quarta-feira, 30 de março de 2011

Ângelo de Sousa

Faleceu hoje um dos mais interessantes e talentosos artistas plásticos portugueses: Ângelo de Sousa.
A vida é assim: muitas vezes só se dá a conhecer após a morte. Este génio das artes portuguesas não aparecia nas revistas VIP; não frequentava os círculos mais “in”. Era um homem simples, um homem do norte, trabalhador incansável mas com uma criatividade imensa.
Os seus quadros (mono ou policromáticos) fazem-nos mergulhar no reino fantástico das cores e dos sonhos, algures entre a imensidão de Pollock e o encantamento de Kandinsky; os seus desenhos são percursos mentais que desafiam os sentidos: sinuosidades estreitas ou formas amplas rumo ao desconhecido que há em nós.
Morreu um génio. Nasceu uma estrela.
Imagens retiradas daqui e dali.


terça-feira, 29 de março de 2011

A Velhice do Padre Eterno - Guerra Junqueiro

A Velhice do Padre Eterno é, acima de tudo, um forte libelo contra a Igreja. A sátira ao clero foi sem dúvida a intenção principal de Junqueiro. Este político e intelectual dos finais do século XIX reflecte uma corrente de pensamento em que se enquadram grandes nomes das letras portuguesas desse século, nomeadamente Eça de Queirós, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, etc. Estas ideias encontraram terreno fértil nas ideias socialistas e republicanas nascentes e, associadas à simplicidade da escrita e à sua grande capacidade de comunicação, fizeram de Guerra Junqueiro um verdadeiro ícone do anticlericalismo português.
No entanto, é importante que se afirme desde já que o autor não põe em causa Deus nem a fé:
Tenho uma crença firme, uma crença robusta,
Num Deus que há-de guardar por sua própria mão
Numa jaula de ferro a alma de Locusta
Num relicário d’ouro a alma de Platão.
Por sua vez, a religiosidade popular é vista como uma ilusão ingénua, revelando uma certa simpatia pela simplicidade do povo. Os alvos da crítica são, isso sim, os charlatães da Igreja:
Eu não vos vou magoar, ó almas cor de rosa
Que inda achais neste vinho o esquecimento e a paz!
Não insulto quem bebe a droga venenosa;
Acuso simplesmente o charlatão que a faz.
A sátira ao clero provoca por vezes situações hilariantes, como a crítica à obra de Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero. Aliás, a crítica aos escritores românticos era uma das “modas” das letras portuguesas de finais do século.
A mordacidade da crítica não impede, por vezes, observações subtis:
(dirigindo-se a Cristo):
Não te bastou a Cruz,
Era preciso o altar!
Como se o altar fosse o grande sofrimento de Cristo, assim desvirtuado pelo clero.
Em paralelo com esta perspectiva crítica, não podia faltar a crítica social, de forma bastante cáustica:
A crassa burguesia, essa récua fradesca,
Opípara, animal, silénica, grotesca,
Namora a Deusa-carne e adora o Deus-milhão;
E as almas, fermentando assim nesta impureza,
Resvalam, sensuais, do leito para a mesa,
Da mesa para o chão.
Mas o maior alvo é sempre o clero, também ao nível dos costumes: as sestas, os faustosos repastos, o apego ao dinheiro, o aproveitamento da ignorância popular, etc.
Para finalizar, não posso deixar de referir as magníficas ilustrações de um dos maiores cartonistas daquela época: Leal da Câmara. É deste livro a imagem que publico, relativa ao poema “Fantasmas” em que se critica o papel do Papa.
Imagem retirada daqui.
Avaliação pessoal: 8/10

