Como já repararam, esteve aqui ao lado, até há pouco, uma sondagem sobre o continente de onde provêm os escritores preferidos dos frequentadores deste blogue. Venceu por larga maioria o continente europeu.
Agora, a ideia é escolher o país europeu onde têm origem esses escritores. Depois tentaremos encontrar uma forma de, dentro desse país, escolher o escritor favorito.
Nesta fase, optei por colocar estes oito países, mas se acharem que devo inserir outros, façam o favor de dizer, ok?
Entretanto vamos lá escolher o país onde se escreve (ou escreveu) melhor :)
. O que um escritor nos dá não são livros. O que ele nos dá, por via da escrita, é um mundo. Mia Couto
sábado, 30 de abril de 2011
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Jerusalém - Gonçalo M. Tavares
A proximidade entre o Bem e o Mal; entre o amor e o ódio; a vida vizinha da morte – um caminho apenas. Talvez a cruz de Jerusalém, cidade e nome do livro, metáfora para o hospício Georg Rosemberg, onde Mylia e Ernst viveram, amaram e conceberam Kaas. É Mylia quem diz, citando a Bíblia: “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que seque a minha mão direita”. E mais adiante: Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg”, que seque a minha mão direita”.
Numa escrita crua, dura, directa e atraente, GMT percorre a vida de personagens-tipo, que vivem nas margens ténues da loucura normal.
Mylia, 18 anos, esquizofrénica. Casa com o médico Theodor; ele estudá-la-á sem amor. A mãe diz que ela vê almas.
No hospício, Mylia conhecerá Ernst, esquizofrénico. Desse amor nascerá Kaas. No hospício Georg Rosemberg. Ou Jerusalém. Sítio da redenção e da paixão. Do sofrimento e do amor. Da salvação e da perdição. O local de onde vem o medo, como a guerra para Hinnerk.
Mylia, 40 anos, à espera da morte. Alguns meses para viver. Procura uma igreja, na madrugada. Desesperada por um pouco de paz. A dor dilacera-a; a dor má, que a matará e a dor boa, que a faz sentir viva: a dor da fome; da fome do corpo. Naquele momento um pão era mais importante que a eternidade: a vida é uma soma de momentos, todos eles únicos.
Theodor Busbeck desposara Mylia. Ele estuda o horror; faz contas, somas, gráficos. Encontrar os padrões do horror nos tempos; o horror passado e futuro da humanidade explicados em fórmulas matemáticas.
O horror, o sofrimento e a violência são vitais para o mundo; se um dia houver equilíbrio entre os sofredores e os que fazem sofrer, o mundo perderá sentido e extinguir-se-á. Como na vida de qualquer indivíduo: sofrer ou fazer sofrer são os termos da equação. Quando se equilibrarem será a morte. Ou então, para lá desse equilíbrio, apenas a fé poderá sobreviver. Como na doença de Mylia: ela viverá depois do prazo que a ciência lhe deu para morrer. Porque os milagres existem. O sagrado é o lugar onde tudo termina. O sagrado que se encerra no nome de Theodor.
Como se vê, trata-se um livro cheio de simbolismo; mas aqui, significados e significantes acabam por ser descodificados sem esforço pelo leitor, tornando a leitura extremamente agradável. Não se trata de um livro “negro” como a capa pode enunciar; não se trata de um livro sobre a morte ou a loucura; trata-se de um livro sobre a vida nas suas múltiplas facetas; sobras as angústias do viver, do sentir, do amar e do morrer.
Não é uma obra-prima nem GMT alguma vez terá ambicionado tal; é um livro pequeno, de leitura rápida, que deixa múltiplas pistas que nos permitem antever no seu autor um talento que o poderá levar, no futuro, aos mais altos níveis da genialidade.
Avaliação Pessoal: 8.5/10
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Lendo Gonçalo M. Tavares
Jerusalém.
Mais uma surpresa. Ao contrário do que esperava (mediante o que tenho lido), trata-se uma obra muito objectiva, de fácil leitura. A dimensão simbólica dos personagens e das situações torna-se perfeitamente clara ao longo da leitura.
Numa escrita límpida e clara, GMT percorre os aspectos mais sombrios da existência humana, as suas dúvidas e angústias mais lúgubres, através de personagens-tipo, todas elas em situações-limite. Mau grado o negro das emoções que desperta no leitor, não deixa de ser uma leitura fluente e agradável.
Mais uma surpresa. Ao contrário do que esperava (mediante o que tenho lido), trata-se uma obra muito objectiva, de fácil leitura. A dimensão simbólica dos personagens e das situações torna-se perfeitamente clara ao longo da leitura.
Numa escrita límpida e clara, GMT percorre os aspectos mais sombrios da existência humana, as suas dúvidas e angústias mais lúgubres, através de personagens-tipo, todas elas em situações-limite. Mau grado o negro das emoções que desperta no leitor, não deixa de ser uma leitura fluente e agradável.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Olhei Para Trás e Sorri - Pedro de Sá
Uma boa surpresa, este livro.
Escrito com leveza, num discurso fluente e objectivo, Pedro de Sá mostra-nos que não é preciso escrever muito para dizer muitas e belas verdades.
