terça-feira, 26 de julho de 2016

Moby Dick - Herman Melville


Comentário:
Moby Dick é um clássico da literatura mundial. Escrito e publicado em meados desse grande século que foi, para a literatura, o XIX, não obteve desde logo grande sucesso e a sua genialidade só viria a ser reconhecida no século XX.
Não é, reconheçamos, um livro capaz de agradar a todos os leitores; quem aprecia narrativas cheias de ação e de incerteza (vulgo suspense) não será certamente o livro ideal. Pelo contrário o livro deixará maravilhado aquele leitor que gosta de aprender algo e que aprecia uma leitura com um toque filosófico. Penso ser o meu caso e por isso “devorei” o livro; foram 830 páginas que sorvi com interesse e deleite.  
Moby Dick não é uma baleia branca; é um cachalote branco com o tamanho magnífico de 90 pés (mais de 27 metros) e o livro, a propósito da caça movida a esse animal, leva ao autor a “ensinar-nos” tudo quanto no seu tempo se sabia sobre baleias e cachalotes. Assim, o livro é antes de mais extremamente pedagógico sobre estes animais mas também sobre a vida marinha, sobre a navegação à vela, sobre os hábitos e sobre a vida dos caçadores. Tudo isto é contado no discurso direto do personagem Ismael, um marinheiro de segunda ao serviço dessa personagem magnífica que é o capitão Ahab.
Para lá desse lado pedagógico há, evidentemente, a narrativa da viagem. E aí perpassa um profundo humanismo como ideia básica da filosofia de Melville – da tripulação fazem parte brancos, asiáticos, índios e negros, o que é curioso tratando-se de um conjunto de apenas vinte e poucos homens; e a relação entre estes diferentes personagens é perfeita na solidariedade, na amizade mesmo.

Mas a ideia fundamental do livro é esta: quão pequenos somos nós, humanos, perante a natureza; é a mesma ideia que o Antigo Testamento nos apresenta quando nos descreve o episódio de Jonas no ventre da baleia -  a pequenez, a humildade que o ser humano deve ter sempre perante o natural e o sobrenatural. Aqui, Ahab, o capitão que persegue Moby Dick, não cai nos extremos de odiar nem de venerar o enorme animal; o seu sentimento é de respeito. E esse respeito leva a que a luta entre homem e animal tenha de ser igual. No final dá-se o confronto do qual, evidentemente não vou revelar o resultado; posso apenas dizer que é um final magnífico.

SINOPSE
Mas Ahab, quando se dirige à tripulação apelando para que o ajudem na sua demanda vingativa de caçar e matar a invencível Moby Dick, a branca baleia-leviatã, consegue reunir todos à sua volta, incluindo Starbuck, o relutante primeiro-oficial. Independentemente do grau da sua culpa (a escolha da tripulação era livre, ainda que apenas a recusa geral pudesse detê-lo), é melhor pensar no capitao do Pequod como num protagonista trágico, muito próximo de Macbeth e do Satanás de Milton. Na sua obsessão visionária, Ahab tem em si algo de quixotesco, apesar da sua dureza não ter nada em comum com o espírito de jogo do Quixote.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

A Guerra do Fim do Mundo - Mario Vargas Llosa


Comentário:
Impressionante. Nunca pensei que viria a gostar tanto deste livro. São 620 páginas de pura narração; aqui não há reflexões, filosofias, nem descrições alongadas; tudo é narrativa, ação. Evidentemente que a escrita de Llosa tem a sua simbologia, as suas metáforas, as suas mensagens implícitas. Mas basta que o leitor se deixe encaminhar pelas pistas envoltas na narrativa para que compreenda essas mensagens, sem ser preciso que o autor o mace com grandes explanações teóricas.
Então que mensagens são essas, que ideias implícitas estão por detrás dessa narrativa? Antes de mais convém dizer que a estória se baseia numa história verídica, que é uma das páginas mais interessantes da história do Brasil (sim, embora o autor seja peruano, a ação decorre no Brasil). Trata-se da revolta de Canudos, ocorrida na Baía em finais do século XIX. Logo à partida, uma ideia fundamental para nos dar que pensar: de como um idealista ingénuo, ignorante, inculto consegue mover uma multidão e colocar em pé de guerra com as autoridades políticas e militares todo um povo, até aí humilde e calado? Obviamente, António Conselheiro não era um político nem um revolucionário; era a penas um lunático ou então um idealista radical; o seu sonho era criar uma comunidade justa, igualitária, onde a lei de Deus proporcionasse ao povo aquilo que ele mais ansiava e de que mais carecia: de justiça social. Está aqui, a meu ver, uma profunda lição para os tempos que correm; mais uma vez, é o passado, a História, a ajudar a compreender o presente: o radicalismo encontra raízes férteis na desigualdade. No entanto, continuamos cegos a esta lição e o mundo continua a explorar a desigualdade, para promoção de elites cada vez mais poderosas. António Conselheiro não promoveu a revolta política como não foi a religião islâmica que criou o terrorismo atual.
Obviamente, o movimento, inicialmente pacífico de António Conselheiro não era inócuo em termos políticos; e aí é que a questão se complica, quando se fazem sentir os efeitos políticos. Conselheiro e seus apaniguados viam com maus olhos o sistema republicano recentemente implantado no Brasil; eles entendiam que só a monarquia podia sustentar uma sociedade regida pelas leis da moral católica. Portanto, ele terá a oposição do poder político. Por outro lado, este movimento não podia pactuar com os grandes fazendeiros da região da Baía, onde estava implantado, pois esses terratenentes exploravam o povo, que vivia miseravelmente; portanto, eles teriam assim a oposição das elites sociais.
O conflito iria ser inevitável. A partir daí, o que mais choca neste livro é a forma como decorre esse conflito armado: milhares e milhares de soldados armados até aos dentes são enviados para Canudos a fim de esmagar a revolta. No entanto, as primeiras expedições são esmagadas pelas forças de Conselheiro – simples jagunços que outrora aterrorizavam o sertão e que agora chefiam um exército de pé descalço mas que conta com uma força tremenda que o faz vencer as armas – a força da fé; a força de um sonho. Como diz o próprio Llosa num outro Livro (Cadernos de Dom Rigoberto), “O homem, um deus quando sonha e apenas um mendigo quando pensa”.
Mas, como diz António Mega Ferreira no prefácio a esta edição dos livros RTP, o que está aqui em confronto são duas visões do mundo: uma inocente, ingénua, baseada no sonho e outra calculista, poderosa, ambiciosa e implacável no uso da força. Inevitavelmente, venceria a segunda. Mas a lição histórica ficou embora a maioria dos seres humanos continue a não a entender…

