Nunca a história de D. Inês de Castro e de D. Pedro I foi contada com tanta sensibilidade.
Nesta obra, maiores do que os factos são os sentimentos: o amor intenso de Pedro e Inês, a malvadez interesseira dos irmãos de Inês, a frieza e insensibilidade do rei Afonso IV, o sentido de justiça de D. Pedro e o amor do povo por este rei injustiçado mas justiceiro e apaixonado, também, pelo povo.
João Aguiar revela nesta obra toda a sua enorme vocação para narrar os acontecimentos de forma quase cinematográfica: uma linguagem concisa e precisa, emocionante na narração, objectiva nas descrições e precisa nos factos históricos fundamentais.
Aguiar aborda os acontecimentos com uma profundidade na análise psicológica que vai muito além do amor trágico de Pedro e Inês. Por exemplo: a maioria dos historiadores relegam para segundo plano uma situação que, numa abordagem preconceituosa deixaria pouco favorecida a imagem do rei justiceiro: a amizade “colorida” que nutria pelo escudeiro Afonso Madeira, uma amizade a que o próprio cronista Fernão Lopes se referia nestes termos: “que o amava muito mais do que aqui se deve dizer”.
Outro pormenor que Aguiar desenvolve com perspicácia é a importância da opinião pública no desenrolar dos acontecimentos: ontem como hoje, a maledicência parece ter tido um papel fundamental na decisão trágica de Afonso IV de mandar decapitar Inês: os murmúrios da corte, as intrigas palacianas e até o típico maldizer popular, que manchavam o amor com os fantasmas hipócritas do pecado. Ontem como hoje, foi o triunfo da mais antiga e estúpida tradição nacional: a maledicência.
Em conclusão: um livrinho que se lê com imenso prazer, sem esforço, com emoção e que faz justiça àquele que foi um dos personagens mais brilhantes da História de Portugal: D. Pedro I, o rei que foi homem, que amor e odiou, que foi cruel mas justiceiro, impiedoso mas capaz de trazer sempre o povo no coração.
O livro serviu de guião ao filme de José Carlos de Oliveira, com Cristina Homem de Mello no papel de Inês e Heitor Lourenço como D. Pedro.
. O que um escritor nos dá não são livros. O que ele nos dá, por via da escrita, é um mundo. Mia Couto
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sábado, 18 de setembro de 2010
quinta-feira, 3 de junho de 2010
João Aguiar R.I.P.
Faleceu hoje o autor daquele que considero o melhor romance histórico alguma vez escrito em Portugal: A Voz dos Deuses.
Editado em 1984, li-o por volta de 1990. Ao contrário do que aconteceu com muitos outros livros, vinte anos não foram suficientes para eliminar da minha memória algumas impressões que hoje quero parilhar convosco.
A Vos dos Deuses narra a história de Viriato, mítico herói português da ocupação romana do território Lusitano.
Nesse livro, João Aguiar dá-nos a imagem de um herói de carne e osso, um homem que encarnava o carácter português antes de Portugal. Os Lusitanos não são descritos como heróis do passado apenas. Todo o contexto da narrativa caminha para a caracterização do ser português, com as suas crenças, as suas qualidades e defeitos.
O Viriato de João Aguiar é o português que não desiste, corajoso até ao fim, perante a avassaladora presença do exército romano. É a imagem da perseverança, da crença, do espírito de sacrifício e capacidade de sofrimento que caracterizam a alma lusa.
Por outro lado, este romance teve o mérito de lembrar aos portugueses que o nosso passado não se resume à epopeia dos descobrimentos; as nossas raízes encontram-se num mundo bem mais distante, um mundo pré-cristão, dos povos sucessores da tradição céltica, com crenças herdadas da mitologia nórdica e centro-europeia.
Mas Viriato não é apresentado como o tradicional herói supra-humano. É um ser humano com todas as limitações e defeitos que tal condição implica. Nem a sua missão era qualquer causa superior, para além da defesa da honra e da terra. Da alma, talvez.
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