A Velhice do Padre Eterno é, acima de tudo, um forte libelo contra a Igreja. A sátira ao clero foi sem dúvida a intenção principal de Junqueiro. Este político e intelectual dos finais do século XIX reflecte uma corrente de pensamento em que se enquadram grandes nomes das letras portuguesas desse século, nomeadamente Eça de Queirós, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, etc. Estas ideias encontraram terreno fértil nas ideias socialistas e republicanas nascentes e, associadas à simplicidade da escrita e à sua grande capacidade de comunicação, fizeram de Guerra Junqueiro um verdadeiro ícone do anticlericalismo português.
No entanto, é importante que se afirme desde já que o autor não põe em causa Deus nem a fé:
Tenho uma crença firme, uma crença robusta,
Num Deus que há-de guardar por sua própria mão
Numa jaula de ferro a alma de Locusta
Num relicário d’ouro a alma de Platão.
Por sua vez, a religiosidade popular é vista como uma ilusão ingénua, revelando uma certa simpatia pela simplicidade do povo. Os alvos da crítica são, isso sim, os charlatães da Igreja:
Eu não vos vou magoar, ó almas cor de rosa
Que inda achais neste vinho o esquecimento e a paz!
Não insulto quem bebe a droga venenosa;
Acuso simplesmente o charlatão que a faz.
A sátira ao clero provoca por vezes situações hilariantes, como a crítica à obra de Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero. Aliás, a crítica aos escritores românticos era uma das “modas” das letras portuguesas de finais do século.
A mordacidade da crítica não impede, por vezes, observações subtis:
(dirigindo-se a Cristo):
Não te bastou a Cruz,
Era preciso o altar!
Como se o altar fosse o grande sofrimento de Cristo, assim desvirtuado pelo clero.
Em paralelo com esta perspectiva crítica, não podia faltar a crítica social, de forma bastante cáustica:
A crassa burguesia, essa récua fradesca,
Opípara, animal, silénica, grotesca,
Namora a Deusa-carne e adora o Deus-milhão;
E as almas, fermentando assim nesta impureza,
Resvalam, sensuais, do leito para a mesa,
Da mesa para o chão.
Mas o maior alvo é sempre o clero, também ao nível dos costumes: as sestas, os faustosos repastos, o apego ao dinheiro, o aproveitamento da ignorância popular, etc.
Para finalizar, não posso deixar de referir as magníficas ilustrações de um dos maiores cartonistas daquela época: Leal da Câmara. É deste livro a imagem que publico, relativa ao poema “Fantasmas” em que se critica o papel do Papa.
Imagem retirada daqui.
Avaliação pessoal: 8/10
1 comentário:
Cartoonistas???. O que aconteceu aos caricaturistas+?.Pobre pais que tem esta gente.
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