O Inverno do Nosso Descontentamento é um título feliz,
poético e bem adequado a esta obra. Trata-se de um dos últimos livros de John
Steinbeck. Por este motivo é considerado por muitos como uma das obras mais
“maduras” do grande escritor. Pessoalmente, acho mais adequado encarar este
romance como uma obra em que o autor se desvia bastante das características
básicas dos seus livros anteriores. Mas vamos mais devagar.
Este livro trata de um homem bom, como tantos personagens de
Steinbeck. Um homem simples e bom, proveniente de uma família abastada de uma
pequena cidade conservadora americana: New Baytown. No entanto, Ethan é o
último herdeiro de um património misteriosamente perdido no tempo do seu pai e
acaba por se tornar um modesto empregado de um avaro comerciante, proprietário
de uma loja (Murillo), onde Ethan é o único e modesto funcionário.
Ao longo de todo o enredo, Ethan personifica a luta entre a
moralidade do homem bom e a ambição de um enriquecimento que, aos poucos, se
vai revelando incompatível com essa mesma moralidade. Até às últimas páginas do
livro, mantém-se este dilema, assim como um outro: a identidade do personagem
em confronto com a identidade da família, das suas raízes familiares.
Penso que aquilo a que os críticos chamam a maturidade
literária do autor materializa-se neste livro mas de uma forma não
obrigatoriamente positiva para o leitor; Steinbeck ganha neste livro uma
intensidade reflexiva que não detetamos em Ratos e Homens, Tortilla Flat ou
mesmo na sua obra prima, As Vinhas da Ira. Mas, pelo contrário, perde, a meu
ver o que ele tem de mais extraordinário: a singeleza, a simplicidade, a
humanidade das suas personagens. Aqui, Ethan tem alguns desses traços de
humanidade típicos do autor, mas, lentamente, vai questionando toda essa
humanidade, à medida que vai equacionando a hipótese de renunciar à honestidade
para ceder à tentação do crime.
É sem dúvida, a obra mais reflexiva que li deste autor.
Aquilo que ganha em profundidade psicológica perde, a meu ver, em ritmo
narrativo. Mesmo assim, no final resiste a crença infinita de Steinbeck no ser
humano.