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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Liberdade de Pátio - Mário de Carvalho




Sinopse:
Um homem é incumbido de transportar uma estranha caixa contendo uma cabeça. Um excelso professor vê-se condenado a passar o resto dos seus dias numa prisão deveras invulgar. A história por detrás da internacionalização de uma das maravilhas culinárias de Portugal. Quatro professores reformados que o destino uniu num jardim municipal decidem aliar as suas bibliotecas. Um frequentador assíduo do metro calha em faltar com a sua palavra, despertando a indignação de um dos funcionários. Um comandante da Marinha incapaz de aceitar um não. As memórias da iniciação sexual de um jovem, num tempo em que os tios tomavam a seu cargo essa tarefa. Sete contos. Sete histórias que representam a multiplicidade de registos na escrita inigualável de Mário de Carvalho.
In fnac.pt

Comentário:
É absolutamente incansável, ler Mário de Carvalho. A sensação que percorre o leitor ao deliciar-se com estas páginas de escrita singela mas cinzelada é quase de perturbação, pela magia que se pressente: uma magia que consiste em tornar delicioso o ato de ler. As palavras parece terem sido esculpidas, não escritas. Cinzeladas em talhe precioso, cuidado ao mínimo pormenor, escolhidas como quem colhe pepitas de ouro entre o cascalho.
E depois é aquela versatilidade, aquele escrever sobre tudo, aquela multiplicidade de tons, como se cada conto fosse um quadro impressionista, em que se deixa ao apreciador da obra de arte o prazer de recompor as cores, consoante a paleta da sua própria mente.
O primeiro destes contos dá o mote: a Cabeça de Mânlio não é uma estória; não nos conta uma narrativa, apenas um exercício literário brilhante, de raiz nitidamente surrealista. O desfecho deixa-nos perplexos mas encandeados com o brilho de uma escrita perfeita.
Depois vem o humor, muitas vezes absurdo. Sempre delicado, suave mas permanente. O sorriso vai-se fixando no rosto de quem lê, mesmo quando exposto à mais vil escravidão, como acontece com alguns dos personagens. Sim, porque é de escravidão que muitas vezes se fala neste livro, mesmo quando escondida por detrás de um biombo a que alguns chamam liberdade.
E mais adiante assoma à mente do leitor o maravilhoso léxico do autor – palavras escolhidas a rigor, bem vestidas, por vezes trajadas de gala. O leitor sente-se convidado para o festim das letras e pensa, atónito: onde vai este homem buscar palavras tão certas, tão direitinhas, mesmo quando expressam a desordem que há no mundo, ou seja, nas mentes de quem o faz?
E, acima de tudo, a crítica social e política: uma liberdade limitada, enganadora. Dada a conta-gotas, sob exigência de beija-mão. Ou seja, uma liberdade concedida em troca de algo. Vendida, portanto, mas com aparência de dádiva. Por isso, uma liberdade que implica submissão; logo, uma liberdade falsa como Judas. Uma liberdade restrita, pequenina, humilhante. É o nosso mundo; o mundo da cegueira de Saramago; a cegueira de quem não quer ver e, pior que tudo, a cegueira de quem aprecia a cegueira e ainda agradece beijando mãos a esmo.
E é neste mundo que nos afundamos felizes e contentes porque ainda há hipóteses de sermos ricos, como Fernando Faria que triunfa vendendo caldo verde em Londres e ameaça arrasar os mercados com a açorda de alho.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel - Mário de Carvalho




Sinopse: Uma opereta com ecos de tragédia
 Um canhão assombrando uma cidade. Um patíbulo armado de noite. Um istmo que conduz a uma cratera. Uma diligência cercada por cães selvagens. Nuvens de grifos imundos sobre o mar. A batalha sangrenta dos pescadores. Uma galeria de anarquistas, mais nobres que plebeus. A casa de Madame Ricciarda. A casa de Madame Musette. Dois jesuítas. Um padre que toca violoncelo. Um navio que não chega mais. Uma opereta com ecos de tragédia. Sol, luz, névoa e lua. Oito mulheres, amores duplos, triplos e quádruplos. De como a vida engana a morte. Ou o inverso. Porque há em gente pacata uma apetência de morte tão grande? Porque é que nunca se regressa daquela viagem? Porque é que aquele navio não chega? Porque é que aquele canhão jamais dispara?