sexta-feira, 25 de março de 2011

Santa Nostalgia

O comentário que aqui fiz ao livro do Luís Novais e a notícia do lançamento do livro “Conta-me com o foi” levaram-me a pensar na força que o saudosismo tem na mentalidade lusa. Nós, portugueses, somos por natureza saudosistas. Isto não é um cliché; é uma verdade confirmada por vários estudiosos e escritores de renome, desde Oliveira Martins até Eduardo Lourenço, passando por Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, António Sérgio, etc.
O sucesso da série televisiva Conta-me Como Foi é um testemunho disso mesmo, assim como, por exemplo, o sucesso das centenas de vídeos alojados no YOUTUBE, com anúncios publicitários e programas de televisão e mesmo um blogue fantástico com um nome bem sugestivo: Santa Nostalgia (http://santa-nostalgia.blogspot.com/).
Este é um dos assuntos da cultura portuguesa que sempre me fascinou. No entanto, julgo importante distinguir três tipos de saudosismo:
- O sebastianismo, que é uma espécie de patologia: um sentimento mais ou menos patológico que nos leva, irracionalmente, a sonhar com um “Salvador” que nos livre da desgraça que, a todo o momento construímos e que se plasma constantemente em soluções politicas mais ou menos absurdas como tem acontecido nos tempos recentes. Em termos muito simplistas, podemos dizer que escolhemos os maiores “trastes” para governar e depois sonhamos com um D. Sebastião, mesmo que em forma de ditador, para nos salvar.
- O saudosismo fadista, que é, a meu ver, outra patologia grave de que sofremos: é o saudosismo chorão, melancólico que nos transporta para o passado, alimentando a apatia e a negação da vida. Mais do que patológico, este tipo de saudosismo é um verdadeiro empecilho à vida.
- A Santa Nostalgia é, na minha opinião, o saudosismo saudável: aquele que nos faz sorrir. Aquele que nos diverte. As memórias, as recordações, só são saudáveis se nos ajudarem a construir o presente ou, pelo menos, se nos divertirem.
É dentro do contexto deste saudosismo saudável que eu gostava de deixar aqui bem clara a minha admiração pela série de televisão e pelo magnífico blogue que sigo diariamente:

