Quando comprei este livro procurava apenas uma coisa bem leve para este Verão monotonamente tórrido. Uma coisa light, mesmo. Enganei-me. Comprei uma obra que me surpreendeu. Talvez a maior surpresa literária do ano.
Quando levei o livro para casa, ia receoso: “levarei eu aqui mais uma mensagem moralista tipicamente norte-americana do tipo A Cabana”? Nada disso. Correndo o risco de algum exagero, afirmo mesmo que há muito tempo procurava uma obra assim: que encarasse a vida como ela deve ser vivida: leve, sem o peso atrofiante do moralismo. Uma obra que mostrasse que é possível ser feliz sem andar desesperadamente à procura de algo. Que é possível ser feliz sem um guião. Uma obra que reconhecesse que um código moral rígido, pré-fabricado, pode ser uma teia onde se enreda a vida, atrofiando-a.
Este livro é como a vida (tal como ele merece ser vivida): leve e despretensiosa. Sarah Dunn nunca será prémio Nobel porque escreve simples, sem ambições intelectuais profundas, sem reflexões filosóficas, sem considerações políticas, sem análises psicológicas complexas. Os seus personagens são gente simples, com problemas reais como os nossos. Não morrem de amor nem enlouquecem de paixão. Vão ao psiquiatra como quem vai ao supermercado buscar legumes para a sopa. Como o norte-americano comum dos tempos que correm.
Depois há o sentido de humor: um traço contínuo que se mantém ao longo de todo o livro. E personagens fascinantes: Amanda tem um cão de água português, um casamento feliz com Mark e um flirt sem dramas com Jack, alimentado pelo prazer do risco.
Holly, 35 anos, divorciada, escritora fracassada, tem um cão canceroso mas feliz porque não tem consciência do cancro e assim esperará pelo seu momento; pelo seu caminho. Holly escreve guiões para séries menores, do canal Nicklodeon. Após inúmeros “casos” falhados, enamora-se de Jack. Advirá daqui um drama e conflitos profundos? Não, é apenas a vida. São apenas os caminhos normais.
Leonard, gay, toxicodependente, guionista fracassado e ex-milionário, é um infeliz, dramaticamente excluído, condenado à perdição? Não, é um ser humano como nós, à espera do momento. E ele surgirá, apresentando-lhe um caminho.
Catherine namora há um ano com Spencer. Descobre que ela a traía com uma “maluca” e com várias outras. Será o fim da linha? Não. Apenas linhas curvas do destino.
Depois há Betsy, que nos conduz ao ponto mais alto do livro (a meu ver): ela aproxima-se dos 40 anos. Desespera. Só, sempre só, com muitas paixões falhadas e um emprego sem ambições. Conhece Lennie. O Grande Lennie! O homem que lhe mostrou que não há problema nenhum em ser vulgar! Diz ele que o grande problema das pessoas é terem egos demasiado exigentes. Bravo, Lennie. Para Betsy, ele é a paz. Finalmente!
Por vezes seguimos caminhos que nos parecem os mais lógicos, os mais racionais, apenas porque esses são os caminhos que qualquer pessoa racional seguiria. E esquecemos que o nosso caminho não tem de ser o mesmo da maioria. O nosso caminho é sempre o caminho certo.
O moralismo de Holly cai por terra quando vai descobrindo que os caminhos que as pessoas seguem não são minimamente influenciados por essas ideias que por vezes lhes queremos impor. Spencer, numa frase banal, resume tudo: “temos de dar um desconto às pessoas”. Esse é o problema do moralismo – não encarar as pessoas como seres autónomos, capazes de seguirem os seus próprios caminhos.