Comentário:
 Mais uma obra brilhante de Mário de Carvalho. Fabulosa. Imperdível.
É constituída por dois contos (ou dois pequenos romances), aparentemente independentes, mas com alguns pontos em comum: são duas claras sátiras ao poder político. Ambas se passam num tempo e num espaço geográfico indeterminados. Diríamos que podiam desenrolar-se no século XIX no leste europeu ou no século XIX em Portugal. De facto, à medida que avançamos na leitura vamos encontrando a nossa vida ali escrita, com palavras simples e belas como só Mário de Carvalho sabe escrever.
Tal como em todas as suas obras, também aqui o autor exprime-se de uma forma que lhe é bem, peculiar, com uma notável economia narrativa; se nos distraímos um pouco, imediatamente perdemos o fio à meada tal é a ausência de descrições inúteis ou devaneios, tão queridos de determinados escritores portugueses.
O primeiro destes contos – O Varandim – é uma belíssima sátira à natureza do poder político, populista, elitista e por natureza socialmente injusto. Em jeito de tragicomédia, este conto revela bem como a pena de Mário de Carvalho está mais acintosa que nunca, mas sempre subtil e esmerada. Cada palavra parece ser meticulosamente escolhida e cada frase cirurgicamente construída.
“O Varandim” faz-nos sorrir pela forma está escrito mas também porque, paulatinamente, nos vamos revendo naquelas páginas. Alguém tem de ser condenado para que o povo saiba e se penitencie. E, acima de tudo, para que todos tenham medo. Assim é no misterioso grão-ducado da Svidânia, assim é por todo o lado em todos os passados e presentes. O grão-duque e o primeiro-ministro, afinal, não são estranhos. Eles andam por aí…
Com ou sem execuções públicas, a perversão do poder está por todo o lado… até que um dia algo de extraordinário acontece aos varandins do poder.
No segundo conto há um jovem notário filho de um burguês falido que migra para a cidade de Carvangel. Uma mulher jovem, filha de um alfaiate falido, procura casamento. Várias mulheres procuram casamento. Vários homens sonham enquanto vivem de mãos nos bolsos vazios. E uma cidade inteira espera pelo navio Maria Speranza que os leve a todos.
Todos sonham com o misterioso navio… entretanto os pescadores matam-se uns aos outros; as mulheres digladiam-se pelos maridos; o assustador canhão da cidade nunca dispara; as espingardas matam grifos e abutres; e o navio que trada…
Carvangel é esta terra de onde todos sonham fugir…
Impossível resistir a Mário de Carvalho…

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O Homem do Turbante Verde - Mário de Carvalho

Devo dizer que continuo “apaixonado” pela escrita de MdC, devido à sua preciosidade estilística, à sua versatilidade, à riqueza linguística e, acima de tudo, à sua incrível técnica narrativa que faz de MdC, a meu ver, o melhor contador de histórias da literatura portuguesa actual. O recurso a vocábulos pouco comuns é utilizado para reforçar o tom humorístico da escrita.
Este é um livro de contos. Talvez o livro do género que mais apreciei até hoje, excluindo talvez os Contos de Eça de Queirós.
De Mário de Carvalho, qualquer leitor pode dizer: “lê-se bem”. É uma escrita sempre fluida e divertida, mesmo que os assuntos sejam sombrios como é o caso do segundo conto, em que um grupo de arqueólogos empreende uma curiosa expedição à imaginária (julgo eu) terra dos Makalueles. Um a um, todos os exploradores vão morrendo de forma brutal, bem como numerosos nativos. Mas nem por isso o conto deixa de envolver uma leveza de escrita, uma beleza formal impressionante.
Após os dois primeiros contos, as agulhas da narrativa mudam por completo: seguem-se três contos sobre a resistência anti-fascista em Portugal, onde predomina a força de uma luta contra o medo, contra o silêncio negro da ditadura.
Os últimos contos primam pela imaginação, pelo encanto algo surreal de histórias fantásticas. O conto “O Celacanto”, por exemplo, é um exercício prodigioso de criatividade literária. Neste últimos contos, num certo sentido, há um regresso ao início: ao lado sombrio da alma humana. Regressa a violência e a morte. O conto “A longa marcha” envolve uma crueza extrema – toda a violência e toda a desumanidade que pode existir na alma humana; um grito estridente, poderoso, contra o egoísmo assassino que existe no ser humano. Um enorme grito de revolta.
O livro termina com mais uma obra de arte: um conto cheio de humor sobre a mais caricata e ao mesmo normal loucura do ser humano.

imagem daqui.
Avaliação pessoal: 9/10

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Era Bom Que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto - Mário de Carvalho