quarta-feira, 23 de março de 2011

O Heróico Major Fangueira Fagundes, com todolos seus anexos - Luís Novais

Depois de Quando o Sol se põe em Machu Pichu e de Os Parricidas, Luís Novais parece ter alcançado a maturidade literária com este “O Heróico Major Fangueira Fagundes com todolos seus anexos”; um grande título para um excelente livro.
A primeira coisa que me parece bem conseguida neste livro é a sua estrutura: há um narrador à maneira de cronista, que não dispensa uma belíssima linguagem em português antigo e múltiplos narradores/personagens que surgem como autores de anexos.
Também os nomes dos personagens são escolhidos criteriosamente e com um sentido de humor notável: desde logo Epifânio Fangueira Fagundes: é óbvia a aliteração “Fangueira Fagundes” mas o realce vai para o nome, que aliás é omisso no título da obra: Epifânio. Ele, o nosso herói, é na verdade, pelos actos “heróicos” que realizou, a personificação de uma epifania. Ele nasceu redentor, abençoado pelo Anjo, procurador do Céu “em um auto” vicentino. Por isso ele é Epifânio.
Um dos aspectos que mais impressiona neste livro é o contraste entre páginas de delicioso humor satírico e outras onde imperam o drama e a revolta interior, numa abordagem crítica e mesmo cáustica ao sistema político e socioeconómico em que vivemos. Um sistema que é um caldeirão de injustiças; um caldeirão que ferve em ebulição permanente, onde o político corrupto, empresário desonesto e o banqueiro ladrão sugam o suor e o sangue do povo. E a escrita de Novais, límpida e directa, surge como a voz de um trovão no silêncio das raivas contidas. Na minha opinião, é esta perspectiva crítica, por vezes descarada, sentida e brutal, que dá uma força extraordinária ao livro.
Mas esta voz brutal é também a voz (ou o clamor) da Liberdade. Não a liberdade mas a Liberdade! Porque só pode ser Livre quem for Criador. Qualquer conceito de liberdade não passará de uma ilusão se não envolver o acto de criar. Numa perspectiva marcadamente nietzschiana, Novais faz aqui uma clara distinção entre os diversos sentidos que o termo pode envolver: em termos políticos, a liberdade pode ser uma arma, um discurso ou uma ilusão. Assim, na Ocidental Praia, metáfora de Portugal, um país desgraçado, vive um povo nas mãos de políticos pacóvios ou ladrões e revolucionários bêbados. Um país onde a crítica e a capacidade de rir de nós mesmo parece andar perdida desde Oliveira Martins e que Novais (tão heroicamente como Fagundes) parece querer fazer renascer, pela pena de um cronista que poderia chamar-se Luís Fernão Novais Lopes, ou de um Eça revisitado na cáustica dissecação das tropelias do Traques, o político de Cidade Grande.
Mas para lá da sátira e das alegorias, do livro brotam também sinais de uma angústia latente. A angústia de um passado perdido, que não é pré-sebastianista, mas antes pré-capitalista. E essa angústia está plasmada num belíssimo texto que é o anexo quinto: um hino à natureza e ao homem do Minho profundo. E não é sebastianismo que aqui leio em Luís Novais; é a urgência da renovação; é o apelo à Revolução, não dos capitães nem de majores mas do Homem no seu todo. É de um novo Homem que precisamos; um Homem novo que restaure a Liberdade do ancião de Vilar dos Fornos.
Este caminho da libertação é o caminho da Utopia, não o da ilusão da Cidade Grande, onde novas escravaturas se emaranham num todo que é o progresso, ou o capitalismo selvagem, ou a tirania do Estado dito democrático.
E em cada anexo lemos um novo alienado, um tuga comum, homem sem presente que se multiplica por um passado pouco heróico e nada pátrio mas sempre escravizado: pobres anónimos e funcionários amestrados mas também empreiteiros, banqueiros e políticos escravizados às manhas e artifícios com que escravizam os outros: motoristas, bibliotecários, jornalistas, prostitutas, vendedores de seguros ou a licenciada que serve cafés… todos eles dentro da roda dentada onde se moem de tanto girar; nós de um emaranhado de fios de fantoche sem ponta visível. E todos eles cantados em forma de crónica, auto, cantiga de escárnio e maldizer. Todos aprisionados excepto talvez o super-homem, talvez apenas escravo da Liberdade.
Para lá de tudo isto fica a revolução: a utopia. A esperança. A ilusão de que é feita a vida do comum dos mortais. Mas é essa ilusão, essa esperança, que não morrerá enquanto houver utopias.
Enfim, estamos perante um livro que nos surpreende e encanta; uma obra que poderá marcar a epifania de um nome que um dia poderemos colocar ao lado dos maiores da actual literatura portuguesa, como José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe ou João Tordo. Assim os deuses da literatura portuguesa (críticos literários e mestres de marketing) o permitam.
Avaliação pessoal: 9/10