Olhei Para Trás e Sorri é a história de Francisco, um simples funcionário público que teve uma vida tão simples como o correr aparentemente normal do tempo. Se há um sentido da vida, ele nada tem de complexo. Francisco é gente como nós. Talvez por isso, porque nada de alucinante acontece, que vemos em Francisco um pouco de nós.
Ao olhar para trás, esperando a morte, ele sorri. Sorri talvez daquela alegria suave de um dever cumprido mas também, talvez, com o sorriso amarelo de quem não conseguiu enganar a vida; de quem não arriscou emoções maiores; de quem permaneceu nessa suave normalidade que, sem fulgores também não arrancou lágrimas de desespero. Francisco viveu e talvez essa vida suave não seja mais que uma longa espera da morte.
Poderão alguns leitores deste livro dizer que é uma bela história de amor. Talvez essa seja uma leitura óbvia do enredo. Mas não foi assim que eu o li. Francisco foi homem de uma mulher só. Por ela se apaixonou, com ela encontrou aquela felicidade que advém do corpo, com ela casou e com ela morreu. Mas, pelo meio houve Matilde. E talvez por aí o amor tivesse espreitado. Mas Francisco preferiu essa felicidade suave e “normal” que Maria Luísa que oferecia.
Avaliação Pessoal: 8/10
terça-feira, 26 de abril de 2011
Como Água para Chocolate - Laura Esquível
Quando se mistura um livro de culinária com uma história de amores desencontrados, só pode sair daí uma enorme caldeirada. Foi o que este livro, embora pequeno, me fez lembrar - uma grande caldeirada, fabricada com ingredientes peculiares: um dramalhão de amor, um livro de receitas culinárias, uns quantos terroristas da guerrilha mexicana de Pancho Villa e uns toques da fantasia literária sul-americana, encaixadas à força no romance.
Mas nem por isso se trata de um mau livro; se o fosse não teria, certamente, vendido tantos exemplares. Na verdade, o enredo é bastante imaginativo e o final é interessante pela criatividade e originalidade. Pena é que, pelo meio, os personagens vão morrendo em catadupa, pelos motivos mais variados que se possa imaginar, desde o vulgar envenenamento a um ataque fulminante de flatulência passando por uma ingestão massiva de fósforos.
Pedro ama Tita, mas casa com Rosaura. Tita ama Pedro mas acha que gosta de John e não casa com nenhum deles; refugia-se na cozinha. Gertrudis não ama ninguém mas tem um ataque de uns calores “esquisitos” e foge com os revolucionários. A mãe delas tinha um desgosto de amor (para não fugir à regra) e por isso era uma mãe malvada. Uma verdadeira Cruella. Rosaura, desgostosa por Pedro continuar apaixonado por Tita engorda até rebentar (literalmente). Como se vê, não faltam motivos de interesse para despertar a imaginação de quem lê.
O contexto histórico foi pouco explorado, o que é uma pena porque se trata de uma época interessantíssima: no México de inícios do século XX, quando os bandos armados de Pancho Villa e Emílio Zapata, lutando contra a ditadura de Vitoriano Huerta, espalharam o terror pelas propriedades agrícolas da região.
Em suma, parece-me um livro interessante mas que fica muito aquém dos grandes romances sul-americanos, em que a fantasia e o misticismo encantam quem lê. Neste caso, a culinária desvia-nos (a meu ver, é claro) desse encanto fantástico que a tradição literária da América latina tão bem soube explorar com escritores como Garcia Marquez ou Isabel Allende.
Avaliação Pessoal: 7.5/10
segunda-feira, 25 de abril de 2011
25 de Abril HOJE E SEMPRE
Acordem!
Deixem de pensar que outrora é que era bom! Olhem à vossa volta e vejam que é a LIBERDADE que nos permite levantar a voz!
Deixem de pensar que outrora viviamos melhor! Olhem à vossa volta e vejam que só as portas que Abril abriu nos permitem hoje o luxo de ter uma crise. Porque outrora este país foi uma única e imensa crise!
Acordem, levante-se, revoltem-se e deixem passar a poesia:Liberdade - Sérgio Godinho
Viemos com o peso do passado e da semente
esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
só se pode querer tudo quanto não se teve nada
só se quer a vida cheia quem teve vida parada
só se quer a vida cheia quem teve vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
a paz o pão
habitação
saúde educação
só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir.
sábado, 23 de abril de 2011
Lendo Laura Esquível
Depois de Murakami e Kundera, apateceu-me ler uma coisa "levezinha". Optei por uma obra que costuma ser elogiada precisamente pela facilidade com que se lê (Como Água para Chocolate).
Mas, meus amigos, aquilo é tão levezinho que chega a irritar.
No entanto, ainda vou a meio; talvez o final me leve a mudar de opinião.
Para já, começo a ficar cansado de tanta leveza.
Mas, meus amigos, aquilo é tão levezinho que chega a irritar.
No entanto, ainda vou a meio; talvez o final me leve a mudar de opinião.
