Escrito na prisão, onde “contava o tempo pelas pulsações da dor” (pág. 33), De Profundis é uma extensa carta dirigida a um amigo especial, alguém que acompanhou Wilde nos momentos de paixão e devaneio em que a sua vida foi fértil. E foi esse amigo quem o conduziu à prisão ao convencê-lo a fazer frente em tribunal ao seu pai, um Lord da alta sociedade inglesa.
Trata-se de um tremendo hino ao esteticismo que o autor cultivou e que aqui exprime da forma mais contraditória possível: toda a beleza, toda elevação da arte contrasta com uma angústia gritante perante o destino que o conduziu à desgraça. A arte assume aqui a forma de dor. A vida desvairada e intensa de Wilde dá aqui lugar a uma imensa melancolia e uma indisfarçável revolta perante um mundo que não o compreendeu minimamente. Por isso, Wilde balança constantemente entre um ego poderoso, um auto-conceito que o leva a colocar-se nos píncaros da arte e uma sensação de desprezo perante ele próprio no que toca aos sentimentos e à forma como os geriu. Ao longo do livro, bem distante do tom optimista de “O retrato de Dorian Gray”, são recorrentes os lamentos e o desespero de um homem que não soube viver e de um artista de génio, incomparável e único. “O supremo vício é a vulgaridade” (pág. 13). O grande pecado de Wilde foi confundir o amor com o prazer e assim caiu na vulgaridade. Aqui Wilde encontra a contradição suprema que o conduziu ao desespero: a contradição entre a beleza da sua arte e a fealdade do mundo que construiu e no qual se sepultou. Foi o factor humano que arruinou a sua arte – crime supremo, este de transportar a vida para a arte que, na sua pureza e perfeição deveria sempre manter-se muito acima do mundo mortal. “Era o triunfo da natureza menor sobre a maior” (pág.23). É ao desprezar e lamentar essa vida gasta no prazer que Wilde valoriza o sofrimento como caminho para uma espécie de contemplação da beleza. Os devaneios e reflexões de Wilde conduzem, por exemplo a uma interessantíssima leitura da vida e obra de Jesus Cristo que identifica como um ideal de beleza, perfeitamente identificada com a dor. Em suma, uma obra que traz à superfície o lado mais negro de Wilde - a decepção perante um mundo que não compreende o génio.