Muitos anos depois, à procura de um pouco do ar sempre fresco de uma escrita imortal e inimitável, voltei ao bom velho Eça! Reler Eça é respirar o ar sempre fresco de finíssima ironia, de sátira bem humorada, de crítica mordaz mas sempre divertida.
Uma das coisas que mais impressiona neste romance é a forma como Eça exprime com bom humor, que por vezes leva à gargalhada do leitor, uma visão terrivelmente pessimista do Portugal oitocentista decadente. Eça abomina a beatice extrema, quase insana da titi, D. Patrocínio mas apresenta-nos essa crítica em forma de caricatura bem disposta. Eça abomina a hipocrisia de Teodorico que, para ganhar o direito à herança da titi, se transforma em falso beato, mas descreve-nos esse carácter abjecto num tom de autêntica comédia.
É esta a arte maior de Eça: a capacidade de transformar a critica em comédia.
O livro narra as aventuras e desventuras de Teodorico, um jovem criado num meio profundamente conservador, povoado por um cristianismo hipócrita e beato. Depois de ficar órfão, o jovem é acolhido pela tia Patrocínio, uma mulher obcecada pela religião, que abomina não só o sexo como qualquer actividade mundana. Teodorico, interessado acima de tudo na herança, bajula a titi de uma forma desmedidamente hipócrita. Quando um dos padres que frequenta a casa da titi sugere uma viagem de Teodorico à Terra Santa, este aproveita a oportunidade para “matar dois coelhos com uma cajadada”: por um lado aproveitará para gozar todos os prazeres da carne ao mesmo tempo que procurará trazer à titi a relíquia sagrada que, acredita ele, lhe garantirá de vez a famigerada herança. Mas nem tudo correrá como o previsto…
Para além da referida perspectiva crítica, por demais conhecida em Eça, este livro mostra-nos o Eça viajante: a viagem à Terra Santa é descrita com impressionante riqueza descritiva e recorrendo a um exotismo fantástico que conduz o leitor por paisagem e situações verdadeiramente encantadoras.
Em conclusão: trata-se de um livro divertido, bem claro na crítica mordaz ao Portugal do século XIX mas que não deixa de nos convidar a reflectir sobre questões que serão sempre actuais, como o exagero a que pode conduzir a ambição material, capaz de derrotar quaisquer princípios éticos, a vacuidade de uma educação baseada apenas em princípios de religiosidade extrema ou o peso do preconceito, irmão gémeo da ignorância na sociedade portuguesa de ontem e, já agora, de hoje… é que, pelos vistos, o Portugal de Eça está vivo…