segunda-feira, 21 de março de 2011

A Senhora de Avalon - Marion Zimmer Bradley

Como já tenho afirmado, não gosto de literatura fantástica. Não que não lhe reconheça méritos, mas porque entendo a literatura como uma forma de expressão da vida em todas as suas dimensões e não apenas no aspecto onírico.
No entanto, gostei muito deste livro. Talvez porque ultrapassa em muito a literatura fantástica. Aliás, penso que poucas vezes se misturou história, mitologia e ficção de forma tão feliz e genial.
Segundo a crença, foram os antepassados da Atlântida que construíram os círculos de pedras a que hoje chamamos cromeleques (como o famoso monumento megalítico de Stonehenge). Curiosamente, essa crença explica da mesma forma os primeiros monumentos proto-cristãos. Isto é muito significativo porque aponta, desde logo, para a universalidade do pensamento religioso: a concepção das forças do Bem como forças universais, independentemente dos nomes atribuídos aos deuses. Por oposição, este livro apresenta-nos o nascimento da ortodoxia católica, autêntico travão à tolerância religiosa, em percurso contrário à crescente tolerância manifestada pelo Império Romano.
Por outro lado, este livro é também um importante testemunho histórico; ele divide-se em três partes que acompanham três momentos fundamentais da história do ocidente: o momento de afirmação do Império Romano, no primeiro século da era cristã; o nascimento do chamado Império Britânico, com o Imperador Caráusio e, finalmente, o tempo das invasões bárbaras com o estertor do Império e o terror imposto por Saxões, Anglos e outros povos germanos que viriam a provocar a mescla de povos das actuais ilhas britânicas.
Intrinsecamente ligadas a este percurso histórico, o mítico povo de druidas e feiticeiras de Avalon surge como o reino maravilhoso onde a história se alicerça na mitologia céltica. Mito e História, crença e realidade, sonho e tragédia, guerra e misticismo, são os elementos com que se compõe esta maravilhosa narrativa, capaz de nos fazer sonhar e reflectir sobre os destinos que a humanidade impõe a si própria.
Mas o âmago do maravilhoso é o que está para além de toda a realidade: é o misticismo de uma mitologia baseada na natureza, na terra-mãe. Uma mitologia onde o mundo é Deus e Deus é a Terra, o vento e o mar; onde o Bem emana da terra; onde a paz está ao alcance do espírito.
Avaliação Pessoal: 9/10

sábado, 19 de março de 2011

Desafio

Não costumo (mais por preguiça que outra coisa) aderir a estes desafios mas desta vez achei piada.
Resposta à questão nº1
A Saga de Um Pensador de Augusto Cury (inesquecível)
Resposta à questão nº 2
D. Quixote de Cervantes (um colosso)
Resposta à questão nº3
Guerra e Paz de Leon Tolstoi (um mundo)

Era suposto passar este "desafio" a 10 blogues, mas deixo em aberto a todos os que quiserem entrar na "brincadeira" :).

O blogue que me indicou foi o blogue da Paula http://viajarpelaleitura.blogspot.com/.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Luís Novais

Luís Novais é um escritor bracarense que obteve os seus primeiros êxitos literários com a publicação de dois romances, na Esfera do Caos. Trata-se de Quando o Sol se põe em Machu Pichu e Os Parricidas. Estas obras foram já comentadas neste blogue.
Agora, Luís Novais presenteia-nos com uma obra, a julgar pelo título, bastante diferente: O Heróico Major Fangueira Fagundes, Com Todos os Seus Anexos.
A obra será apresentada no próximo domingo, na Fnac de Braga, às 17.00, pelo professor catedrático Vitor Aguiar e Silva.
O Blogue do autor:

quarta-feira, 16 de março de 2011

Revisitando João de Melo

Às vezes gosto de pegar num livro já lido há muito tempo e folheá-lo vagarosamente, tentando reavivar memórias.
Foi assim que hoje me veio parar às mãos um livro de João de Melo, “O Meu Mundo não É deste Reino”.
João de Melo (cuja obra mais conhecida é Gente Feliz com Lágrimas) nasceu na freguesia de Achadinha, em S. Miguel, nos Açores. E é em Nossa Senhora do Rosário da Achadinha que decorre a narrativa, em que se viaja pela história e pela alma desse povo magnífico que é o povo açoriano, filho de navegadores e aventureiros.
A escrita, fantástica, delicia-nos com uma prosa poética que se afasta do real para o sonho, do tempo real para a imensidão da eternidade, ou do corpo para a alma.
Um livro escrito com sentimento, com a sensibilidade de um filho do povo e da terra.
Para reler.
Opinião sobre o livro aqui.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Cartas a Sandra - Vergílio Ferreira

