-me a fragilidade estrutural do livro, as hesitações narrativas e a forma titubeante como o autor entra no verdadeiro assunto do livro, com muitos rodeios e, aparentemente, com uma certa fuga ao âmago da questão.
Por outro lado, encantou-me o facto de o autor pretender e conseguir fazer uma abordagem diferente do holocausto. Talvez não haja assunto mais estafadamente abordado na literatura de ficção como o holocausto. Por ter consciência disso, o protagonista do livro é um escritor que tenta aquilo que o próprio Martel persegue: uma leitura diferente do referido fenómeno. E consegue-o de uma forma quase brilhante.
O livro assume uma curiosa forma de fábula, em que Virgílio e Beatriz (personagens da Divina Comédia de Dante, em que Beatriz representa a fé e Virgílio a razão) são, neste livro, respetivamente, um macaco e uma burra. Ambos são vítimas um drama absolutamente chocante que funciona como metáfora do holocausto. Ficção sobre a realidade, evidentemente; "A ficção talvez não seja real, mas é verdadeira." É esta perspetiva que justifica o recurso à metáfora; levar o holocausto ao domínio da ficção é elevá-lo, é perpetuar a memória: "Se a história não se transforma em estória, morre para todos exceto para o historiador." É que a realidade escapa-nos sempre... nós é que não podemos escapar dela. É por isso que o holocausto nunca será um tema estafado nem ultrapassado.
O sentimento contraditório que este livro me provocou, de um certo enfado por um lado e de admiração por outro repercute-se também na forma como enfrentei o final do livro: chocante mas tremendamente real, excessivamente dramático mas de uma beleza admirável. O escritor protagonista do livro, com tons marcadamente autobiográficos, enfrenta um poderoso personagem envolto em mistério, um especialista em embalsamamento de animais. Esse personagem enigmático, revoltante, monstruoso dá ao livro um caráter sombrio mas, ao mesmo tempo, carregado de simbolismo e de força. No entanto, algo soa a excessivo neste livro; algo barroco, mesmo, pelo drama mas também por uma estética que me pareceu algo pretensiosa.

terça-feira, 20 de maio de 2014

O Signo dos Quatro - Arthur Conan Doyle



Sinopse:
Nesta nova aventura de Sherlock Holmes, Mary Morston, uma jovem governanta, recorre aos serviços do detetive para tentar descobrir o que aconteceu ao seu pai, que alguns anos antes desaparecera sem deixar rasto após ter regressado da Índia. Estaria o seu desaparecimento relacionado com as valiosíssimas pérolas raras que um remetente desconhecido enviava anualmente à jovem Mary, uma de cada vez? Depressa Holmes e o seu fiel companheiro, o doutor Watson, veem-se a braços com um caso de contornos bizarros envolvendo um terrível assassinato e um fabuloso tesouro perdido. E o que significa «o signo dos quatro», a estranha inscrição encontrada junto do cadáver? Terá Sherlock Holmes encontrado por fim um inimigo capaz de o suplantar? Os acontecimentos sucedem-se a um ritmo vertiginoso, e o detetive vê-se forçado a embarcar numa corrida contra o tempo para capturar o criminoso antes que este desapareça para sempre.