Para já, começo a ficar cansado de tanta leveza.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
A Identidade - Milan Kundera
“Eu tenho duas caras”, afirma Chantal. Duas caras. Todos temos, não é? Duas, três ou quantas forem necessárias. Duas caras mas uma identidade; algo próprio, seja de Chantal seja de qualquer um de nós que nunca se diluirá. É por isso que um casamento, ou uma relação amorosa, por mais profunda que seja, sempre há-de esbarrar na verdadeira natureza humana. A identidade de um ser humano é composta de múltiplas facetas e só a anulação total da personalidade permitiria essa diluição que, ao que dizem, tornaria um casamento feliz. Talvez fosse esse caminho que, neste livro, Jean-Marc procurou: o da anulação da personalidade em nome de uma causa – o amor. Falhou. Falhou como Chantal ou como qualquer ser humano que não consegue (porque não pode) diluir-se nisso a que chamam amor monogâmico.
A monogamia é uma imposição social e histórica; perante ela só há um de dois caminhos: a adaptação ou a revolta. Jean Marc adaptou-se. Pelo menos tentou; ele não se inquieta; apenas se acomoda, passivamente. Acabará mal.
Ela, Chantal, necessita de desafios; necessita de ser ela; de mostrar as várias faces e assumi-las. Acabará mal, também.
O ser humano anseia permanentemente pela liberdade, pela realização do “eu”. No entanto, o amor é algo que conduz a um beco sem saída, a uma quimera que é uma espécie de liberdade a dois. Impossível. Por isso o amor é a negação da liberdade; é a despersonalização.
A verdadeira natureza humana é a do sonho: do sonho libertador, da atracção fatal da liberdade. É entre estes dois pólos (amor e liberdade) que vagueiam Chantal e Jean Marc. Kundera coloca cada um deles num dos pólos. Qual dos dois triunfa? Talvez todos os triunfos sejam provisórios e a vida humana não seja mais que uma viagem hesitante e constante entre os dois.
Trata-se portanto de um livro extremamente simples, com uma mensagem muito clara. Sem a profundidade das sua obras-primas (O Livro do Riso e do Esquecimento e A Insustentável Leveza do Ser) mas com traços de génio na forma simples e directa com que consegue prender o leitor.
Publicado no Destante, no âmbito da Leitura Conjunta.Avaliação Pessoal: 8/10
terça-feira, 19 de abril de 2011
Crónica do Pássaro de Corda - Haruki Murakami
Nem sei por onde começar. Talvez pelo fim. Trata-se de um livro fantástico. Talvez o melhor de Murakami.
Este livro é um verdadeiro tratado.
Tudo começa com um enquadramento muito simples. Ele, Toru Okada está desempregado. Trabalhava numa firma de advogados mas despediu-se. Ela, a esposa Kumiko trabalha como editora de uma revista de dietética e alimentação natural. Um emprego vulgar e uma vida aparentemente vulgar. Viviam com um gato, Noboru Wataya, a quem tinham dado o nome do irmão de Kumiko. Um dia o gato desapareceu. E é a partir daqui que tudo começa. Mas começa o quê? Uma série interminável de episódios cada vez mais estranhos à luz das mentes normais. Acontece que não há mentes normais. Não há lógica na vida e essa é uma das coisas mais importantes que Murakami nos ensina.
As personagens vão aparecendo e desfilando perante nós, cada vez mais surpreendentes e encantadoras, quer pela bondade quer pela maldade. Tudo isso é humano. Como humanos são os sonhos e as fantasias.
Toru começa a refugiar-se num poço seco de uma casa maldita. Aí ele vive momentos encantados onde o real e o sonho se misturam. Como na vida.
Tudo em Murakami é simbólico. Mas tudo é explicado. Na mente do leitor vão-se explicando, por si, todos os signos. Eles envolvem significado e significante, que Murakami procura aclarar sem cair naquele simbolismo obscuro que muitos autores cultivaram.
À procura de um gato. Um gato que simboliza a liberdade e a personalidade; aquilo que falta ao ser humano: a coragem de desafiar destinos, de associar sonhos à realidade, de passar fronteiras.
Tudo se passa como as personagens procurassem a todo o custo chegar a situações-limite, sem as quais não há sentido para a vida. No centro do enredo encontram-se ligações às terríveis guerras que o Japão enfrentou: a invasão da Manchuria nos anos 30, com a consequente e dramática guerra sino-japonesa e a segunda guerra mundial. Situações-limite que fizeram nascer um novo Japão. Como na vida das pessoas: é preciso ir ao fundo do poço. É preciso descer ao fundo quando se desce e subir ao topo mais alto quando se sobe.
Ao longo de seiscentas e trinta páginas, Murakami leva-nos pela mão ao encontro das mais absurdas situações. E depressa descobrimos que o absurdo é aparente. Tão aparente como a lógica das coisas. Não há lógica; há apenas aparências. Tudo à nossa volta são mistérios que escondemos para enganar a vida e a consciência.
O exemplo mais notável, mais profundo encontra-se nas últimas páginas do livro. Vamos ver se consigo explicar isto evitando os malditos spoilers: alguém se encontrava sequestrado. E o sequestro acabará da forma mais bela que este humilde leitor poderia imaginar. A personagem estava sequestrada pela sua própria mente. Ela não foi raptada; ela entregara-se ao sequestrador. O que tem isto de encantador? É que de repente descobrimos que aquela personagem e aquela situação nada têm de estranho. Ela é igual a qualquer um de nós: entregara-se a um sequestro, como todos nós. As piores prisões não envolvem grades nem correntes: somos nós que as construímos.