Paulo (alter-ego do autor) passa os últimos dias da sua velhice escrevendo cartas a Sandra, esposa há muito falecida, recordando a sua vida em comum bem como a sua relação com Xana, a filha que muito cedo abandonou a casa de família.
Trata-se do testemunho pungente, mesmo desesperado de um homem apaixonado a quem faltou vida para desafiar a morte da mulher amada. Para Paulo o tempo estacionara na morte de Sandra. No entanto, o amor perdurou para lá da sua morte, como um espinho cravado no seu coração. À procura de paz na memória de Sandra, Paulo encontra mais e mais sofrimento. Essa memória é sempre incompleta porque é por Sandra, por toda ela que Paulo clama. Pelo seu espírito, pelo seu amor mas também pelo seu corpo e pela sua vida. Assim, o tom melancólico, por vezes quase tenebroso, destas cartas constitui a imagem acabada da solidão; uma imensa solidão.
Cartas a Sandra constitui, por outro lado, um documento importantíssimo para compreender a personalidade do autor, na sequência do romance auto-biográfico Para Sempre. Assinadas por Paulo, elas são o retrato de uma vida sofrida pela perda dos pais na infância, os anos promissores da universidade, na idade de todas as esperanças, mas também, mais tarde, o abandono por parte da filha, Xana, e a morte trágica de Sandra. Restou uma imensa solidão que marcou os seus últimos dias.
Depois de tudo (da morte até) restou o amor; mas um amor sofrido e excessivo:
“havia em ti divindade bastante para estar certo o que me doesse”…
Avaliação Pessoal: 7.5/10

sábado, 12 de março de 2011

Nação Crioula - José Eduardo Agualusa

Mais um belo livro deste grande escritor, narrador e “poeta” do encanto africano.
O título é herdado de um navio que existiu realmente, um barco negreiro que transportava escravos capturados em Angola para os canaviais brasileiros.
Nesta obra, Agualusa recupera essa magnífica personagem criada por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão que é Fradique Mendes, imaginando-o a escrever uma série de cartas ao próprio Eça, à sua madrinha Madame Jouarre e à mulher amada, a encantadora negra ex-escrava Ana Olímpia. É através dessa correspondência que Fradique, um abolicionista bon-vivant viajante e humanista, descreve as “façanhas” dos pérfidos comerciantes negreiros que ainda prosperavam em Angola nos anos 70 e 80 do século XIX.
Num tema que Agualusa desenvolve em outros livros, fala-se da miscigenação em Luanda; dos portugueses que lá foram parar como desterrados, condenados pela justiça lusa e acabaram por encontrar em Angola terreno fértil para grandes oportunidades de enriquecimento, à custa do sangue, suor e lágrimas dos negros. Fala-se também dos negros que aproveitaram para trair o seu povo colaborando com estes oportunistas. E fala-se, sempre, desta estranha atracção por África, onde a missão civilizadora que os brancos defendiam não é mais do que um acto de dominação, oportunista e cruel. Diz Fradique: “Desgraçadamente, Portugal espalha-se, não coloniza. Somos assim, enquanto nação, uma forma de vida mais rudimentar que o bacilo de Koch. Pior: uma estranha perversão faz com que os portugueses, onde quer que cheguem, e temos chegado bastante longe, não só esqueçam a sua missão civilizadora, isto é, colonizadora, mas se deixem eles próprios colonizar, isto é, descivilizar, pelos povos locais.” (página 130).
Fala-se ainda da aberração histórica que foi a escravatura, abençoada por Deus, ou melhor, por quem as suas vezes quis fazer; e no meio de tudo isto a paixão de Fradique Mendes por Ana Olímpia.
Em suma, um belo livro, que se lê sem nenhum esforço, numa linguagem simples e por vezes divertida, por mais trágico que seja o assunto. Talvez esta aparente descontracção no tratar do tema se explique pela familiaridade com que o povo africano se habituou a lidar com o sofrimento e a injustiça, numa História de Portugal que, neste aspecto, mais não é do que a história da injustiça e da crueldade.
Imagem retirada daqui
Avaliação Pessoal: 9/10

