O Tigre Branco é um dos livros mais corajosos e inteligentes da última década. O autor, indiano radicado nos EUA, descreve o percurso de vida de Balram, um jovem indiano, pobre nascido entre os mais pobres. No entanto, Balram desde cedo revela a inteligência e a ambição que o levarão a galgar os degraus do sucesso até se tornar um empresário de sucesso na “nova” Índia.
O livro está escrito em forma de cartas ao primeiro-ministro chinês, reforçando desde o início o paralelismo entre as duas grandes potências emergentes no novo quadro geo-político e económico mundial.
Inacreditável é a palavra que mais vezes me assomou à consciência enquanto lia esta obra. De facto, a Índia que Adiga nos descreve é absolutamente dominada pela injustiça social e pelo inacreditável reinado da corrupção. Uma sociedade apodrecida pela ganância que vai acentuando as diferenças entre aquilo que o autor considera serem as “duas Índias”: a da Escuridão, onde os pobre se digladiam por uma sobrevivência precária e a da Luz, onde a ganância domina a vida de uma classe capitalista sem escrúpulos.
As antigas tradições daquela velha Índia, daquele mundo encantador de Deuses que convivem em paz e harmonia com os homens, parecem ter desaparecido. No espírito do autor, todo esse misticismo não passa de folclore para mostrar aos ocidentais.
Para subir na vida, para chegar à Luz, Balram teve de penetrar no mundo da corrupção desenfreada, da hipocrisia e da desonestidade mais descarada, até ao ponto de assassinar o patrão, de quem tinha uma imagem bastante positiva. Assim, Balram é apresentado como um personagem moralmente contraditório, que valoriza a humanidade do ser e os valores éticos que o ligam por exemplo, à família, em descarada contradição com uma capacidade de adaptação ao mundo da corrupção e da desonestidade, indispensável para atingir a “Luz”.
Assim, a Índia é-nos apresentada como uma potência emergente mas cujo poder económico assenta na desigualdade e na exploração. Tudo se passa como se o velho sistema de castas tivesse encaixado no espírito capitalista que acentua esse fenómeno de desigualdade e de segregação.
O estilo bem humorado, profundamente sarcástico de Adiga acentua o carácter chocante da obra. O autor não hesita em utilizar uma linguagem crua, cáustica e por vezes violenta para caracterizar uma sociedade onde todos os valores morais parecem irremediavelmente perdidos. A própria família é já dominada por este espírito de luta, pela ambição material, mesmo ao nível dos mais desfavorecidos.
Em suma, um livro chocante, descarado, que nos leva a reflectir sobre a natureza do progresso. As potências emergentes, como a China e a Índia, baseiam o seu crescimento na desigualdade. Perturba-nos este caminho. Até que ponto será este o caminho a seguir por esta humanidade? Até que ponto o progresso poderá ainda ser algo que beneficie, de facto, a humanidade?