Sinopse
Ao fim de dezoito anos de prisão na Bastilha como
prisioneiro político, o envelhecido Dr. Manette é libertado e parte para a
Inglaterra, onde volta a encontrar a filha. Aí, dois homens, Charles Darnay, um
aristocrata francês exilado, e Sydney Carton, um advogado brilhante mas de má
reputação, apaixonam-se por Lucie Manette. Das ruas pacíficas de Londres, são
levados para a Paris do Reino do Terror, onde a sombra fatal da guilhotina
abarca tudo e todos.
Comentário:
Talvez só Victor Hugo tenha trasposto a Revolução Francesa
para a literatura de ficção de forma tão fiel e emocionante como o fez Charles
Dickens nesta obra. O enredo desenvolve-se em duas cidades, Londres e Paris e
por detrás de todos os acontecimentos está esta tremenda verdade: as injustiças
sociais que conduziram à grande revolução não eram específicas de França; elas
existiam da mesma forma em Londres porque o sofrimento dos injustiçados é
universal.
O que mais impressiona neste livro é este desmascarar das injustiças
e a justificação das terríveis e sangrentas vinganças que marcaram aqueles anos
de finais do século XVIII. Mas mais admirável é ainda o facto de este livro ter
sido escrito em 1859, antes do surgimento das teorias socialistas. Na verdade,
as ideias de Dickens podem, neste livro, ser consideradas percursoras do socialismo,
tal é a preocupação com o desmascarar de tais injustiças.
No entanto, não se pense que estamos perante uma obra de
cariz ideológico; pelo contrário, o autor consegue “ver os dois lados” a
apontar o dedo às outras injustiças: as que se cometeram no período do terror,
em que a vingança (neste livro personificada como a personagem Vingança) assume
uma matriz de violência extrema, da qual foram vítimas muitos inocentes, em nome
dos belos ideais da Revolução.
Pelo meio fica a inevitável estória de amor. Mas mesmo nesse
aspeto, tão sujeito aos clichés da literatura oitocentista, Dickens não deixa
de nos presentear com aquilo que, na minha opinião há de mais encantador na sua
escrita: a caracterização das personagens; desde o bondoso Lorry, um velho e
amável banqueiro até à impiedosa Madame Defarge, a imagem terrífica do mais
cruel jacobinismo, desfilam personagens tipo, todas elas cheias de significado
na representação global da alma humana: o magnífico e heroico Sidney Carton,
que dá a vida para salvar os que ama, a singela Lucie, a imagem da ingenuidade imaculada
e Charles Darnay, um herói quase imbecil, um homem de bom caráter mas incapaz
de se opor à fúria dos tempos e dos homens.
Exposto o que de mais genial tem este livro, não posso
deixar de apontar um defeito que, num autor como Dickens, é algo estranho: a
imensa quantidade de coincidências que tornam o enredo francamente
“impossível”. Alguns dos personagens cruzam-se de forma completamente
impensável, em situações inimagináveis.
O final do livro é constituído por algumas páginas de arte
em estado puro. Algumas das páginas mais belas que até hoje se escreveram. Simplesmente
magistral.
Enfim, um livro de leitura fácil e apaixonante que me ajuda
a cimentar a convicção que venho formando há uns anos: a literatura oitocentista
é verdadeiramente apaixonante. Embora com grandes e honrosas exceções (Fitzgerald,
Joyce, Mann, Murakami, Auster, Kafka, etc.), o século XX, a meu ver, não
superou a centúria grandiosa que o precedeu. Mas isso será assunto para outros
escritos…
4 comentários:
Confesso a minha falha de nunca ter lido Dickens, talvez por que as mais famosas obras dele estarem em cinema e dispensei de ler os originais.
Concordo que o século XIX deu-nos obras primas completas sobre o ponto de vista artístico, filosófico e moral. Adorei "Os Miseráveis", sobretudo no que se refere à mensagem e informação subjacente, pelo que penso que este livro poderá fazer um contraponto e mostranr a mesma revolução do ponto de vista de um estrangeiro.
Desde algum tempo que ando a incluir nas minhas leituras obras consagradas, uma vez que já me apercebi que somos inundados com publicidade das editoras do que vai saindo e descubro que se tornam variações da mesma obra ou do mesmo estilo e só o tempo distinguirá o trigo que ficará do joio que cresce na moda.
Já li muita coisa de Dickens, mas confesso nunca ter lido este romance.
Fiquei interessado, pese embora essas coincidências pouco dickenianas, em todo o caso ler Dickens é sempre um prazer e tenho-o feito ao ritmo de um livro por ano.
Abraço!
Carlos, foi essa a conclusão a que eu também cheguei e da qual ainda há dias conversava aqui com o Iceman. Na verdade, há tanto lixo a ser publicado que é um crime não ler os clássicos.
Iceman, eu tenho uma grande lacuna a colmatar: ainda não li os livros mais famosos do Dickens (Oliver Twist, Nicholas Nickleby e David Copperfield) mas os entendidos dizem que este Tale of two cities (não gosto da tradução do título) é o menos "Dickeniano" de todos.
eu gosto muito de dickens. beijos, pedrita
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