Comentário:
Ler Conan Doyle é um precioso último recurso quando nada mais apetece fazer ou então quando as obrigações da vida parecem querer devorar-nos o corpo e a alma. Nos períodos de stress, quando é preciso encontrar um escape de emergência, é bom ter um Conan Doyle à mão; quando nada mais há para fazer e a preguiça impera, um Conan Doyle é a solução; quando nos cansamos de ler estórias sérias, profundas, reflexivas e às vezes deprimentes, uma boa dose de Conan Doyle, três vezes ao dia, é remédio santo.
Ou seja: não há altura que não seja ideal para ler este Mestre, este senhor da literatura policial. Policial e não só, porque se Sherlock Holmes criou tantos fãs não foi só por ser mestre em deslindar crimes intrincados; foi porque o seu autor fez dele um dos personagens mais fascinantes de toda a história da literatura.
E Conan Doyle é muito mais que um escritor de policiais; é um dos maiores génios literários de todos os tempos.
Estou convencido que os maiores segredos do sucesso deste escritor são os seguintes: escrita objetiva, sem floreados, um doseamento correto da solução do enredo, sem guardar para o fim o tradicional desfecho "bombástico" e uma cultura geral fantástica que espalha pelos seus livros conhecimentos invulgares para aquela época.
Este livro é um testemunho claro do que acabo de escrever. As personagens são caraterizadas com mestria, criando imagens claras na mente do leitor; o enredo é simples sem cair no simplismo radical; a estória é envolvente porque despojada de descrições inúteis e reflexões enfadonhas; o mistério, esse, é o leitor que o vai desvendando, com "pistas" que o autor nos vai deixando a conta-gotas. É por isso que é tão difícil parar de ler Conan Doyle; porque é na mente de quem lê que se vai construindo a estória.
Neste livro, a aventura leva-nos até uma autêntica caça ao tesouro, com cenas emocionantes de perseguição no rio Tamisa, em que os barcos a vapor, alimentados pelo carvão, nos fazem lembrar as perseguições policiais de Hollywood com automóveis de grande potência a romper pneus no asfalto. Tudo em busca de um tesouro trazido de África, misteriosamente desparecido e que finalmente...
O melhor mesmo é ler...

domingo, 18 de maio de 2014

Bornal de Narrativas - José Fernandes da Silva

Numa vistosa e cuidada edição Calígrafo e com um magnífico texto de apresentação da autoria de José Manuel Mendes, José Fernandes da Silva voltou à narrativa curta. Em boa hora, digo eu, modesto e interessado leitor. Poeta por excelência, músico por paixão, professor por ganha-pão, este minhoto (de gema e orgulho) passeia pelas letras como se nascido entre as linhas de um qualquer tratado da arte de bem escrever.
Na verdade, um dos aspetos que mais impressiona o leitor é o cuidado na escolha das palavras, o esmero na adjetivação equilibrada, escapando sem esforço à verbosidade barroca que tanto por aí pulula. Por outro lado, é nítido o respeito pela linguagem popular. E também aí é interessante verificar como o autor escapa à armadilha da brejeirice: o seu sentido de humor é delicado, irónico e eficaz sem cair na facilidade da palavra atrevida.
Este humor delicado e refinado está, também ele, pejado de humanismo: a maioria das centenas de personagens do livro são dotadas de uma simplicidade e mesmo bondade humana, não escapando mesmo o meliante, o sacana que foge à lei mas que não passa do desastrado "pilha-galinhas" ou do hilariante trapaceiro mal sucedido. No prefácio a esta obra, o escritor Fernando Pinheiro atribui-lhe um tom moralista; eu não iria tanto por aí; esse moralismo talvez não seja mais do que a expressão dessa crença na bondade humana, num certo tom de Rousseau moderno.
Em termos formais, as narrativas que este livro nos apresenta têm o condão de manter as linhas do conto tradicional, linear, muitas vezes com final aberto que convida o leitor a imaginar desfechos, outras vezes com remates finais surpreendentes e outras vezes ainda com desfechos hilariantes como o da bela Liberata no conto Coisas da Natureza. O autor foge sempre, com mestria, daqueles finais inesperados, milagrosos, que retiram o tom realista à narrativa. Aqui tudo é natural como a própria vida; tudo é simples como os campos e os rios, os perfumes da erva acabada de cortar ou da água pura do riacho que dá vida a homens e bichos.
Esta estrutura de conto tradicional é servida por uma linguagem tremendamente visual: as descrições criam imagens claras na mente de quem lê e a sequência narrativa obedece sempre a uma lógica do "acontecível" que reforça o tremendo realismo dos cenários e das estórias.
Tudo isto leva o leitor a encarar estes contos de uma forma perfeitamente natural, como se de crónicas se tratasse.
Finalmente, uma referência a esse traço distintivo da obra deste autor: a ruralidade. Para José Fernandes da Silva, esta admiração pelo universo rural é a expressão do culto das raízes, dos valores ancestrais mas sem aquela sensação de perda e desencanto que carateriza muita da literatura sebastianista, "passadista" que por aí se encontra. Esta ruralidade é a expressão do caminho para a realização do ser humano que tenta escapar a este materialismo capitalista e selvagem em que nos encontramos mergulhados. O campo de outros tempos é o contraponto da cidade mergulhada na tirania dos mercados que hoje nos tenta subjugar.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Notas ao Acaso - Francisco F. Gomes


