Bom dia Camaradas é um belo exercício auto-biográfico em que Ondjaki recorda, na primeira pessoa, momentos fascinantes de uma infância passada na Luanda dos anos oitenta, sob o signo da guerra civil. Publicado pela primeira vez em 2001, este é também um livro que envolve uma crítica mordaz ao regime angolano de José Eduardo dos Santos, que governa Angola desde 1979 até à actualidade (note-se que Ondjaki nasceu em 1977).
Em termos de estilo, esta obra é construída numa linguagem infantil de rara beleza, cheia de humor e da ternura da infância. Encantadora é talvez o melhor adjectivo para esta escrita.
Nesta Angola pós revolução abundam a violência, a propaganda descarada do regime, o racionamento de bens alimentares, as injustiças sociais e a falta de liberdade. No entanto, a feliz inocência das crianças faz com que elas absorvam na totalidade as mensagens de propaganda, tanto subliminares como explícitas, que o regime ditatorial lhes vai inculcando.
Este testemunho vivo é também uma narrativa melancólica de um país onde o colonialismo português foi substituído por uma ditadura dita do povo, onde até os professores cubanos são pobres. É o retrato de uma população desiludida mas acomodada, submissa e completamente dominada pelo medo.
É um livro pequenino mas cheio de conteúdo. Chega a ser comovedora a simpatia de Ondjaki pelo povo e pelas crianças angolanas: “também percebi que, num país, uma coisa é o governo outra coisa é o povo”.
É nítida também a admiração do autor pelos cooperantes cubanos, principalmente os professores, jovens idealistas e mal pagos que transportam consigo o fascinante espírito de Che Guevara: o socialismo internacional, o espírito ingénuo e puro da solidariedade entre os povos, fundamentos de uma verdadeira revolução socialista. Uma bela mensagem, nestes tempos em que países como Angola ou Portugal parece terem desaprendido de vez a beleza da mensagem socialista, conspurcando esta ideologia com a abjecta e interesseira política partidária.
Avaliação pessoal: 9.5/10
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