No final do livro, como sempre, só apetece sorrir e dizer bem alto: ARIGATOU, Murakami.
Avaliação Pessoal: 9.5/10
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Lendo Murakami
Crónica do Pássaro de Corda. Um livro fantástico!
Irritam-me cada vez mais as comparações que se fazem entre Murakami e Kafka. É certo que há pontos de contacto (o absurdo, as metamorfoses dos personagens, a solidão na vida moderna, a burocracia…) mas não há em Kafka este encanto, esta fantasia real e este optimismo, esta força positiva que triunfa sempre nos livros de Murakami.
É certo que o livro está cheio de referências a tragédias históricas verdadeiramente horrendas (a guerra sino-japonesa na Manchúria, a 2ª Guerra Mundial e as barbaridades de Estaline na Sibéria); é certo que aqui também está bem expresso o lado negro do ser humano; mas também é certo que a escrita de Murakami tem o imenso dom de nos fazer sonhar. E digo-o literalmente.
Amanhã opinião completa neste blogue.
Imagem daqui.
domingo, 17 de abril de 2011
Ser Como Tu - Miguel Almeida
Eu, aprendiz, me confesso: não sou perito em poesia, nem sequer fui alguma vez apreciador do género. Sobrevoei os clássicos, movido pela obrigação escolar, mais nada. Tive sempre um pequeno encanto pela Mensagem de Fernando Pessoa mas, fora disso, mantive uma distância consciente mas algo cobarde em relação aos poetas.
Um dia caiu-me do céu em pára-quedas um livro de Miguel Almeida. Li-o com esforço, dada a minha ausente (ou asfixiada) sensibilidade poética. Deixei-me levar pelo esforço e valeu a pena.
Este é o segundo livro de Miguel Almeida que leio e desta vez o esforço foi menor, talvez porque começo a ressuscitar para a musicalidade das rimas e para a sensibilidade dos versos.
Dez conjuntos de onze poemas fazem este livro em que há alegria e solidão, tristeza e intimidade, suavidade e rispidez.
Há até um auto-retrato, talvez brincadeira, servida com humor; o auto-retrato de um poeta que diz não saber se nos mente:
“Deidades! Não devoto para um só Deus o voto
Não sou esquisito. Prefiro mil, se forem mulheres
Pois ser ateu, não vem pró caso de nisto ser expedito.”
Simples, sensível, directo, positivo (sem lamechices).
Pessoal, íntimo, musical.
Suave como quem reza.
Por vezes, a solidão:
“O Caos das proximidades,
Tão próximas,
Afastam-me para longe,
Tão longe de mim.
Mas, agora, entregue a mim próprio
Tenho a sensação de estar só,
Acompanhado, na verdade fiquei tão só.”
Outras vezes, o sorriso da vida:
“E há uma flor no jardim, que me (a) guarda
Esperando paciente por mim, outra vez vigoroso”.
As palavras sobrevoam a alma, as viagens sucedem-se nas nuvens dos sentimentos que percorrem os dias. E o leitor, de início hesitante, vai inspirando os sons que descem ao fundo da alma. E começa a fazer sentido: ler poesia é sentir. Sentir a poesia não é como quem lê. É como quem respira sensações e sentimentos: inspira-os, absorve-os e expira uma espécie de paz.
Ler Miguel Almeida é também uma viagem no mundo reservado da alma:
“Por que é à volta de si mesmo,
Que é mais necessário e urgente viajar.”
E para o fim da viagem há a morte, ou melhor, a vida:
“Na angústia da minha prisão,
Não como ser que nasce para a morte,
Mas como ser que existe,
Resistindo e persistindo, sobre a morte”
Um dia caiu-me do céu em pára-quedas um livro de Miguel Almeida. Li-o com esforço, dada a minha ausente (ou asfixiada) sensibilidade poética. Deixei-me levar pelo esforço e valeu a pena.
Este é o segundo livro de Miguel Almeida que leio e desta vez o esforço foi menor, talvez porque começo a ressuscitar para a musicalidade das rimas e para a sensibilidade dos versos.
Dez conjuntos de onze poemas fazem este livro em que há alegria e solidão, tristeza e intimidade, suavidade e rispidez.
Há até um auto-retrato, talvez brincadeira, servida com humor; o auto-retrato de um poeta que diz não saber se nos mente:
“Deidades! Não devoto para um só Deus o voto
Não sou esquisito. Prefiro mil, se forem mulheres
Pois ser ateu, não vem pró caso de nisto ser expedito.”
Simples, sensível, directo, positivo (sem lamechices).
Pessoal, íntimo, musical.
Suave como quem reza.
Por vezes, a solidão:
“O Caos das proximidades,
Tão próximas,
Afastam-me para longe,
Tão longe de mim.
Mas, agora, entregue a mim próprio
Tenho a sensação de estar só,
Acompanhado, na verdade fiquei tão só.”
Outras vezes, o sorriso da vida:
“E há uma flor no jardim, que me (a) guarda
Esperando paciente por mim, outra vez vigoroso”.
As palavras sobrevoam a alma, as viagens sucedem-se nas nuvens dos sentimentos que percorrem os dias. E o leitor, de início hesitante, vai inspirando os sons que descem ao fundo da alma. E começa a fazer sentido: ler poesia é sentir. Sentir a poesia não é como quem lê. É como quem respira sensações e sentimentos: inspira-os, absorve-os e expira uma espécie de paz.