Não sou versado em poesia porque nunca cultivei esse gosto.
Mas até eu, que nunca fiz dos versos um prazer, fui capaz de sentir nesta escrita a beleza que há em palavras que são brisas do vento da montanha; em silêncios ouvidos entre versos; na musicalidade das rimas e, acima de tudo, na alma, no sentir que há nas palavras de Francisco F. Gomes.
Este é um livro modesto; não é Camões nem Pessoa, mas é alguém que sente e faz transpirar esse sentir para palavras cuidadas, meditadas e principalmente sentidas. É a voz da terra e a voz dos homens; é a voz do planalto, esse mundo mágico em que nasci, mas também o sentir e o sofrer das suas gentes, num Portugal enganado, perdido em veredas escuras de crises fabricadas e em centralismos egoístas. É o eco da terra e das árvores. É o sussurro de um rio só ouvido por quem sente a sua corrente no próprio sangue que lhe corre nas veias. É a voz do pescador que se sente extasiado ouvindo o silêncio que um qualquer Deus criou para que o homem desprezasse, na sua absurda ambição civilizacional.
Numa edição de autor, sem luxos mas com o brio simples de gente que ama e vive a terra, Francisco F. Gomes leva o leitor a viver as mais sublimes paisagens... as da terra e as da alma.
Uma poesia simples, singela, sincera e carregada daquilo a que podemos chamar de beleza natural. Porque a natureza também está na alma. Francisco Gomes é um viajante, mas nas suas páginas estão raízes: da terra que o viu nascer, no verde Minho que me criou. E também a terra que o acolheu: o planalto que me fez nascer, em terras de Miranda.
Foi com sentimento que li este livro, porque me fez reviver a infância ao correr silencioso e fresco do rio Cávado; mas foi também com a certeza de estar perante um desses poetas que nunca o pretendeu ser mas que o é por excelência. Porque poeta é aquele que fala verdade com a voz da alma.

domingo, 11 de maio de 2014

Encontro em Jerusalém - Tiago Rebelo


Sinopse:
Francisca e Afonso são um casal de repórteres de guerra que se conheceu na Terra Santa, em dias pautados pelo ruído dos Scuds iraquianos, a que o autor poeticamente chamou «dias de pólvora». Mas os clarões que em 1991 incendiavam os céus de Jerusalém e de Bagdad perdiam todo o seu fulgor perante a luminosidade quase incandescente da paixão que unia os dois repórteres. Muitos outros cenários de guerra testemunhariam o amor, o entendimento pleno que os tornava tão íntimos e felizes. Mas a proverbial inveja dos deuses não tolera uma felicidade em estado puro, e a sua intervenção não se fez esperar. Francisca e Afonso iriam ter pela frente a mais dura prova à intensidade da sua paixão. Com o sugestivo título "Encontro em Jerusalém", o mais recente livro de Tiago Rebelo conquista-nos de forma imediata e incondicional através de uma narrativa que concilia autenticidade e arrebatamento na justa medida, e que nos deixa absolutamente rendidos ao seu subtil poder de encantamento. Baseado nas experiências das reportagens de guerra do escritor, nomeadamente em dois dos conflitos que mais marcaram a década de 90 — a Guerra do Golfo e a Guerra da Bósnia —, "Encontro em Jerusalém" surpreende-nos pela extraordinária riqueza e verosimilhança dos cenários, de um rigor documental, e das personagens que neles se movem, e revela-nos ainda o conhecimento profundo que o autor tem dos ambientes socio-políticos descritos.
in www.wook.pt

