segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis



Imagine-se um livro cuja estória é contada por um narrador morto. Brás Cubas morreu e depois conta a estória. Este pormenor dá ao livro um tom fantástico que reforça a característica “exterior” mais marcante do livro: o seu magnífico sentido de humor. Este é, em primeiro lugar, um livro divertido!
É comum identificar-se Machado de Assis com a literatura realista. No entanto, este “carimbo” tem tanto de justo como de insuficiente.
É um carimbo justo porque, de facto, ler Assis faz lembrar Eça de Queirós na sua faceta mais realista: no descrever da realidade concreta mas, acima de tudo, o quadro social e mental da época.
No entanto, é um carimbo, também, insuficiente porque Machado de Assis vai muito além do realismo. Já tinha notado nas obras que li anteriormente (D. Casmurro e O Alienista) uma notável propensão para o romance psicológico; Assis recusa muitas vezes a sequência cronológica dos factos e segue apenas as divagações mentais de Brás Cubas. É a sua mente que o livro percorre, mais do que a sua vida. Neste livro, Machado de Assis faz um grande desafio ao leitor: “Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...”
A escrita, irónica e inteligente, é um desafio constante ao leitor. O narrador e personagem principal é apresentado como uma espécie de anti-herói: egocêntrico, algo lento de raciocínio e leviano. No entanto, o carácter algo irracional de Brás leva o leitor a dedicar-lhe uma certa simpatia; ele percorre a vida sem obedecer a um padrão, a um enquadramento ético que o norteie e frequentemente encontra-se perdido de qualquer sentido. Talvez por isso o tema da morte esteja sempre presente na obra, mau grado o tom bem humorado da escrita. Há, por detrás deste enredo aparentemente bem disposto, um tom escatológico que parece vaguear como uma sombra por detrás da narração.
Em suma: obra realista ou romance histórico; conto humorístico ou tratado filosófico, este livro é uma obra multifacetada cheia de motivos de interesse. Um marco histórico na literatura brasileira mas também um livro simples que se lê com agrado e boa disposição.

6 comentários:

www.amsk.org.br disse...

Que bom que gostou, já faz tantos anos que o lí e me volto a recordar pela sua narrativa.
Machado é sem dúvida um grande da literatura, assim como Eça de Queiroz.

rromí

N. Martins disse...

Os livros de Machado de Assis, têm sido um lufada de ar fresco, mais frescos que muito livros de escritores modernos! Gosto muito! Tenho nas minha estantes para ler o Esaú e Jacó, numa edição que traz também o Dom Casmurro. Talvez seja o próximo... :)

Teté disse...

Este está na minha lista de leitura, para o futuro. Gostei de Dom Casmurro, este parece diferente! :)

Unknown disse...

D Casmurro, este e o Alienista são três livros COMPLETAMENTE DIFERENTES UNS DOS OUTROS. Acho que é esta versatilidade que eu admiro mais em M de Assis.

susemad disse...

Li a tua opinião na transversal porque quero mesmo ler este livro para breve e não queria ficar a saber de mais (mesmo tu não contando nada). ;) As suspeitas confirmam-se, Assis continua a não desiludir. :)

Unknown disse...

tons de azul: Machado de Assis nunca desilude mas às vezes engana-nos: quando pensamos que vamos rir, ele ataca-nos com coisas bem profundas; quando esperamos coisas sérias ele faz-nos dar uma gargalhada. É talvez o escritor mais versátil que já li.