quinta-feira, 10 de março de 2011

Inês de Castro - Maria Pilar Queralt del Hierro

A lenda (e/ou a história) de Inês de Castro contada por uma escritora espanhola. Foi a curiosidade por conhecer uma versão castelhana que me levou a ler este livro. E em boa hora o fiz. Depois de tantas vezes contada, era difícil fazer algo diferente sem fugir à realidade histórica e à “verdade” que a lenda perpetuou. Mas Queralt del Hierro” consegue-o de forma muito interessante.
O que mais me encantou nesta forma de contar a história foi o facto de a autora ter incidido toda a narrativa no papel feminino.
Na minha opinião, a melhor narrativa desta lenda foi feita por João Aguiar (Inês de Portugal) e nessa obra, o grande romancista português centra todo o enredo na figura do rei D. Pedro, na sua paixão violenta, no seu carácter justo mas irascível e na amizade com o seu escudeiro Afonso Madeira.
Esta escritora espanhola, pelo contrário, escolhe para epicentro da história a relação de amizade entre D. Constança e Inês; uma amizade pura e intensa que, de facto, não havia sido suficientemente esmiuçada pelas versões portuguesas. Esta análise chega a ser de uma profundidade psicológica notável, recuando até à infância das duas para melhor explicar as paixões que haveriam de determinar os seus destinos.
D. Constança é vista neste livro como uma verdadeira heroína que manteve até ao fim a fidelidade a uma amizade de infância. Só isto explicaria um dos grandes enigmas que a lenda deixara em aberto: porquê o interesse permanente de D. Constança em ter Inês perto de si, mesmo sabendo da paixão que esta nutria pelo seu esposo, paixão aliás correspondida? Na verdade, só a amizade justificaria tal conduta.
Mas a incidência deste livro no feminino não fica por aqui: é interessante verificar como a autora encara as freiras de Santa Clara como verdadeiras heroínas do amor ao condescender com o amor carnal que Pedro dedicava a Inês, pactuando com os seus encontros escaldantes em plenos aposentos do convento.
Um outro aspecto interessantíssimo é a forma como Del Hierro introduz na história Teresa Lourenço (a última paixão de D. Pedro, após a morte de Inês). Esta mulher viria a ser a mãe do grande herói da história de Portugal que foi o rei D. João I, Mestre de Avis) e entra nesta narrativa como uma autêntica heroína, ao lado do rei justiceiro.
Em suma, trata-se de uma versão original e muito interessante de um dos temas mais encantadores da História de Portugal. Vale a pena ler, se bem que esta edição de 2004 já ande um pouco perdida pelas estantes mais recônditas das livrarias. É pena…
A Belíssima imagem acima reproduzida foi copiada daqui
Avaliação Pessoal: 8.5/10

terça-feira, 8 de março de 2011

O Grande Gatsby - 3 edições, 3 sentenças

O Jornal das Letras dá-nos conta de um facto muito curioso: três editoras decidiram lançar, quase ao mesmo tempo, reedições de O Grande Gatsby: Clube do Livro, Presença e Publicações Europa-América. Isto tem uma explicação: neste ano a obra entra em domínio público, o que facilita imenso a publicação e aumenta os lucros.
Mas o que me faz escrever este texto é a forma tão diferenciada como, segundo o JL, esta obra é apresentada nas três edições:
Na edição do Clube do Livro, o prefaciador (Pinto Balsemão) destaca no livro “o devido lugar ao amor, aos sentimentos e aos enganos que ele provoca”
Na versão da Presença, na contracapa diz-se que este livro é “o mais expressivo retrato da era do Jazz”.
E na Europa-América a obra é encarada como uma sátira ao sonho americano e aos turbulentos anos 20.
Quer dizer: três interpretações completamente diferentes.
E o que há de encantador nisto é que são 3 interpretações absolutamente verdadeiras. É este o encanto da grande literatura: cada leitor com o seu olhar, como se um livro fosse um quadro de Kandinsky ou de Picasso.
É por isso que continuo a afirmar: a literatura é liberdade!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Manhãs Gloriosas - Diana Peterfreund

