Comentário:
Deixei passar alguns anos até ler um livro de José Rodrigues dos Santos. Por várias razões. A primeira delas terá sido a minha desconfiança em relação a sucessos fáceis. Pouco são os grandes escritores que obtêm sucesso imediato como aconteceu com este jornalista. Podia até ser uma moda mas, passados vários anos, ele continua a dominar os tops e as razões para esse sucesso devem ser alvo de reflexão.
Na música convencionou-se chamar "pimba" à musica popular de sucesso fácil. No entanto, o que se passa com JRS é muito mais do que um sucesso pimba. Há motivos concretos que explicam o fenómeno. E um desses motivos é, seguramente, que ele escreve muito bem. A sua linguagem é extremamente visual, objetiva e ao mesmo tempo pessoal,como se dialogasse com o leitor. Fácil, sim, mas a facilidade de leitura também é uma virtude dos grandes escritores. Os herméticos, os que escrevem "para dentro" não obtêm sucesso comercial mas também dificilmente caem na categoria de grandes escritores. Isto porque a literatura de ficção, como já escrevi várias vezes, tem de ser diversão e os grandes escritores têm de ser consagrados pelo público que deve ser, sempre, o grande júri.
De entre todos os livros de Rodrigues dos Santos, escolhi este como o primeiro a ler, por duas razões; porque se debruça sobre um tema que me fascina (a guerra colonial) e porque se baseia em factos reais, mais exatamente na história de vida do pai do autor, um médico piloto em Moçambique, durante a guerra.
O formação jornalística do autor confere-lhe um rigor histórico e uma objetividade na análise que fazem deste livro, também, um testemunho histórico.
Mantendo uma perspetiva paternalista, típica de Salazar, Portugal procurou basear o colonialismo num conceito de superioridade civilizacional, justificando a tirania com o beneficio dos povos considerados naturalmente inferiores. Com esta contradição, o Portugal colonial entrou num beco sem saída que acarretaria consequências trágicas para ambos os lados: é que o paternalismo teoricamente civilizador esquecera sempre as reais necessidades da população nativa, de tal maneira que o incontestável crescimento económico das colónias se traduziu, apenas, no enriquecimento do colonizador. Assim, a população local, atrofiada pela exploração, perseguida pela PIDE e pelas autoridades coloniais, mais tarde ou mais cedo, haveriam de recorrer à violência. Em 1961 desencadeia-se a guerra colonial que levaria ao fim do regime fascista e do colonialismo. Pelo meio ficou uma das maiores tragédias e um dos maiores erros da história de Portugal.
Normalmente os portugueses queixavam-se de não conseguirem distinguir o terrorista do indígena neutro ou até aliado. E isso explica os massacres, como o de Wiriyamu, que o pai de JRS viria a denunciar - se não os consegues distinguir, mata-os a todos e resolves o problema. Em linguagem militar, os soldados portugueses descreviam essas acções de chacina coletiva como "limpeza".
Ao longo do livro não faltam também os "clichés", como a paixão do jovem soldado branco pela bela nativa, até ao herói que desativa a bomba fatal hesitando entre o fio azul e o fio vermelho, à boa maneira de Hollywood. Mas é precisamente esta simplicidade, esta objetividade que garante o sucesso de vendas - aqui tudo é simples, linear e realista. Se não aconteceu exatamente assim, poderia ter acontecido...
Baseando-se em factos reais, José Rodrigues dos Santos traz-nos desta vez uma obra sobre Moçambique, os portugueses, a guerra colonial e, sobretudo sobre o mais aterrador segredo de Portugal no Ultramar. A vida de José Branco mudou no dia em que entrou naquela aldeia perdida no coração de África e se deparou com o terrível segredo. O médico tinha ido viver na década de 1960 para Moçambique, onde, confrontado com inúmeros problemas sanitários, teve uma ideia revolucionária: criar o Serviço Médico Aéreo. No seu pequeno avião, José cruza diariamente um vasto território para levar ajuda aos recantos mais longínquos da província. O seu trabalho depressa atrai as atenções e o médico que chega do céu vestido de branco transforma-se numa lenda no mato.Mas a guerra colonial rebenta e um dia, no decurso de mais uma missão sanitária, José cruza-se com aquele que se vai tornar o mais aterrador segredo de Portugal no Ultramar. Inspirado em factos reais e desfilando uma galeria de personagens digna de uma grande produção, "O Anjo Branco" afirma-se como o mais pujante romance jamais publicado sobre a Guerra Colonial – e, acima de tudo, sobre os últimos anos da presença portuguesa em África. José Rodrigues dos Santos, dando prova da sua já conhecida e reconhecida capacidade de renovação constante, continua a surpreender. Com efeito, no seu novo romance, adopta um registo mais intimista e revela outra faceta aos seus muitos leitores, numa atitude de desassombro e coragem que não deixará de empolgar e até emocionar. Este é um livro que todos os portugueses sentirão como muito próximo – pelas experiências, pelos acontecimentos narrados, pela repercussão dos factos.
in www.fnac.pt