Ler Miguel Almeida é também uma viagem no mundo reservado da alma:
“Por que é à volta de si mesmo,
Que é mais necessário e urgente viajar.”
E para o fim da viagem há a morte, ou melhor, a vida:
“Na angústia da minha prisão,
Não como ser que nasce para a morte,
Mas como ser que existe,
Resistindo e persistindo, sobre a morte”
sábado, 16 de abril de 2011
As traduções: algumas brilhantes, muitas miseráveis
Por sistema evito dizer, nos meus comentários, qualquer coisa que desincentive a leitura. Portanto, em geral não falo das traduções. Mas a verdade é que, para além de os livros em Portugal serem dos mais caros da Europa, as traduções são geralmente más. Frases sem qualquer sentido, erros ortográficos, tempos verbais errados a fazer lembrar as traduções do Google, são marcas indeléveis de trabalhos de tradução apressados. Isto para já não falar da nítida ausência de compreensão do espírito da obra e do autor, que seria essencial para que a tradução fosse bem feita.
Evidentemente que há excepções; muitas e boas, como as obras de Murakami na Casa das Letras, a magnífica tradução de Guerra e Paz na Presença ou as obras de Auster na ASA. Nos casos de Auster e Murakami o segredo está numa estratégia bem sucedida que foi entregar todas as obras do autor ao mesmo tradutor. Um bom tradutor tem de intervir na obra, não pode simplesmente servir de dicionário. Nesse aspecto lembro-me de um caso brilhante: Jorge de Sena quase reescreveu a Condição Humana. É caso para dizer que também não é preciso exagerar…
Mas, globalmente, as traduções portuguesas são fracas e nalguns casos que me escuso de nomear são absolutamente miseráveis. Pelo que oiço por aí, isso parece que tem a ver com a forma também miserável como as editoras pagam esse serviço. Será verdade?
Evidentemente que há excepções; muitas e boas, como as obras de Murakami na Casa das Letras, a magnífica tradução de Guerra e Paz na Presença ou as obras de Auster na ASA. Nos casos de Auster e Murakami o segredo está numa estratégia bem sucedida que foi entregar todas as obras do autor ao mesmo tradutor. Um bom tradutor tem de intervir na obra, não pode simplesmente servir de dicionário. Nesse aspecto lembro-me de um caso brilhante: Jorge de Sena quase reescreveu a Condição Humana. É caso para dizer que também não é preciso exagerar…
Mas, globalmente, as traduções portuguesas são fracas e nalguns casos que me escuso de nomear são absolutamente miseráveis. Pelo que oiço por aí, isso parece que tem a ver com a forma também miserável como as editoras pagam esse serviço. Será verdade?
sexta-feira, 15 de abril de 2011
O melhor esritor português da actualidade
Está encerrada a votação para o melhor escritor português da actualidade. É claro que isto é apenas uma brincadeira sem qualquer pretensão. Mas este resultado vem confirmar que José Rodrigues dos Santos é um caso sério na literatura portuguesa, ao ponto de deixar em segundo lugar, em igualdade, três grandes nomes: Lobo Antunes, José Luís Peixoto e Gonçalo M. Tavares. Se não estou em erro, Rodrigues dos Santos é o escritor português que mais vendeu nos últimos anos. Curiosamente é o único desta lista que eu ainda não li. Agora não tenho desculpa :)
Obviamente, a lista que coloquei era muito reduzida, o que levou a um elevado número de votos na opção “outros”; nada menos que 9 votos. De facto, numa próxima oportunidade colocarei uma lista mais completa porque (culpa minha) faltavam aqui excelentes escritores como Lídia Jorge, Tiago Rebelo, Manuel Alegre, David Soares, Paulo Alexandre e Castro, Miguel Almeida, Afonso Cruz, Cristina Torrão, etc.
Imagem retirada daqui.
Obviamente, a lista que coloquei era muito reduzida, o que levou a um elevado número de votos na opção “outros”; nada menos que 9 votos. De facto, numa próxima oportunidade colocarei uma lista mais completa porque (culpa minha) faltavam aqui excelentes escritores como Lídia Jorge, Tiago Rebelo, Manuel Alegre, David Soares, Paulo Alexandre e Castro, Miguel Almeida, Afonso Cruz, Cristina Torrão, etc.
Imagem retirada daqui.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Pele - Mo Hayder
Custa um pouco “entrar” neste livro. Um início algo confuso corre o risco de afastar alguns leitores menos pacientes. As várias personagens são apresentadas em catadupa e as diferentes estórias do enredo causam alguma confusão na mente do leitor. Mas chega-se ao final com a sensação de prazer que uma boa leitura proporciona.
O grande problema da literatura policial é que, desde há muitos anos, talvez desde Simenon, se tornou muito difícil superar ou sequer igualar os grandes clássicos do género: Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie. Talvez por isso, parti para esta leitura sem grandes expectativas. E isso é meio caminho andado para se gostar de um livro. Surpreendeu-me pela positiva.
Ao longo do livro há um crescente de emoção, um ritmo narrativo cuidadosamente planeado para esse crescendo.
