Comentário:
Às vezes aparecem surpresas assim; se há um mérito maior neste livro é o de ser completamente diferente de tudo quanto se publicou até hoje. Colocar frente a frente D. Afonso Henriques e Fidel Castro não é tarefa fácil. Mas com a ajuda de uma (i)lógica surrealista e com muita imaginação, João Cerqueira lá levou a água ao seu moinho, com criatividade e com muito humor. Criatividade, humor e sátira são as palavras-chave desta obra.
E inteligência, já agora, porque escrever um livro assim implicou certamente muito trabalho das células cinzentas. A sátira é o principal objectivo da escrita deste livro. Obviamente, ele tem de ser lido com total desprendimento, sem preconceitos nem partidarismos ou qualquer outra forma de apriorismos; a maneira como a sátira incide sobre tão diversos quadrantes como comunismo, capitalismo, cristianismo e todos os “ismos” que se possam imaginar, faz com que todo e qualquer pré-conceito seja obstáculo a uma boa aceitação do livro.
Em termos de estilo, não restam dúvidas que há aqui uma base surrealista; várias passagens do livro fizeram-me lembrar o nosso fantástico Mário de Carvalho, principalmente naquelas obras em que toca assuntos relacionados com a História de Portugal. Parece-me nítida esta influência, direta ou indireta, assim como a desse grande mestre do surrealismo literário que foi Boris Vian.
Numa época em que está tão na moda a literatura de fantasia não se pense que este livro é mais um exemplar da literatura fantástica; o que aqui está é realidade; é um comunismo tornado utópico, um capitalismo selvagem e opressor, uma história e uma mentalidade portuguesas atuais e passadas, numa mescla por vezes difícil de compreender mas que constitui, sem dúvida, um testemunho bem criativo daquilo que é, simplesmente, Portugal. E o invólucro desta sátira não é a fantasia; é o surreal. Não é a fuga à realidade; é um mergulho na própria realidade, embora recorrendo a uma linguagem que a ultrapassa.
Poder-se-á perguntar porque é que este livro não teve um sucesso maior; a razão fundamental terá sido a falta de divulgação, tratando-se de um escritor ainda pouco divulgado; no entanto, há outro aspeto a ter em conta: o grande público procura algo que este livro não oferece: uma narrativa com suspense, uma estória envolvente e aquela incerteza sobre o desfecho típica do género romance. Esta não foi, de facto, uma preocupação do autor; mas um enredo um pouco mais elaborado poderia ter proporcionado ao livro um sucesso comercial que sem dúvida merecia.
Sinopse
Há quase 50 anos, Fidel Castro espantou o mundo com a sua revolução. Mas será que El Comandante perdeu o rumo? Ter-se- á transformado no pior inimigo do seu povo?
A Tragédia de Fidel Castro é um livro simultaneamente divertido e exigente, conduzindo-nos à mente de um dos mais enigmáticos e polémicos líderes do mundo actual. A sátira e o humor inteligente — ora discreto ora descarado — prendem-nos e despertam a reflexão. A narrativa foge a quaisquer regras, propondo-se revelar a intricada mente de Fidel como nenhum outro livro o fez.
Qualquer um ficará surpreendido com os personagens que irá encontrar: Cristo, Afonso Henriques, o Grande Inquisidor, Fátima, Deus e o Diabo... , figuras simbólicas desta tragédia fantástica onde apenas Fidel Castro é real.
Entre as sátiras de Gil Vicente, Ramalho Ortigão e Fialho d’Almeida e a fantasia de Ruben A. Leitão, A Tragédia de Fidel Castro abre uma página nova na literatura portuguesa, na qual se descobre o nosso próprio país.
Aviso: não aconselhável a leitores com susceptibilidade política ou religiosa.
Vencedor do Beverly Hills Book Awards 2014 (Multicultural Fiction)
in www.wook.pt