Comentário:
Numa espécie de exame de consciência, o narrador reconhece que a sua relação com Albertina fracassou devido ao seu “génio indeciso e impertinente”. Depois de tantas reflexões, de tantos fracassos e desilusões, ele parece chegar ao âmago da questão – entre indecisões e reflexões excessivas, ele deixou que o tempo o ultrapassasse; é o tempo que governa a vida, e não o pensamento. Mas agora, só pelo pensamento, pela memória, ele pode regressar a esse tempo perdido. Inicia-se aqui a grande luta: entre o tempo perdido e o tempo recuperado, reencontrado nos confins do pensamento. A dicotomia passado/presente é então substituída por uma outra: a dicotomia mundo real versus pensamento, como se estivéssemos perante dois mundos paralelos: o real e o pensado.
Mas agora é o mundo real que se impõe com toda a sua crueza; é a guerra; a Primeira Guerra Mundial. A Grande Guerra. Nesse contexto não há espaço para o pensamento. A guerra abafa a memória e destrói o tempo ao eternizar o horror. Mas nos salões da aristocracia parisiense, tudo contínua igual, porque “a morte de milhões de desconhecidos traz apenas um arrepio, talvez menos desagradável que o causado pelas correntes de ar” (pág. 73). É a vulgarização da morte. Nos salões e nas discussões políticas isso pouco parece interessar. A alta sociedade parisiense tenta viver acima da guerra, mantendo as suas aparências, vícios e virtudes… mais aqueles que estas, diga-se. O próprio Charlus, germanófilo, tradicionalista, confessa: "perdemo-nos no diletantismo”.
Da mesma forma que Proust retrata as virtudes de grandes aristocratas como a Sra. de Guermantes, também retrata, com a mesma objetividade e crueza, os vícios incríveis de alguns outros nobres, como o quase louco Sr. de Charlus.
Mas este volume distingue-se dos outros, a meu ver, por ser o mais revelador da alma do narrador e, por extensão, do escritor; Marcel viaja constantemente para dentro de si, como se cada experiência vivida necessitasse de uma dimensão paralela, que ocorre interiormente.
Neste reinado do interior cabe um papel especial à arte. A arte é o único meio que permite ao homem sair de si mesmo e comungar com os artistas a múltiplas visões do mundo.
Mas o tempo é inexorável e é basicamente disso que trata este livro. Marcel sente a velhice aproximar-se e encara essa aproximação como uma espécie de derrota pessoal face ao Tempo. Na parte final do livro, à medida que as personagens principais envelhecem, o tom cada vez mais melancólico da linguagem vai sendo acompanhado por uma espécie de decadentismo latente. Sente-se a decadência da aristocracia. Com a derrota dos impérios na Primeira Guerra Mundial o novo mundo, é, definitivamente, da burguesia.
Mas o grande confronto dá-se no interior do narrador. Passado e presente, real e pensado, são elementos em conflito. A síntese há de encontrá-la Marcel na escrita; ele vai, finalmente, escrever o seu livro e nele se fará a fusão do Tempo; aí sim, será o Tempo reencontrado.