Jack Caffery procura desvendar uma série de crimes violentos (assassinatos disfarçados de suicídios) relacionados com estranhos rituais de origem africana, envolvendo tráfico de órgãos humanos. Neste contexto, as descrições de Hayder são muitas vezes verdadeiramente arrepiantes.
“Pele” foge com sucesso de todos os clichés da literatura policial; aqui não há detectives super-inteligentes e super-honestos: há uma investigadora subaquática que tenta encobrir um crime cometido pelo irmão alcoólico e um detective que recorre a estratégias fora de qualquer protocolo e mesmo desonestas. Não há também o eterno cliché da paixão “assolapada” do detective pela bela mulher-polícia; há, isso sim, seres humanos com os dilemas e os problemas das pessoas comuns. Não há sequer aquelas coincidências extraordinárias que geralmente tornam estas estórias totalmente inverosímeis. Aqui todo decorre dentro da lógica possível que há na vida.
Em suma, quem lê este livro é convidado a subir uma montanha íngreme, com alguma dificuldade, mas depois passeia no planalto de um enredo envolvente e emocionante. Vale a pena a subida.
Avaliação Pessoal: 9/10
domingo, 10 de abril de 2011
Lendo Mo Hayder
"Pele". Trata-se de um livro policial.
A literatura policial foi em tempos uma paixão. Eram os bons velhos tempos da colecção Vampiro.
Agora, muito tempo depois voltei lá.
Como diz Rui Veloso, "nunca voltes ao lugar onde foste feliz". No entanto, as primeiras setenta páginas deste livro paracem dizer-me que fiz bem lá voltar.
Trata-se de um policial bastante negro, com episódios arrepiantes, de violência crua e nua. Mas o mistério vai-se adensando e a leitura promete.
A literatura policial foi em tempos uma paixão. Eram os bons velhos tempos da colecção Vampiro.
Agora, muito tempo depois voltei lá.
Como diz Rui Veloso, "nunca voltes ao lugar onde foste feliz". No entanto, as primeiras setenta páginas deste livro paracem dizer-me que fiz bem lá voltar.
Trata-se de um policial bastante negro, com episódios arrepiantes, de violência crua e nua. Mas o mistério vai-se adensando e a leitura promete.
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Desgraça - J. M. Coetzee
Este é um dos livros de maior sucesso de Coetzee. Publicado em 1999, recebeu o Booker Prize e contribuiu para o Nobel da Literatura atribuído em 2003.
É sem dúvida uma obra de qualidade excepcional. Para o leitor comum, o maior elogio que se pode fazer é este: abordando assuntos verdadeiramente negros é, ao mesmo tempo, uma leitura extremamente agradável.
Trata-se da história de David Lurie, um professor de 52 anos, que se apaixona por uma aluna com cerca de vinte anos. Mau grado a maioridade e a colaboração da aluna, este relacionamento provoca um verdadeiro furacão de reacções moralistas, hipócritas e radicais que conduzirão à verdadeira desgraça em que se transformará a vida de David.
Ela é adulta e seduz David. No entanto, os moralistas entram em campo e ele é “crucificado”. A sociedade moderna, que cultiva a imagem e a hipocrisia, compraz-se com a desgraça alheia, como se a vida fosse uma batalha em que é necessário espezinhar os outros. A desgraça de alguém torna-se terreno fértil para a imposição de padrões de comportamento que não são mais do que instrumentos destinados à encenação de processos inquisitoriais, totalmente hipócritas.
É a sociedade a inventar limites às liberdades individuais. A liberdade é inimiga da sociedade.
A vida no campo, onde se refugiara Lucy, a filha de David, envolve os animais numa espécie de imitação da sociedade humana; eles são castigados, como os homens, por obedecerem a instintos e vontades. Mas o campo é também mais um dos palcos da violência humana. A violência é a marca do Império do Homem; sobre os animais e sobre os outros homens; o Império da morte e do esquecimento.
Na segunda parte do livro, o sexo é apresentado como, também ele, uma expressão da violência. O lado instintivo do ser humano é agora servo de um “deus” maior: o do ódio, da maldade extrema.
Afinal, tudo conduz à servidão humana.
Nesta segunda parte, reina a violência mais atroz. Coetzee oferece-nos aqui o testemunho de um país pós-apartheid, onde o desregramento social reforça toda uma concepção pessimista da condição humana, que dera o tom a toda a obra.
Lucy, a filha, representa a capacidade de adaptação como forma de resistência e até fonte de felicidade. Uma acomodação, uma certa apatia, garante a Lucy uma réstia de esperança que resiste a toda a desgraça.
Em suma, estamos perante um livro brilhante pela forma como consegue levar o leitor à reflexão sobre assuntos tão sérios como a natureza das paixões e o “encaixe” social dessas mesmas paixões, num mundo de hipocrisias, ódios e violência. Um livro genial, muito próximo, a meu ver, da categoria de “obra-prima”.
Avaliação Pessoal: 9.5/10
Este livro foi recentemente adaptado ao cinema, com o sensacional John Malkovich no papel de David Laurie:
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Lendo Coetzee
Depois de ler "Verão" fiquei com um certo "amargo de boca" em relação a Coetzee. Pensei: " o senhor até escreve bem, até nos deixa a pensar mas, caramba, é mesmo sorumbático". Na realidade, aquele livro tem mesmo um tom pesadão, melancólico, a contrastar com o título. Julguei que não ia voltar a Coetzee tão cedo.