Myzon.tv é um canal da grelha digital da Zon. É o canal zen da Zon. A programação é algo peculiar: uma câmara filma uma paisagem natural, por exemplo uma praia deserta numa ilha tropical onde nada acontece a não ser o soprar do vento e um ou outro pássaro de passagem. O telespectador pode escolher, para acompanhar a imagem, uma música relaxante, os sons naturais ou um texto zen lido numa voz suave. O livro Manhãs Gloriosas fez-me lembrar este canal de televisão. Porquê? Porque nada acontece. Nada.
Não se deduza da comparação que acabo de fazer que o referido canal da tv cabo é uma inutilidade sem interesse. Pelo contrário; o que se pede a um canal zen é que seja mesmo assim: feito de paz e sossego. Mas a um livro pede-se exactamente o contrário: que perturbe os espíritos, que transmita ideias inquietantes e faça o coração bater mais depressa. Neste livro não acontece nada disso; apenas páginas e mais páginas de diálogos estéreis, acontecimentos banais e ideias ocas. Ia dizer que o enredo está cheio de clichés. Ia dizer asneira. A verdade é que o livro todo é um imenso cliché. Um lugar-comum gritante, feito da história mil vezes contada da jornalista incompreendida que é despedida injustamente, sendo posteriormente contratada por outra empresa onde faz um sucesso enorme, após ter enfrentado colegas invejosos e traições de telenovela. Para completar o ramalhete não podia faltar a paixão assolapada pelo jovem brilhante e encantador, o príncipe encantado das estórias cor-de-rosa.
Trata-se de um romance tipicamente americano, escrito para entreter pessoas pouco exigentes na leitura, que exijam coisas bem simples e lineares. Não há uma única ideia original, não há um único traço que distinga este livro dos mais vulgares romances de cordel. Antes de virar cada página podemos facilmente tentar adivinhar o que vai acontecer a seguir e acertamos sempre.
No entanto, nem tudo é mau neste livro: ele tem uma qualidade muito apreciável como entretenimento; lê-se sem qualquer esforço e muito depressa. Podemos até distrair-nos durante várias páginas que voltamos a “apanhar o fio à meada” sem qualquer dificuldade. Este livro pode até ser muito útil naquelas fases em que precisamos de descansar o espírito. Aqui chegado o meu raciocínio até descubro que, no fundo, pode cumprir a mesma função do canal zen; podemos ler o livro como quem vê uma paisagem agradável. Porque no fundo a “paisagem” do livro até é engraçada: conseguimos imaginar uma mulher bonita que produz um programa de televisão, apresentado por uma outra mulher bonita com um encantador mau génio e um jornalista da velha guarda que imaginamos como uma espécie de Mário Crespo. O problema é que não saímos disto a não ser no final feliz que todos prevemos e esperamos desde as primeiras páginas.
Avaliação Pessoal: 5/10
Mais opiniões na leitura conjunta do Destante, aqui

