quinta-feira, 9 de outubro de 2014

No Limiar da Eternidade - Ken Follett


Com mais de mil páginas, este terceiro volume da trilogia O Século vem apenas confirmar a magnífica saga que Follett foi capaz de construir. Continuo convencido que não conseguiu, nesta obra, ultrapassar esse festival de criatividade e de genialidade que conseguiu em Os Pilares da Terra; mas fez mais uma magnífica obra de arte.
No meu comentário ao primeiro volume enunciei um certo paralelismo com o Guerra e Paz de Tolstoi; também aqui há 5 famílias em torno de um século. Mas talvez seja injusto comparar as duas obras; se a genialidade do grande russo parece inultrapassável, também é verdade que o projeto de Follett era ainda mais ambicioso porque pretendia abordar o mundo todo num século inteiro. Obviamente, algo haveria de ficar de fora; a seleção dos factos abordados teria necessariamente de ser subjetiva e cada um de nós terá sempre um dedo a apontar a Follett porque se esqueceu ou desprezou algo. Também eu fiquei um pouco decepcionado por neste terceiro volume a França e a construção da União Europeia terem ficado para trás. E sobre Portugal não há sequer uma palavra.
Já que estamos a falar naquilo que desagradou, deixo apenas uma nota sobre a inevitável parcialidade do escritor. É absolutamente injusto exigir imparcialidade a um escritor de ficção histórica. Follett assume uma clara simpatia pela ideologia social democrata europeia, de centro esquerda, apologista do chamado Estado Social. E acho que fez bem :) Por outro lado é claro o seu patriotismo, ao deixar sempre muito clara a simpatia pelas terras de Sua Majestade. Inevitável...
Mas passemos aos aspetos mais geniais da obra:
Em primeiro lugar, o título. No Limiar da Eternidade parece-me um titulo genial pela ambivalência que encerra: na segunda metade do século XX, o mundo esteve perto da extinção; perto da eternidade. Mas, por outro lado, caminhamos um pouco mais em direção ao Paraíso. O final feliz, com a queda do muro e, depois, a eleição de Obama parece indicar um certo caminho para o felicidade.
Durante a leitura deste livro veio-me várias vezes à memória um tema musical belíssimo, Russians, de Sting:

Mr. Reagan says we will protect you
I don't subscribe to this point of view
Believe me when I say to you
I hope the Russians love their children too

We share the same biology
Regardless of ideology
What might save us, me, and you
Is if the Russians love their children too

O livro não deixa de trazer uma mensagem de esperança, entre tantas guerras e desgraças. Nunca o autor caiu no erro de confundir os povos com o egoísmo e a cegueira dos seus lideres; os russos, como os alemães de leste, húngaros, etc., foram vítimas, assim como os negros na América, por exemplo, porque a injustiça nunca foi exclusiva dos países de leste.
É genial o paralelismo entre os assistentes de Kennedy e de Krutchev: não há bons nem maus; há apenas duas máquinas paralelas, preparadas para manter o equilíbrio precário de que o mundo depende.
De um lado e do outro, mantêm-se lutas ferozes pelo poder. E nesta luta desenfreada, a falta de ética, o recurso a maquinações obscuras, também não são exclusivas dos países comunistas. Por todo o lado pulula o arrivismo, a ambição desmedida e uma preocupação apenas: o sucesso pessoal, obtido a todo o custo.
Grande parte do enredo deste livro é dedicado à luta pela igualdade de direitos no que respeita ao racismo americano, à luta heróica de Martin Luther King, num processo que não termina com a morte desse grande ícone mas com a vitória triunfal de Obama, com que finaliza o livro.
Em termos de estilo, este livro é magnífico pela forma límpida e ultra objetiva com que Follett escreve; as estórias fabulosas de personagens magnificamente construídos, como Walli e Dave, o meu personagem preferido, mostram a razão pela qual este escritor bate todos os recordes de vendas: ele dá ao público aquilo que o público mais procura: estórias fantásticas mas credíveis; acontecimentos mirabolantes mas reais - que aconteceram ou que podiam ter acontecido. E uma tremenda sensibilidade para abordar os sentimentos humanos e o sofrimento dos injustiçados. Follett tem a o saber de um mestre e a sensibilidade de um artista. Um grande humanista e um enorme artista.
Lê-se Follett como quem lê História, mas com a vantagem de ler com um enorme prazer.
Finalmente, um dos aspetos mais belos do livro: a forma como a arte, neste caso a música, é apresentada como símbolo da paz, da felicidade e da harmonia entre os povos.
Em conclusão: esta trilogia é um dos momentos mais altos da história da literatura contemporânea. 
E que ninguém se assuste com estas quase 3000 páginas; estes 3 livros lêem-se com um enorme prazer!