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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Margarita e o Mestre - Mikhail Bulgakov


Comentário:
Empolgante e genial são os adjetivos que me ocorrem para caraterizar esta obra-prima de Bulgakov. Esta é a grande literatura russa, na senda dos grandes mestres do século XIX, Lev Tolstoi e Fiodor Dostoievski.
O enredo do livro passa-se nos anos vinte, já em plena ditadura de Estaline. Descreve-se a vinda de Satanás à terra, com um séquito muito peculiar. Nitidamente para nós, o diabo, Woland, é uma referência corajosa mas bem disfarçada a Estaline. Por esta razão o livro foi proibido e só viria a ser publicado, ainda assim numa versão mutilada, nos anos sessenta. 
Como se vê, todo o livro é uma autêntica metáfora da situação que se vivia na União Soviética. Muitas vezes, os membros do séquito assumem um papel mais ativo que Woland, como acontece com qualquer regime ditatorial, em que o ditador se protege por trás de meia dúzia de “testas de ferro”. De resto, todos os componentes do regime de Estaline estão representados no livro: o hospital psiquiátrico para onde são enviados as vítimas de Woland é a metáfora dos locais para onde eram enviados os perseguidos do regime, tanto campos de trabalho como instituições psiquiátricas; os opositores ao regime são perseguidos da mesma forma que no livro são severamente castigados os que se opõem a Woland. 
Um dos aspetos fundamentais do livro é aquilo que se passa com o Mestre e com a sua amante, Margarita. Estes personagens, embora constituam o título da obra, só aparecem a partir do meio do livro, sensivelmente. O que os carateriza é o pacto com o Diabo; só assim o Mestre consegue publicar a sua obra e o seu amor por Margarita é permitido; é evidente a representação, aqui, dos artistas, escritores ou outras personalidades que só conseguiram “sobreviver” pactuando com Estaline e o seu regime.
Mas o livro vai mais longe do que uma metáfora do regime estalinista; é uma intensa reflexão sobre a luta entre o Bem e o Mal. Até que ponto o ser humano consegue ser feliz vivendo honestamente e procurando a virtude? Até que ponto vale a pena lutar contra demónios se a felicidade pode passar com uma simples convivência com o mal, aceitando-o como uma realidade incontornável? Para Bulgakov talvez estas questões se resumissem ao dilema que certamente sentiu sempre presente ao longo da sua vida: até que ponto vale a pena ser resistente e lutar por um ideal?
Por outro lado, até que ponto o mundo real não é uma construção onírica? Até que ponto a realidade concreta existe tal como nós a vemos, não sendo profundamente deturpada pela nossa mente, pelo menos em situações-limite?
Em termos de estilo, a escrita de Bulgakov é profundamente realista, o que torna a leitura bastante fluida e agradável; o enredo é por vezes empolgante, com aquele suspense que nos faz devorar as páginas do livro. A linguagem cuidada e precisa é acompanhada por um sentido de humor notável, muitas vezes verdadeiro humor negro, reforçando o prazer de ler. 
Sem dúvida, estamos perante um clássico da grande literatura russa, que merece ser lido por todos quantos apreciam a melhor literatura.

Sinopse (in wook.pt)
Margarita e o Mestre publicado pela primeira vez na revista Moskva, mais de vinte anos após a morte do autor — a primeira parte em Novembro de 1966 e a segunda em Janeiro do ano seguinte. Mikhail Bulgákov trabalhara nesta sua obra durante mais de dez anos, tendo escrito diferentes versões. A última foi ditada à sua companheira Elena Bulgákova, quando o autor se encontrava já muito doente, em Março de 1940. O romance é composto por duas narrativas ligadas entre si — uma passa-se na Moscovo dos anos 30 e a outra na Jerusalém antiga. As personagens são estranhas, complexas, ambíguas e algumas delas sobrenaturais, como Woland. As principais são o Mestre e a sua amante, Margarita. Como afirma Samuel Thomas, «o romance pulsa de maliciosa energia e invenção. Por vezes uma dura sátira da vida soviética, uma alegoria religiosa da dimensão do Fausto, de Goethe, e uma indomável fantasia burlesca, é uma obra de riso e terror, de liberdade e servidão — um romance que explode as verdades oficiais com a força de um carnaval descontrolado». A primeira edição desta tradução foi publicada em 1991, estando há muito esgotada. Esta nova edição, integralmente revista pelo tradutor, António Pescada, inclui as alterações que constam nas recentemente publicadas Obras Completas de Mikhail Bulgákov.

domingo, 8 de junho de 2014

A Guarda Branca - Mikhaíl Bulgákov


Sinopse:
Primeiro romance de Mikhaíl Bulgákov, largamente inspirado nas suas experiências pessoais, A Guarda Branca apresenta-nos a cidade de Kíev, em 1918, através dos olhos dos irmãos Turbin. Mergulhados no caos da guerra civil, Aleksei, Elena e Nikolka constituem um retrato brilhante das crises existenciais provocadas pela guerra e pela perda de alicerces sociais, morais e políticos.
in www.presenca.pt

Comentário:
Se é difícil compreender o que actualmente se passa na Ucrânia, é incrível como um livro escrito em 1926 nos pode ajudar  a  contornar essa dificuldade.
A povo ucraniano foi um dos mais martirizados pelo incrível processo de mudanças políticas nos primeiros 25 anos do século XX: na sequência do domingo sangrento, em 1905, em que tropas do czar assassinaram milhares de camponeses famintos, o processo revolucionário foi despoletado e viria a culminar com a revolução bolchevique de 1917. Entretanto, a Rússia abandonara a primeira guerra mundial, deixando vários territórios nas mãos da Alemanha, pelo vergonhoso tratado de Brest-Litovski. Dessa forma, os ucranianos ficaram abandonados a uma multiplicidade de conflitos: os Alemães, derrotados na guerra, rapidamente abandonaram os ucranianos; os Russos encontravam-se mergulhados no conflito entre os socialistas moderados do Exército Branco e os Bolcheviques do Exército Vermelho; na Ucrânia, uns sonhavam com o regresso à paz czarista e autocrática, outros alinhavam com a revolução bolchevique e outros encaravam o exército branco de Kerenski como o compromisso de salvação. Outros ainda apoiavam um cacique local, o sanguinário Petliura, que se afirmava nacionalista mas não hesitando em massacrar os seus opositores ucranianos.
É entre esta terrível encruzilhada de interesses que encontramos os irmãos Turbin, generosos e ingénuos, lutando como podem pelo poder branco, aquele que consideram mais justo.
O irmão mais velho, Aleksei, é o alter-ego do autor, médico e combatente algo ingénuo mas um verdadeiro resistente. Nikolka, o mais novo, é um generoso combatente. Por todo o lado,  no entanto, reina a violência e o horror da guerra; uma guerra terrível, entre compatriotas, abandonados por russos e alemães, entregues aos mais violentos oportunistas.
O mais terrível deste livro é que nele encontramos uma assustadora actualidade; entre ideologias e interesses, é o povo quem se sacrifica sempre.
No estilo profundamente poético de Bulgákov encontramos, no entanto, a sua tendência para a dramaturgia; em muitos momentos o leitor dá conta de estar a ler uma verdadeira peça de teatro. Assim, é notável a junção de uma escrita poética a uma magnifica objectividade das descrições e clareza dos diálogos.
Ou seja, estamos perante um bom exemplar da melhor literatura russa, se bem que muito longe daqueles que eram os ídolos de Bulgakov, então em início de carreira, principalmente na influência notável da análise psicológica e crítica social que caracterizaram esse grande mestre que foi Fiodor Dostoievski.