Sinopse:
Guerra de Canudos é ainda hoje um acontecimento ímpar na história do Brasil, e Mario Vargas Llosa apresenta neste romance um brutal e poderoso retrato deste momento tão singular.
Canudos, uma remota localidade do Nordeste brasileiro, foi, nos finais do século XIX, palco de um movimento de tipo messiânico que desembocou numa violenta guerra civil, na qual morreram milhares de brasileiros.
Em A Guerra do Fim do Mundo, Mario Vargas Llosa dá vida a uma soberba galeria de personagens de ambos os lados da contenda, que, passo a passo, chegará a atingir proporções delirantes.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Baú de Mimos - José Fernandes da Silva

Comentário:

Cá está mais uma obra em prosa do poeta bracarense José Fernandes da Silva e, como sempre, com uma bela capa, da autoria de Maciel Cardeira. E o interior também não desilude. Pelo contrário. Anotemos em primeiro lugar os méritos extensivos a todos os livros do autor: escrita clara, fluida, simples (no melhor sentido do termo – desprovida de artificialismos). E a musicalidade, como já referimos em comentários anteriores: José Fernandes escreve como quem compõe; as palavras soam a melodias, a poemas cantados. Como sempre, está presente o habitual toque de humor singelo e discreto, o recurso ao linguajar popular mas sem cair no “vernáculo”.
Agora a novidade: desta vez é-nos oferecido um conjunto de minicontos (Continhos, na singela expressão do autor que fornece subtítulo à obra) sob um denominador comum: a condição de ser avô e as relações entre estes e os netos. Assim sendo não poderíamos deixar de ter um livro cheio de ternura. Ou melhor, para ser mais abrangente e fiel ao espirito do autor: mais humanismo; um humanismo sincero, genuíno, comovente, como muito bem observa o escritor Fernando Pinheiro na contracapa do livro e que advém da alma grande do escritor. 
Como pano de fundo à generalidade destes pequenos contos está o mundo rural no seu mais puro bucolismo, em cenários de verde e azul a lembrar Dinis ou Aquilino, certamente dois autores que tiveram profunda influência no autor. Conhecendo, como é o nosso caso, a realidade atual das aldeias retratadas, ficamos com uma amarga sensação de paraísos perdidos; estas aldeias estão hoje invadidas e ameaçadas pelas indústrias e pelos casarios urbanos e, pior que tudo, por uma nova mentalidade - a mentalidade do lucro, do egoísmo.
Também sempre presente está a religiosidade da gente simples; não uma religiosidade beata ou interesseira mas genuína e mesmo divertida – a religião como festa da alma e do corpo. Neste quadro respira-se acima de tudo um intenso otimismo – raramente um conto acaba mal; talvez, neste retrato do passado haja também uma mensagem, ainda assim, de crença no futuro.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Vidas Secas - Graciliano Ramos



Comentário:
Foi o primeiro livro que li deste autor brasileiro e devo dizer que fiquei maravilhado. Trata-se de uma história singela, simples mas terrivelmente dramática de uma família sertaneja, uma família sem terra, à procura de um meio de sobrevivência no inclemente sertão brasileiro.
Escrito numa época de ditadura (livro escrito em 1938, ditadura de Getúlio Vargas), toda a obra constitui um grito abafado de revolta, face a todo um contexto que dita uma miséria inenarrável da família. E esse contexto pode sintetizar-se em 3 elementos: o tempo, a autoridade e a sociedade. O tempo, inclemente, ameaça com a seca que mata homens e animais; a autoridade, aqui representada pelo bárbaro soldado amarelo, impõe a lei injusta, a que o personagem principal obedece mas que o explora e o pune injustamente; a sociedade como que empurra a família para a solidão: o dono das terras é injusto e explora a família que se vê forçada a procurar terra noutras paragens; na cidade para onde a família se desloca num dado momento, eles sentem ainda mais a solidão; só encontram um pouco de paz na igreja. De resto, a ameaça da injustiça está por todo o lado. Esta dimensão social, esta necessidade de intervir na realidade social faz-me pensar numa eventual influência dos escritores existencialistas franceses ou então nos nossos neorrealistas que, nessa época, começavam a fazer-se notar em Portugal.
Enfim, estamos perante todo um retrato de injustiça, de revolta surda, de miséria total. A família de Fabiano deixa o leitor emocionado pela miséria em que cai e da qual não consegue sair. A essa miséria junta-se a incrível solidão de cada um dos personagens – Fabiano sonha com uma terra, Sinhá Vitória, a mulher, sonha com um a cama de couro e as crianças não sonham – vivem a miséria como se não houvesse outro mundo.