É um livro muito interessante; estamos perante uma daquelas
obras que classificamos como muito boas mas que não ficam muito longe da linha
que demarca a genialidade.
Tudo parte de uma aliança bem conseguida entre a realidade e
a ficção; por outras palavras, entre a História e a Fantasia.
Estamos na terra de Camus: a Argélia colonial, ocupada pela
França até 1962. O enredo acompanha o tempo de vida de um argelino de origem
árabe nascido em 1927 e, portanto, ator e personagem dos dois grandes conflitos
que marcaram esse martirizado país do Norte de África: a segunda guerra
mundial, com a ocupação nazi e a guerra da independência. Younes (Jonas para
os colonialistas e não-árabes em geral) é um jovem nascido na miséria que,
depois de ser educado por um tio, consegue entrar no círculo social da elite
colonial. Younes coloca-se assim entre dois mundos em conflito permanente e
tudo se encaminha para o grande drama: o momento em que ele terá de tomar
partido. Por um lado a voz do sangue: da comunidade árabe injustiçada e quase
escravizada; por outro lado, a voz do progresso e da riqueza. Pelo meio, os
amores de Younes, sempre marcados pela guerra, tanto a guerra politica como as
diversas guerras sociais e étnicas que trespassavam aquele país.
A escrita de Khadra é, acima de tudo, de uma sensibilidade
extraordinária. Ele escreve com uma delicadeza que nos comove com facilidade. É
quase com ternura que o autor nos fala da voz da terra e do sangue que Younes
ouve constantemente; e a voz da honra: Isra, o pai de Younes prefere a miséria
à desonra de aceitar ajuda do irmão rico. Esta impossibilidade de saír da
miséria sem perda da honra dá a todo o enredo um tom cinzento, sombrio, triste…
belo mas triste.
Para estes árabes da Argélia, o mais difícil era arranjar
uma razão para sobreviver… no entanto, no meio da miséria, há sempre algo a que
um homem se agarra para ser feliz. Nem que seja uma canção ou um poema…
Por vezes, a escrita de Khadra assume tons verdadeiramente
poéticos, tanto na forma como nas mensagens que transmite. Para além disso é um
intenso grito contra a prepotência política que justificou o colonialismo;
contra esta escravatura moderna que justifica a dominação com uma pretensa e
ridícula superioridade civilizacional.
Um aspeto interessante é a forma como o autor demonstra a
crescente atração do personagem principal pela violência, ele que era um
profundo pacifista. De facto, perante determinados níveis de injustiça, a
violência começa a encontrar justificações…
Em conclusão, penso tratar-se de um livro que merecia maior
divulgação, de um autor que surpreende pela criatividade literária, com marcada
influência de Albert Camus: em muitos aspetos , este Younes faz lembrar
Mersault, de O Estrangeiro, principalmente pela sua personalidade algo difusa e
incontornavelmente desenquadrado do meio em que vive…