sábado, 31 de agosto de 2013

O Intendente e os Patos-Bravos - uma carta de Abraão Forjaz


(Carta recentemente descoberta, do espólio de Abraão Forjaz, dirigida ao seu amigo Visconde da Ribeira Seca).

Meu caro Visconde, muita água tem corrido por baixo da ponte desde que o enviaram aí para o Brasil, como inspetor dos negócios de Pau Brasil.
Como sabe, há muito que Sua Majestade se demitiu da governaçom do Reyno, (como se escrevia antes do acordo ortográfico) deixando todo o poder nas mãos do nosso santo e sábio Intendente. Dizem que vai por aí uma crise dos diabos, mas o certo é que temos herói na coisa pública. Dizem que há por aí gente a passar fome de cão mas todos os dias o nosso Intendente aparece nos noticiários, distribuindo sorrisos e estórias de embalar.
Os patos bravos seguem-no para todo o lado; são como moscas.
Alguns dizem que o Intendente é um homem do povo; que subiu a pulso. Dizem ainda que é um homem sensível, dedicado à sua missão, sábio, desinteressado… enfim, meu caro visconde, só falta que o coloquem em cima de um andor e lhe façam uma procissão.
Pois, e não será isso verdade? perguntará o amigo Visconde.
De todo, como diria a tia do Estoril. De todo. O homem é um nabo, para ser direto. O que acontece é que anda na moda, que é como quem diz, cultiva a imagem. Veste bons fatos e penteia-se bem, dirá o Visconde. Olhe que não, olhe que não, responderia o Cunhal que Deus tem. O pior é que a imagem a que me refiro não é bem isso; é a arte global de convencer os patos bravos a segui-lo até pertinho da falésia; até que ele, em pessoa, surja em cima da dita cuja falésia, como um Cristo-Rei (ou Corcovado como aí se diz) glorioso e triunfal, enquanto os patos bravos, embalados por ele, não conseguirão travar e se esbardalharão por completo falésia abaixo.
Então e a lei? Perguntará o amigo Visconde. A lei, meu caro, tem sido o maior motivo de divertimento. O nosso Intendente, no alto da sua sapiência inventou um expediente infalível: sempre que lhe dizem que a lei não permite isto ou aquilo, faz beicinho, arrota a bafio, deixa correr o ranho pelo nariz afora e, comovidos, os patos bravos oferecem-se em sacrifício no altar da Pátria.


(O autor deste blogue limita-se a publicar a carta sem qualquer alteração, omissão ou acrescento, não se responsabilizando por qualquer eventual semelhança em relação à realidade atual).

3 comentários:

António Je. Batalha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cristina Torrão disse...

Esta carta é o máximo, no melhor estilo queirosiano ;)

Unknown disse...

Obrigado, António e Cristina.
Abraços