Sinopse:
Ficções reúne os contos publicados por Borges em
1941 sob o título de O jardim de veredas que se bifurcam (com
exceção de "A aproximação a Almotásim", incorporado a outra obra) e
outras dez narrativas com o subtítulo de Artifícios. Nesses textos,
o leitor se defronta com um narrador inquisitivo que expõe, com elegância e
economia de meios, de forma paradoxal e lapidar, suas conjeturas e
perplexidades sobre o universo, retomando motivos recorrentes em seus poemas e
ensaios desde o início de sua carreira: o tempo, a eternidade, o infinito. Os
enredos são como múltiplos labirintos e se desdobram num jogo infindável de
espelhos, especulações e hipóteses, às vezes com a perícia de intrigas
policiais e o gosto da aventura, para quase sempre desembocar na perplexidade
metafísica. Chamam a atenção a frase enxuta, o poder de síntese e o rigor da
construção, que tem algo da poesia e outro tanto da prosa filosófica, sem nunca
perder o humor desconcertante.
Comentário:
A narrativa fantástica de Borges é, além de pioneira, única
e peculiar.
Este livro de contos tornou-se um marco na literatura do
século XX pela sua perfeição de estilo,
pela abrangência filosófica e por uma estética interna feita de rigor e
delicadeza formal.
A capa exibida acima, de uma edição brasileira, é uma síntese
magnífica dessa delicadeza formal, construída sobre uma espécie de geometria,
como se todos os contos fossem traçados a régua e esquadro.
Borges não escreve “ao correr da pena”; a sua escrita parece
ter saído de um laboratório, em que cada
palavra foi medida e pesada. Não há adjetivos como adorno de linguagem, nem
frases construídas em função da estética. Há, isso sim, um rigor quase
matemático que torna a leitora difícil para um leitor que apenas procure
diversão.
Na realidade, estas ficções não foram construídas para divertir,
mas sim para exprimir sensações, sentimentos e pensamentos em torno do mundo,
do ser, da morte, da imortalidade, do tempo e da sua relatividade.
Alguns contos, com estrutura que os aproximam da literatura
policial podem considerar-se mas “leves”, em termos narrativos. Mas por detrás
de todos eles há uma visão pensada, refletida, do sentido da vida humana e do
tempo.
Por vezes, o fantástico que percorre todo o livro faz
lembrar o surrealismo, pela forma absurda com que o real é exposto; assim é,
por exemplo, no primeiro conto. Aí deparamos com uma verdade universal escondida
pro detrás das palavras e da estória: toda
e qualquer leitura do real será sempre absurda; porque todo o real é absurdo.
Esta ideia parece-me ser transportada para outros contos, fazendo desta
narrativa inicial uma espécie de mote para todo o livro.
Confunde-se no livro, como na vida, o real com o ilusório; o
fantástico com o objetivo. Mas também o passado com o presente e o interior de
um homem com o que lhe é exterior. O homem de Babilónia, no conto “A Lotaria de Babilónia” afirma que
conheceu “o que os gregos ignoram: a
incerteza”. “A lotaria é parte principal da realidade”. Assim é o pensamento de Borges: muito mais
do que realista – surreal, fantástico, metafisico, transcendente.
Numa nota pessoal posso dizer que me senti mais pequeno
perante este livro de Borges: o mundo e a vida são demasiado complexos para
julgarmos que os conhecemos. E tudo aquilo a que chamamos fantástico, ou
irreal, ou até errado pode ser tão verdadeiro como a morte.