Comentário:
É complicado fazer um comentário a este livro. O motivo é aparentemente simples: na minha opinião há neste livro dois polos opostos, como se estivéssemos a falar de duas obras diferentes: uma crónica de viagens e uma história de amor. Na verdade, como crónica de viagens e, ao mesmo tempo, como memória histórica, é excelente. Já como estória de ficção redunda numa narrativa linear, simples, enfim, a estória já mil vezes contada dos repórteres que se apaixonam num cenário de guerra e que acabam casados mas desunidos pelas feridas que a guerra deixou, para tudo terminar no mais belo e banal final feliz, típico das mais eficazes novelas cor de rosa.
E não vale a pena falar mais deste livro como obra de ficção.
O grande mérito deste livro é a sua dimensão jornalística; é o testemunho realista e muito bem escrito, com essa objetividade típica da escrita jornalística, que nos presenteia com uma excelente síntese do conflito israelo-árabe, da primeira e segunda guerra do golfo, do drama da Faixa de Gaza, com o interminável confronto entre palestinianos e israelitas, com os EUA a desempenhar o seu papel de manobrador de marionetes. No entanto, é sobre o conflito nos Balcãs que o autor consegue o seu melhor desempenho, dando ao leitor pouco informado um quadro muito claro do que foi esse terrível conflito que marcou a reta final do século XX. Aí, o drama dos civis inocentes, dizimados pelas armas de cobardes encondidos atrás de difusas ideias políticas, testemunham o que de mais pérfido há na natureza humana: precisamente o desprezo pelo seu semelhante. E, mais uma vez, a hipocrisia cobarde dos poderosos, dos "donos do mundo" assistindo impávidos ao horror.
Por outro lado, Francisca, a repórter fotográfica testemunha essa tirania da imagem, em que a humanidade parece ter mergulhado: tudo se faz por uma imagem, mesmo que isso implique sofrimento e morte.
Enfim, um livro que me marcou profundamente pela abordagem clara e objetiva de assuntos muito sérios mas que fica aquem das expetativas como obra de ficção. 
Mesmo assim, é um livro que se recomenda vivamente.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Ciganita - Miguel de Cervantes

Miguel de Cervantes, esse enorme génio literário, não escreveu só esse livro intemporal que é o D. Quixote. Da sua obra destacam-se doze narrativas curtas, as Novelas Exemplares, onde podemos encontrar este A Ciganita.
Logo na primeira página, deparamos com afirmações polémicas  e mesmo chocantes: com todas as letras, Cervantes afirma que os ciganos são um povo de ladrões e que essa é a única forma de vida que conhecem.
Obviamente, isto haveria de provocar diferentes leituras. Alguns, mais simplistas, encaram esta afirmação como uma constatação lógica, alimentando uma perspetiva xenófoba que Cervantes partilharia. Outros, no entanto, lêm esta afirmação num contexto de ironia. O certo é que, a meu ver, esta segunda perspetiva é confirmada pela leitura do livro; os ciganos de Cervantes não são apenas os ladrões que ele próprio enuncia. Esta aparente contradição faz parte de toda a lógica de Cervantes enquanto escritor e que viria a desenvolver magistralmente no D. Quixote: a arte da caricatura social. Estes ciganos são ladrões mas também amantes da natureza, da justiça natural, da igualdade de direitos entre os indivíduos e, acima de tudo, construtores de uma sociedade sem grupos sociais, sem desigualdades, ao contrário da sociedade "civilizada" da Espanha do século XVII. O roubo é encarado apenas como um modo de vida, fruto de uma sociedade (já naquele tempo) marcada pela injustiça social.
Obviamente, A Ciganita é também uma estória de amor e talvez tenha sido com essa intenção única com que foi escrita; portanto, é um livrinho pouco ambicioso que não tem qualquer comparação possível com o D. Quixote. É um livrinho agradável, que se lê  num par de horas mas que pode convidar o leitor desperevenido a interpretações apressadas e algo perigosas.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Lavínia - Ursula K. Le Guin