No entanto, pouco tempo depois deparei com isto e com isto. E pensei: bem, lá vou eu ter de dar mais uma oportunidade ao "rapaz".
E a verdade é que estou a gostar muito deste "Desgraça". Parece que Coetzee gosta de nos confundir com os títulos: Verão é um livro tristonho mas Desgraça, se bem que trate de um assunto bem sério, lê-se com uma facilidade tremenda.
Dentro de dois dias aqui estará a opinião final.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
O Livro dos Homens sem Luz - João Tordo
Este é o primeiro romance de João Tordo, publicado em 2004 e reeditado recentemente pela D. Quixote. Trata-se de uma obra que surpreende pelo mistério mas também pela originalidade, principalmente ao nível da estrutura do romance.
Histórias cruzadas de pessoas infelizes…
Um homem vive em Londres, sozinho e o seu trabalho é contabilizar acidentes que não acontecem; mais tarde seguirá pessoas pelas ruas, sem saber porquê…
Joseph é padeiro em Londres durante a segunda guerra mundial; juntamente com Helena, é soterrado num abrigo durante um bombardeamento…
Joseph é padeiro em Londres durante a segunda guerra mundial; juntamente com Helena, é soterrado num abrigo durante um bombardeamento…
Um rapaz trabalha numa biblioteca e sofre de insónias; a sua vida é a tortura da solidão…
Estas e outras personagens, todas enigmáticas e errantes cruzam-se em episódios aparentemente dispersos, num tom de cinzento carregado.
Na contracapa desta edição pode ler-se: “Com ecos de Kafka e Auster…”. Na verdade são nítidos os elementos kafkianos: a “metamorfose” de Joseph no último capítulo; a monotonia, a rotina, como alienação; o absurdo da vida. E de Auster é notório o desespero das personagens na procura da sua própria identidade e a luta sempre inconsequente contra a solidão como se esta fosse um desígnio incontornável da existência humana.
Mas este livro é muito mais do que um repositório de influências, sejam elas de Poe (de quem também julgo descortinar alguns traços), de Auster ou de Kafka. É um livro brilhante pela construção e pela estrutura do enredo: as “pontas soltas”, largadas ao longo do livro, são depois unidas num trabalho conjunto do autor e do leitor, num esforço permanente mas que envolve um aspecto lúdico para o leitor atento. Tudo se passa como se o enredo fosse um enorme puzzle, cujas peças o leitor vai colocando no lugar, tanto no que se refere às personagens como nos múltiplos tempos narrativos. As personagens vão encontrando pontos de contacto entre si, o que surpreende constantemente o leitor, numa espécie de jogo que nos envolve até à última página.
Sem dúvida um livro belíssimo e surpreendente.
Avaliação Pessoal: 8,5/10
terça-feira, 5 de abril de 2011
Lendo João Tordo...
O Livro dos Homens sem Luz...
Excelente! É o primeiro livro de JT e, por isso, quando iniciei a leitura temi que se tratasse de uma obra de principiante, um daqueles romances tristonhos e simplistas, tipo o fado do desgraçado :) Ilusão minha! É uma obra magnífica. Mais parece um enorme puzzle, cheio de mistério, um verdadeiro desafio à inteligência do leitor.
Opinião completa amanhã :)
(Aproveito para informar os meus dois ou três leitores [:)] que sempre que possível colocarei aqui um post "intermédio", a meio de cada leitura).
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Santuário - William Faulkner
Num crescente tom de absurdo, fazendo lembrar o surrealismo literário que, nessa altura despontava em França com Breton, este livro, publicado em 1930, é o primeiro grande marco na carreira literária deste monstro sagrado das letras chamado William Faulkner. Aliás, é nítido neste livro algum esforço do autor para obter sucesso. Ao contrário do que se passa por exemplo na sua obra-prima (O Som e a Fúria) neste livro há uma certa linearidade no enredo. Mesmo assim, quem lesse este livro naquela altura certamente sentiria que estava ali um génio em potência.
Santuário aborda a decadência dos estados sulistas, a solidão e a procura da identidade por parte de personagens sui-generis, como sombras que vagueiam pelo mundo sem um sentido definido, numa procura de algo que nem eles próprios identificam. Nunca sabem para onde se dirigem, o que procuram, qual o sentido dos seus rumos… Temple é o melhor exemplo deste desnorte: estudante de dezoito anos ou pouco mais, filha de um juiz abastado, abandona a faculdade e perde-se num mundo de homens desnorteados e degradados. Degradados como a casa em ruínas onde decorre a maior parte do enredo, onde vai parar Temple: a deusa no santuário das almas perdidas.
Por todo o lado, a violência entranhada na vida das pessoas;
Uma casa em ruínas – 3 homens em ruínas… 3 mortes se seguirão até ao fim do enredo…
um negro na prisão – a monotonia da normalidade
um negro condenado à morte – banal…
uma criança numa caixa de cartão – silenciosa – inútil…
uma cidade sem luz, sem alegria. Cinzenta…
mulheres, essas, sempre arruinadas, sempre perdidas no surreal da vida…
E Popeye, o fantasma, imperador da desgraça, monstruoso e protector; Popeye personifica o poder que há na violência, na força bruta. Pelo contrário, Horace, vítima do amor, é o justiceiro, infeliz, impotente…
Em suma, trata-se de uma obra complexa, profunda, sem o fôlego de outras que se lhe seguiriam mas brilhante pela forma como são descritos a solidão, a tristeza e o desespero humano.