Dois desiludidos da Revolução: Jorge, o intelectual decepcionado, escritor mas apenas professor e Joel, apenas funcionário, anónimo da classe média, desiludido com tudo. Um homem que se defende da vida escondendo a esperança.
A uni-los, além da desilusão, a mentira envergonhada de uma filha, a de Jorge, missionária e um filho, o de Joel, preso por tráfico de droga. Destinos semelhantes, afinal. Alienados, na visão dos pais.
Grande parte da genialidade deste romance reside no facto de Mário de Carvalho expor de forma bem-humorada uma visão extremamente pessimista da realidade: o saber é desprezado em benefício da imagem, as ideologias são submetidas às conveniências, aos interesses pessoais, o mérito é substituído pelo arrivismo oportunista. Exemplo maior deste profundo lamento é a crítica irónica mas mordaz ao Partido Comunista (o livro foi publicado em 1995) onde o ingénuo Joel quer inscrever-se mas depara com os maiores obstáculos, devido ao elitismo ideológico e à sua fiel guarda-costas, a burocracia.
Mário de Carvalho é um escritor único. Ainda por explicar está o facto de não ser normalmente incluído entre os grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. Talvez porque Mário de Carvalho não gostasse de vir a ser homem de Panteões; talvez porque nunca tivesse desejado ser escritor de guiões de telenovelas disfarçados de romances de 500 páginas; talvez porque os nossos sorumbáticos, sisudos, sonolentos e cinzentos críticos literários não gostem de quem sorri escrevendo. Talvez os nossos Torquemadas da literatura não apreciem o riso. Afinal de contas esse é uma das grandes marcas da nossa História: o riso é a antecâmara do pecado. É sempre preferível a serenidade, a paz do estar bem com todos.
Mário de Carvalho é talvez o melhor escritor português contemporâneo no domínio da ironia e da crítica social e política. Muito do pior que há em nós está nos seus livros: um clericalismo pacóvio retratado aqui, por exemplo, pelo bispo de Gundemil que mordeu um cão e um espírito revolucionário moribundo, abafado pelas leis da ordem mas também auto-castrado, degenerado em ideais anacrónicos e ambições líricas de poder. E a imprensa, o tal poder paralelo aqui representada por Eduarda Galvão, repórter de uma revista aspirante ao estatuto da “Maria”.
Mário de Carvalho escreve sorrindo. Um sorriso ora trocista, ora deleitado com a sua própria criação, ora acompanhando um piscar de olhos ao leitor com quem mantém um permanente diálogo cúmplice.
Para terminar deixo-vos aqui a advertência com que o autor inicia o seu livro e que diz muito do seu conteúdo:

Advertência:
Este livro contém particularidades irritantes para os mais acostumados. Ainda mais para os menos. Tem caricaturas. Humores. Derivações. E alguns anacolutos.

Está tudo dito!

domingo, 24 de outubro de 2010

A Arte de Morrer Longe - Mário de Carvalho

Em jeito de conversa com o leitor, Mário de Carvalho exibe uma escrita agradável, descontraída, divertida mesmo.
A história é extremamente simples: um casal em processo de divórcio (Bárbara e Arnaldo) divide pacificamente os bens mas era preciso decidir quem ficava com a tartaruga porque nenhum deles a queria. O destino do animal é assim a maior incerteza deste enredo. O que acontecerá à pobre e solitária tartaruga?
O destino do pequeno réptil constitui assim uma bela metáfora da vida.
Esta situação, tão simples e ingénua é o ponto de partida para uma história divertida, que nos é contada de forma muito agradável. O estilo algo barroco de Mário de Carvalho, brincando com as palavras, mostra que nem sempre é necessário um enredo muito elaborado para prender a atenção do leitor.
Iniciada a leitura, dificilmente se consegue interromper, tão agradável ela se torna.
Que incríveis problemas podem acontecer a quem apenas quer dar destino a uma tartaruga! A vida é feita de coisas tão fortuitas, tão banais e ao mesmo tempo tão decisivas para o curso do destino! Este livro não fala de coisas prodigiosas; fala de coisas simples que acontecem na vida de pessoas simples. Tudo nos soa tão familiar que nos faz ler o livro com um sorriso permanente. Porque a nossa vida não é mais do que o destino de uma tartaruga presa num aquário, debatendo-se contra paredes de vidro, à espera que algo ou alguém nos conceda a liberdade.

sábado, 25 de setembro de 2010

A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho - Mário de Carvalho

Um homem sobe num elevador que se “esquece” de parar no andar correcto e ruma ao céu sem aviso nem propósito.
Dois frades enterram os seus irmãos, mortos de misteriosa maleita; um deles desaparece depois, no espaço. O frade sobrante, esse, será disputado por Deus e pelo Diabo.
No dia em que a mulher do funcionário Teles saiu de casa para escrever poemas, tudo lhe correu de forma trivialmente anormal: monstros em casa, luzes misteriosas e relâmpagos parados em cima do Tejo. Anormalidades banais!
Estes são três exemplos dos contos que compõem este livrinho fantástico. Contos do fantástico que é a vida. Contos de sonho ou pesadelo mas sempre reais.
E a pérola maior: o conto que dá titulo ao livro: uma horda de mouros invade Lisboa e vê-se rodeada de automóveis. Uns de espada em punho à procura de cristãos para degolar. Outros, impávidos perante a invasão. Cavalos, espadas e turbantes mouros misturam-se com automobilistas apressados. E nem a Polícia de Intervenção, nem os blindados do exército, conseguirão pôr termo à confusão.
E que sarilho seria se a deusa Clio não acordasse de repente para voltar a pôr tudo no seu devido tempo.
Este conto é uma fantástica alegoria da estupidez da guerra, da irracionalidade que os homens trazem ao mundo.
Foi o primeiro livro que li de Mário de Carvalho. E, por sinal, será o primeiro de muitos.