segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Lugar do Morto - José Eduardo Agualusa

Não é fácil emitir a minha opinião sobre este livro. Agualusa confundiu-me um pouco. Por um lado, a ideia é genial: colocar escritores falecidos a falar dos problemas do mundo actual. Por outro lado, isto foge completamente aquilo que Agualusa nos habituou a fazer: uma maravilhosa, fantástica e poética ficção. Por isso estranhei o livro. Fiquei com a sensação que o tema era tão abrangente que constituía um verdadeiro filão para que se conseguisse algo de mais interessante.
É preciso não esquecer que se trata de uma colectânea de textos publicados numa revista. Só o formato já é bastante limitativo: textos demasiado curtos que impedem uma explanação coerente das ideias.
Mas não deixa de haver momentos excelentes neste livro. Alguns exemplos:
Eça de Queirós acha que nós, os portugueses, até ao errar somos pequenos: erramos em ponto pequeno. No passado, pelo contrário, errávamos em grande; Cabral queria ir para a Índia, errou e descobriu o Brasil. Em África recorremos à escravatura; um erro que deu origem à gloriosa colonização do Brasil. Eu acrescentaria que só nos faltou um erro: se D. Afonso Henriques tivesse errado seriamos hoje um povo bem mais feliz. Mas adiante.
Na voz do grande filósofo que foi Bertrand Russell, Agualusa dá-nos uma leitura curiosa do ateísmo: “a haver um Deus – terá de ser ateu”. Ou seja: se Deus nunca se revelou inequivocamente é porque não quer. Quer ser discreto; quer ser anónimo. Então, ao manifestarmos abertamente a crença em Deus estamos a afrontar a vontade divina, logo, estamos a ofende-lo. Os ateus, pelo contrário, agradam a Deus porque respeitam a sua discrição. Confesso que este raciocínio me encantou.
Muito curiosa a leitura que Agualusa faz da obra do seu amigo Mia Couto pela voz de Sophia: ela encara o Jesusalém como a melhor obra do autor moçambicano. Dela extrai uma curiosa definição de amor. Não resisto a transcrevê-la: “o amor é inútil, muito inútil mesmo. Arde sem préstimo e sua luz não ilumina ninguém. O amor não nos protege, não dá sentido a coisa alguma: arde e o que sobra são cinzas, e depois é maior a escuridão.” Falou e disse!
Last but not least, o famigerado acordo ortográfico. Mais uma vez polémica, a opinião de Agualusa. E, atrevo-me a dize-lo, algo redutora. É na voz dos grandes Machado de Assis e Padre António Vieira que Agualusa aborda o assunto, defendendo uma ideia um tanto obtusa: Lula da Silva está mais próximo do linguajar de Cabral do que Cavaco Silva. Custa-me entender este argumento que coloca o Brasil como centro gravítico da língua portuguesa. Numa coisa é preciso concordar com Agualusa: o ideal maior é a universalidade da nossa língua; é aquela bela ideia que ele já defendeu noutras obras, principalmente Milagrário Pessoal, segundo a quyal a nossa pátria é, parafraseando Pessoa, a Língua Portuguesa. Simplesmente, a pergunta que fica no ar é: será preciso inventar acordos e regras obtusas para construir esta pátria? Por mim, adorava ouvir a resposta de Agualusa. E estranho muito a defesa intransigente de uma tão forçada unificação da língua, precisamente por parte de um escritor que tão bem usufrui da liberdade linguística. Liberdade essa que faz da escrita uma arte…
Avaliação Pessoal: 8/10

1 comentário:

Miguel Nunes disse...

Comprei-o na mais recente Feira do Livro na banca da Tinta da China porque, tal como ao Manuel, a ideia pareceu-me genial.
Vou lê-lo e transmito-lhe a minha "critica".