Sinopse:
José Mariano Serrão foi um republicano convicto que
contribuiu decisivamente para a elevação de Estremoz a cidade e o seu posterior
desenvolvimento. Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas,
cafés e uma oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho
de sobrinhos a quem deu um lar e um futuro. É em torno deste homem determinado,
mas também secreto e contido, que giram as cinco vozes que nos guiam ao longo
destas páginas, numa viagem que é a um tempo pessoal e colectiva, porque não
raro as estórias dos narradores se cruzam com momentos-chave da história
portuguesa. Assim conheceremos um adolescente que espreitava mulheres nuas e
ria nos momentos menos oportunos; a noiva cujos olhos azuis guardavam um
terrível segredo; um jovem apaixonado pela melhor amiga que vê a vida
subitamente atravessada por uma tragédia; a mãe que experimentou o escândalo e
chora a partida do filho para a guerra; e ainda a prostituta que escondia
documentos comprometedores na sua alcova e recusou casar-se com o homem que a
amava. Por fim, quando estas vozes se calam, é tempo de ouvirmos o protagonista
através de um diário escrito noutras latitudes e ressuscitado das cinzas muitos
anos mais tarde.
Baseado em factos reais, Uma Outra Voz é uma ficção que nos oferece uma multiplicidade de
olhares sobre a mesma paisagem, urdindo a história de uma família ao longo de
um século através das revelações de cada um dos seus membros, numa interessante
teia de complementaridade.
in wook.pt
Comentário:
O simples facto de a narrativa ser feita em cinco vozes dá ao livro um aspecto original que muito terá contribuído para o prémio Leya com que foi agraciado. Na verdade, trata-se de um estilo algo inovador que nos permite ter uma visão global de uma personalidade, vista por cinco narradores bem distintos.
Por outro lado, o livro associa com algum sucesso a ficção à biografia. Se acrescentarmos a isto uma escrita fluída, clara e um autêntico passeio pelo século XX português, encontramos talvez a explicação completa para a seleção do júri deste prestigiado prémio.
Mesmo assim, eu, leitor comum e desinteressado, não deixo de ficar algo surpreendido. O livro tem qualidade mas a verdade é que não consigo encontrar nele nada que verdadeiramente traga inovação. Por outro lado, a narrativa acaba por se perder em bruscos saltos temporais que dão ao livro um aspeto de "manta de retalhos" sendo que alguns deles parecem claramente desenquadrados do tema central, a vida do benemérito republicano João José Mariano Serrão.
Talvez a expetativa fosse demasiado elevada quando parti para a leitura, no entanto fica a sensação de que falta aqui algo que distinga realmente o livro das centenas que todos os meses se publicam em Portugal.
Esperava mais e melhor, é certo. No entanto, como referi, a obra tem qualidade.
O aspecto mais positivo centra-se na forma como a vida do protagonista testemunha momentos chave da nossa história, como o movimento republicano, com as suas contradições, dificuldades e conflitos, bem como a ascensão do Estado Novo, que terá precipitado a fuga para África do protagonista.
Passando pelos últimos tempos da Monarquia, pela Primeira Republica, pelo Estado Novo e mesmo pelos primeiros anos da democracia, fica bem patente a força do conservadorismo luso, não só na evolução política como, acima de tudo, nos costumes e na mentalidade, o que acaba por se plasmar num quadro social dominado pelo preconceito, pela intriga interesseira e por uma certa perpetuação do obscurantismo.
Em suma, estamos perante um grande prémio para uma pequena desilusão.