Avaliação pessoal: 8.5/10
sábado, 2 de abril de 2011
D. Dinis - Cristina Torrão
Se antes tinha poucas dúvidas, agora não me resta nenhuma: D. Dinis foi um dos homens mais brilhantes da História de Portugal. Antes de mais nada dizer sobre este livro, fiquemos com esta certeza: Cristina Torrão confirma-nos esta verdade com uma obra literária magnífica!
Com grande cuidado na fidelidade à verdade histórica, a autora presenteia-nos com um romance histórico de rara qualidade.
No início do livro, grande parte das atitudes que viriam a nortear o comportamento do rei são ilustradas e até explicadas por alguns aspectos da sua infância. O contacto com a corte castelhana, nomeadamente com o rei Afonso X de Castela, o Sábio, despertaram em Dinis o gosto pelo conhecimento, pelas letras e pela ciência. Estávamos numa época de charneira no plano cultural: o advento da arte gótica na Península, a escola de tradutores de Toledo que divulgava a cultura clássica, a promoção das línguas nacionais, a afirmação das Universidades, etc, construíram um ambiente cultural que, num contexto de laicização crescente da cultura, anunciavam uma espécie de pré-renascimento. É nesse contexto que se há-de enquadrar o reinado de Dinis: o rei que instituiu o português como a língua a usar nos documentos oficiais, fundou a primeira universidade portuguesa e foi, ele próprio um vulto enorme da literatura portuguesa. Ele foi um dos maiores poetas da nossa língua e daí nasceu um dos seus epítetos, o de rei trovador.
Dotado de um enorme sentido de justiça, Dinis foi também um rei precursor dos grandes caminhos da história de Portugal que prepararam os Descobrimentos. Sem o crescimento e as modificações sociais e mentais do seu reinado, bem como de seu pai Afonso III, dificilmente teria sido possível iniciar, algumas décadas depois, a gesta dos descobrimentos.
A sua política foi, de facto, brilhante por ter sido “revolucionária” em três planos: político, económico e social.
Com grande clarividência política, o Rei entendeu que só modificações na estrutura social do país podiam modernizar o Estado português, tornando-o mais justo e rico. Assim, procurou centralizar o poder retirando privilégios ao clero e nobreza, através de inquirições e confirmações, leis da desamortização, fim das tenências, lei das apelações, diminuição das doações, etc. Assim, reforçaria o poder real, caminhando para o futuro estado absolutista e, ao mesmo tempo, promoveria a actividade comercial, favorecendo a burguesia e dessa forma aumentaria a cobrança de impostos.
Esta modernidade antecipada daria a Portugal um grande desafogo económico mas também geraria intensos confrontos com a fidalguia, com o clero e o próprio papa. No entanto, Dinis conseguiu sempre gerir este equilíbrio precário com grande sagacidade e coragem. Mas a parte final do seu reinado acabou por ser problemática: não conseguindo nunca conciliar o seu autoritarismo com o espírito benevolente da rainha, confrontado com as ambições dos vários filhos bastardos e o descontentamento do próprio filho herdeiro, futuro Afonso IV, Dinis teria grandes desafios a enfrentar na parte final do seu reinado, que Cristina Torrão narra com grande envolvência dramática, conferindo a este livro uma riqueza literária impressionante.
O encanto da Rainha Santa, a coragem de Dinis e a tremenda teia de interesses que se gerava nos reinos ibéricos são aspectos que Cristina Torrão desenvolve com mestria, tornando este livro indispensável a quem aprecia a literatura de qualidade. Uma surpresa muito agradável mas também um verdadeiro manual de história em forma de romance.
O contraste com o carácter rígido mas também mundano de Dinis dá à descrição da Raínha Santa um encanto especialíssmo. Chega a ser comovedora a forma como Cristina Torrão nos apresenta esta grande Raínha.
O contraste com o carácter rígido mas também mundano de Dinis dá à descrição da Raínha Santa um encanto especialíssmo. Chega a ser comovedora a forma como Cristina Torrão nos apresenta esta grande Raínha.
Avaliação Pessoal - 9/10
sexta-feira, 1 de abril de 2011
A melhor leitura do mês
Não me interessa aqui avaliar a qualidade das obras que vou lendo e a sua relevância na literatura mundial. Não sou ninguém para empreender tal tarefa.
Pretendo apenas deixar aqui o registo, para minha memória futura, das obras que me derem mais gozo ler.
E, neste mês, mau grado a excelência de, por exemplo, Nação Crioula de Agualusa, A Senhora de Avalon de Zimmer Bradley e O Jogo do Anjo de Zafón, o livro que mais me agradou foi sem dúvida O Heróico Major Fangueira Fagundes, de Luís Novais. Pela diversão mas também pela forma como nos faz pensar sobre os destinos desta Ocidental Praia e desta civilização ocidental a entrar por caminhos obtusos e manhosos.
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