Comentário:
“Não esteja a pensar as suas patetices racionais” – personagem Isabel Lima, dirigindo-se à autora.
Este é um livro diferente. No site da editora vem catalogado como “romance”. Mas não é um romance nem nunca pretendeu sê-lo. É, em parte, uma crónica de viagem. Escrito por uma jornalista e crítica literária italiana em viagem pelos Açores, este livro tem como maior mérito o facto de nos oferecer um retrato dos Açores cheio de humanismo e de beleza. O caráter das pessoas ocupa neste livro muito mais espaço do que as magníficas paisagens da ilha do Pico. Na verdade, este é mais um retrato do povo açoriano do que do arquipélago em si. E que belo retrato! A autora revela-se uma turista diferente, mais interessada nas pessoas e exibindo uma sensibilidade enorme e uma inteligência notável para analisar, compreender e descrever os grandes traços distintivos deste povo, marcado, é certo, pela geografia.
Como não podia deixar de ser, esta análise psicológica do povo açoriano é desde logo condicionada pelas diferenças entre os emigrantes e os residentes na ilha. É nítida e declarada a preferência e simpatia da autora por estes últimos. A emigração não é vista aqui como uma aventura corajosa ou como necessidade absoluta mas sim como uma espécie de cedência à ilusão americana, quase como uma traição à terra. O emigrante é visto como um ser americanizado, na pior aceção do termo: gordo, ignorante e vaidoso. O residente, pelo contrário é elogiado e admirado pela simplicidade, pela maneira de ser honesta, trabalhadora, honrada e sacrificada às exigências da terra e do mar. Os próprio emigrantes acabam sempre por regressar à terra, mau grado a pobreza. Na verdade, o regresso à terra, à procura da identidade perdida não é um mito.
Ao longo da obra é nítida a preocupação da autora em compreender e descrever os usos e costumes, a mentalidade, o pensamento, deste povo, numa manifestação de respeito e admiração que levam a autora a dizer claramente que mais facilmente se imagina a viver nos Açores do que emigrar para a terra da prosperidade, os EUA.
Globalmente trata-se de um livro muito bem escrito, numa tradução que me parece bastante bem conseguida. A sensibilidade da autora destaca-se claramente e exprime-se num estilo descritivo mas agradável.
Sinopse
A Senhora dos Açores traz-nos a história de uma terra longínqua, onde um mundo de mitos e de fantasmas, de pobreza e solidão, servem de pano de fundo à grande migração em direcção ao continente e à civilização industrializada.
Aqui, nesta ilha rodeada de oceano, apenas resta a certeza dos sentimentos antigos, a substância das recordações, o silêncio e a companhia da natureza. A protagonista entra em contacto com esta comunidade imprevisível, através do encontro com as suas gentes, as histórias e a magia própria do lugar. E, quase sem dar por isso, acaba por se esquecer de si mesma, entrando naquela dimensão intemporal, onde a magia e as mágoas da vida comunicam e se unem. Romana Petri, com este romance, reafirma a singularidade da sua escrita no quadro da narrativa contemporânea italiana, revelando um mundo fantástico e excepcional.
Uma viagem de descoberta de um mundo outro, os Açores vistos pelos olhos de uma estrangeira, um périplo poético, um caminho de aprendizagem... A personagem principal, uma italiana, um guia misterioso - João Freitas - minúsculos pedaços de terra por entre um imenso oceano.