Sinopse:
Como leitora da Eneida, de Virgílio, Ursula Le Guin escolheu esta figura silenciosa, a segunda mulher de Eneias, para protagonizar este romance, que é a sua homenagem à epopeia de Virgílio. Lavínia passa a narradora deste romance, contando-nos a sua infância e juventude idílicas, num mundo pré-helénico e pré-romano, cheio dos mitos e dos ritos que o sagravam, fala-nos dos homens que a cortejaram até que Eneias chegasse e, como em Tróia por Helena, uma guerra começasse, por ela. Um romance de uma rara qualidade poética que tem tanto de histórico como de mítico.
in www.presenca.pt

Comentário:
A literatura fantástica está na moda, mas ao depararmos com livros como este somos levados a pensar que sempre esteve na moda. Este livro, publicado pela primeira vez em 2008, é uma obra notável no domínio da fantasia. Isto porque um excelente livro não pode nunca restringir-se a um género ou a um rótulo. Portanto, este Lavínia é muito mais que uma obra de literatura fantástica.
Antes de mais, parte de uma ideia notável: continuar e como que "terminar" a Eneida que se diz ter ficado incompleta. Na verdade, agarrando as réstias de verdade história que ainda pode haver sobre os tempos nebulosos situados antes da fundação de Roma, Ursula Le Guin preenche essas lacunas com a encantadora história do imortal Virgílio e com a sua própria imaginação. Lavínia, mulher de Eneias, não teve direito a toda a sua história na Eneida. O poeta não terá tido tempo de completar a sua vida no imortal poema épico. A autora envereda então por um caminho narrativo verdadeiramente peculiar: coloca o próprio Virgílio dentro de livro, seguindo os passos da personagem que ele próprio criou, Lavínia, interagindo no próprio enredo. Criador e criatura num mesmo plano. A ideia é genial e resulta numa narrativa peculiar, cheia de emoção e, acima de tudo, muito bem escrita. A prosa de Ursula Le Guin tem um tom poético que embala quem lê, num percurso pelas florestas encantadas do passado mítico de Roma. Nesta escrita "lê-se" a paixão da autora pelo tema, a emoção de quem escreve com prazer, deleitando quem lê.
Sabinos, Etruscos, Latinos, bem como os estrangeiros troianos e gregos preenchem um mosaico encantador, envolvidos numa névoa de misticismo, nas míticas florestas do Lácio. Todo o livro vem perfumado de uma religiosidade natural, de um tempo em que os Deuses comandavam os destinos dos homens e não o inverso, como a partir de certa altura pareceu tornar-se comum. Aqui são os oráculos e os presságios que determinam o destino das personagens e dos povos. Mas esta religiosidade envolve um respeito e uma veneração pela própria natureza que nos faz sentir angustiados perante a relação tirânica que o homem, no decorrer do processo histórico, parece ter implantado em relação a esse mesmo ambiente natural.
O que realmente há de mágico neste livro é a sensação de que a personagem principal, Lavínia, tem consciência que a sua vida é pura imaginação do poeta; como se a realidade passasse a existir como fruto da própria ficção. É esta magia que torna este livro único. O que lhe falta para ser uma obra-prima? Talvez alguma incerteza no desenrolar e no desfecho da narrativa; algum "suspense". Mas nem por isso deixa de ser uma obra genial.

sábado, 3 de maio de 2014

A Trança de Inês, na opinião da Joana Malheiro

Abro aqui um cantinho "à parte" no meu blogue para dar voz à gente nova. A primeira dessas vozes é da Joana Malheiro, de 14 anos de idade, que leu A Trança de Inês, esse livro delicadíssimo e delicioso da saudosa Rosa Lobato de Faria.
Aqui fica, portanto, o comentário da Joana.

Esta é uma história baseada essencialmente no mito de Pedro e Inês, na qual a autora narra três períodos que se desenrolam em simultâneo, colocando Pedro, o protagonista, a viver três realidades diferentes, uma no passado, outra no presente a terceira no futuro, em 2090, onde as pessoas são a favor da natureza ser preservada a todo o custo e o ser humano individualmente não tem valor. As reencarnações e recordações destas histórias atormentam Pedro, que está internado num hospício.
Tal pomo no romance original, Pedro escolheu a paixão que sentia por Inês como destino.
Joana Malheiro