Adquiri este livro porque nutro uma especial curiosidade por este período da História de Portugal, a baixa Idade Média, com todos os seus mistérios e equívocos, tanto historiográficos como, principalmente, do foro do senso comum. E também por este rei, que foi o último a derrotar os muçulmanos no território que hoje é Portugal.
Por outro lado, a minha curiosidade foi espicaçada pela recente leitura do D. Dinis, da Cristina Torrão. Inevitavelmente, esta leitura foi condicionada pela comparação com o livro sobre o rei Lavrador, a quem eu prefiro chamar Poeta. E esse condicionalismo é ingrato para a Maria Antonieta Costa porque é muito difícil fazer um romance histórico com melhor qualidade literária. No entanto, cedo reparei que este livro é bem diferente.
A autora encaixa na obra duas estórias que se intercalam: o “romance histórico” propriamente dito e a estória da investigação dos pseudo-factos do romance.
Quanto ao primeiro enredo, narra-se a aventura de uma bela moura que terá sido barregã (amante) do Rei Afonso III. Este teria, na hora da morte (que ocorre no início do livro) revelado um segredo, sintetizado numa única palavra. Mas a bela moura de nome Madragana ver-se-á envolvida numa trama terrível de conspirações na corte, até que seja consumado um trágico destino.
O segundo enredo passa-se no Vaticano, onde Eunice Bacelar, a investigadora, segue as pistas de Madragana, dos cortesãos e físicos do mundo místico e mágico do tempo de Afonso III. Num tom “Dan Browniano” que já se tornou moda, a autora conduz-nos através dos caminhos tenebrosos de uma investigação pejada de surpresas, amores e ódios perante o cenário da Cidade Eterna, até que tudo se deslinde na mística serra de Sintra.
Pessoalmente não me encanta esta sobreposição das duas estórias. O leitor deambula entre os dois tempos e o ritmo narrativo, a meu ver, é prejudicado. Mas isto, obviamente, é uma posição subjectiva…
O que realmente me parece muito positivo neste livro é o esforço da autora por clarificar a distinção entre os factos históricos e a ficção. Sobressai uma visão muito lúcida da abordagem do conhecimento pelo homem medieval: todo um esforço por passar da superstição à ciência, utilizando vias intermédias como a numerologia e os símbolos. O conhecimento científico confunde-se com a superstição e a alquimia parece ser a síntese entre os dois níveis. Os princípios alquímicos demonstram conhecimentos notáveis para a época, ao nível da química e das ciências naturais mas são utilizados com objectivos algo fantasiosos, como a busca da panaceia universal, do elixir da vida, da pedra filosofal (que transformaria qualquer matéria em ouro) ou então, num plano mais concreto, a procura da arma de destruição total que, nos nossos dias, corresponderia à anti-matéria.
No entanto, este tipo de conhecimento só faz sentido num contexto muito hermético e poucos “sábios” tinham acesso a estas artes. Daí que o próprio conhecimento se identifique com o poder, dando azo a toda a espécie de maquinações, intrigas e conspirações palacianas.
Voltando ao início: parece-me que esta segunda estória, de cariz histórico, se revela bem mais eficaz, emocionante e rica em conteúdo do que a saga da investigadora. Por outro lado, é nítido que é no terreno do romance histórico que a autora se sente mais à vontade e se torna de facto, original, usando a sua criatividade sem necessitar de um estilo que está cada vez mais gasto, como acontece na aventura de Eunice.
Espero portanto de Maria Antonieta Costa um verdadeiro romance histórico que ela aqui dá provas de poder concretizar.
Avaliação Pessoal: 7.5/10
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