Meursault é um homem normal; tão normal que, por isso, será condenado. Percorre a vida sentindo-a como ela é; enfrentando-a com honestidade, sem subterfúgios, sem alegrias fáceis nem dramas inventados. “Tanto me faz” é uma frase-lema de Meursault. A vida é o que é, nada vai ser alterado pela sua vontade. É esta a atitude de um homem normal. O mundo de Meursault não é feito de afectos; Salamano vive com um cão velho e lazarento que insulta metodicamente. Mas é o desaparecimento do cão que lhe desperta a emoção. Morreu a Meursault. Ele não chorou. A morte, afinal, é independente das vontades e dos afectos; tem vida própria e nada a poderá deter no cumprimento da sua obrigação para com os mortais. A mãe era mortal. Por isso não chorou e foi condenado. Raimundo realiza-se espancando as mulheres. Meursault mata o árabe quase com indiferença. A vida cumpria um traçado que ninguém, nem mesmo ele, poderia desviar. Não adiantava esconder a verdade nua e crua da realidade. Por isso não valia a pena esconder nada. Mas a verdade de Meursault ameaçava a sociedade! É que, afinal, há os outros! Aqueles para quem a vida não é aquilo que vemos e fazemos; aqueles para quem a vida é um jogo que se disputa entre adversários. E Meursault é um desses adversários: alguém que irá satisfazer a ânsia de dominação, o instinto de poder dos donos da justiça, essa construção humana destinada a legitimar as hierarquias. Meursault, o estrangeiro, descobrirá de forma dolorosa que o poder é de quem joga, não de quem vive. A justiça castigá-lo-á por não fingir. O fingimento, afinal, fazia parte do jogo. Meursault, afinal, devia ter chorado! Devia ter mostrado arrependimento! Devia ter fingido. Tinha sido esse o seu crime. Mas ele era um estrangeiro; um homem normal. Uma das maiores obras da grande literatura existencialista francesa, O Estrangeiro é um livro sobre a hipocrisia do ser humano que utiliza os sentimentos como forma de manipulação e de conquista do poder. É um grito de revolta contra uma sociedade que oprime aqueles que defendem a verdade até ao fim; de grande conteúdo filosófico, trata-se de um marco na literatura do século XX, sem deixar de ser uma história simples e acessível a qualquer leitor. Sem duvida, uma obra-prima da literatura universal.
. O que um escritor nos dá não são livros. O que ele nos dá, por via da escrita, é um mundo. Mia Couto
terça-feira, 26 de junho de 2007
segunda-feira, 25 de junho de 2007
O Filho de Ester - Jean Sasson
O Filho de Ester é um livro contraditório: como testemunho histórico, é excelente. Como o romance cai no mais decepcionante esquema de novela passional, sem surpresas, sem grandes inovações e com um ritmo de escrita previsível. Mas esta obra vale sobretudo pela dimensão histórica, pela forma clara, embora nitidamente comprometida como envolve numa narrativa única as duas grandes catástrofes do século XX: a segunda guerra mundial, ou melhor, o Holocausto e o eterno conflito israelo-árabe. A acção decorre em várias “frentes”, correspondendo à história de três famílias. Assim, a acção desenrola-se em Paris, na comunidade judaica em França antes da 2ª Guerra Mundial, na comunidade judaica da Polónia, na Alemanha do pós guerra e, depois, percorrendo a segunda metade do século XX, na Palestina, em Israel e no Líbano. Ao logo de toda a obra, o rigor histórico não deixa de estar sempre presente. Mas o tom predominante do livro é um imenso melodrama que ilustra a barbárie nazi e as carnificinas que se desenrolam no médio oriente. A luta do povo palestiniano é encarada por Sasson de uma forma de justa resistência perante a ocupação israelita. Esta, por sua vez, é vista como uma consequência lógica da opressão de que os judeus foram vítimas ao longo da História e que culminaram com o Hocausto nazi. Trata-se, em suma, de uma obra bastante aconselhável a quem queira compreender melhor o conflito do médio oriente, escrita com bastante rigos, mas deixa muito a desejar em termos literários. Embora bem escrito e com um ritmo bastante aceitável, o enredo é sempre demasiado previsível.
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