domingo, 6 de março de 2011

O Jogo do Anjo - Carlos Ruiz Zafón

Depois de A Sombra do Vento, neste livro, Zafón volta à Barcelona dos anos 20 para nos contar a história de Daniel Martin, um jovem escritor a quem um misterioso editor (Corelli) encomenda um livro que pretende fundar uma nova religião. Mas a encomenda será apenas o ponto de partida para uma intrigante sequência de descobertas e mistérios em que Martin se vê envolvido. A intriga leva-o de novo ao encantador Cemitério dos Livros, um locar de refúgio dos livros perdidos que já nos tinha sido apresentado em A Sombra do Vento.
A par desse enigma, o nosso herói defronta um desafio terrível: o seu protector e amigo (Don Pedro Vidal que o tirara da miséria) apaixona-se pela sua amada. O romance não podia faltar e Zafón não resiste ao cliché. Mas não se pense que a intriga romântica retira interesse ao livro; pelo contrário, a escrita jornalística e cinematográfica de Zafón agarra-nos até ao fim do livro mau grado as suas 570 páginas.
Embora não seja um livro de grandes ideias ou reflexões, é uma obra que nos presenteia com alguns aspectos muito interessantes: o enigmático personagem Andreas Corelli é-nos apresentado como um ser ambivalente, uma espécie de anjo que tanto pode ser negro como branco; Deus ou o Diabo, duas faces da mesma moeda.
Outro aspecto interessante desta obra é que o suspense, o mistério, reside mais nas atitudes e na dimensão mental dos personagens do que em acções do acaso ou de circunstância; tudo se passa como se o mundo dependesse apenas das interpretações que fazemos do real e não do real em si. A vontade humana e as suas interpretações do mundo comandam, em última análise, todo o desenrolar dos acontecimentos.
Tal como acontece em A Sombra do Vento, tudo se desenrola em torno dos livros. É a escrita de um livro que despoleta todos os mistérios, se bem que, mais uma vez, Zafón deixa que o enredo vá desembocando invariavelmente em crimes sangrentos, dando à obra algum aspecto de “dramalhão” que, a meu ver, não a beneficia.
O aspecto mais original e interessante desta obra é, na minha opinião, o toque de fantástico que Zafón dá ao enredo. Pessoalmente, não sou adepto da literatura fantástica. Mas aqui o fantástico é integrado na perfeição nos comportamentos e atitudes humanas e não retira humanismo ao enredo. Pelo contrário: o misticismo e a fantasia são determinados pela mente humana; pelos seus dramas e medos; pelos sonhos, em última análise.
Em suma, trata-se de uma obra que se lê com facilidade, que diverte. Afinal de contas, que mais podemos pedir a um livro?
Avaliação Pessoal: 8.5/10

sexta-feira, 4 de março de 2011

Os Filmes da Minha Vida

“As Asas do Desejo”, de Wim Wenders.


O primeiro filme que me marcou, na idade das borbulhas, foi este filme alemão, que já procurei por todo o lado em DVD e não encontrei. Recordo-o como um filme extremamente poético e além dessa memória vaga, apenas me resta a certeza de ter adorado o filme. Restam também dois trechos no Youtube:

O trailler:



E esta monumental declaração de amor:





“Amadeus”, de Milos Forman

Também nos anos 80, vi e deliciei-me com esta maravilha. Um filme portentoso que explora da melhor maneira o génio musical e a vida atribulada de Mozart:




Cinema Paraíso

Este filme é um marco na minha vida. Por todos os motivos e também pelos que são apenas meus. Um filme que não consigo descrever por palavras vulgares:




A Vida é Bela, de Roberto Benigni

Nunca ninguém imaginou como possível que se contasse a história do Holocausto num filme cómico. Trata-se de um filme genial porque consegue contar uma história trágica, mantendo um sorriso. Um filme sobre uma catástrofe monstruosa e que é, ao mesmo tempo, um sopro de esperança e um motivo para manter o sorriso. É aí que reside a sua genialidade.





Bom dia Vietnam

Outra tragédia, outra comédia. Agora com uma intepretação monumental de Robin Williams. Inesquecível!




A Vida de Brian

Este filme é, para mim, a melhor comédia de todos os tempos. Um filme divertidíssimo sobre um assunto muito sério. Dos inesquecíveis Monty Python:





Feios, Porcos e Maus

Mais uma comédia, esta no impagável estilo realista italiano, de mestre Ettore Scola: a pobreza, a miséria extrema, a injustiça… e um sorriso sarcástico.





O Nome da Rosa

Na minha opinião, o livro de Umberto Eco é um dos melhores romances históricos da literatura mundial. E o filme, de Jean-Jacques Annaud, com Sean Connery, é o único caso que recordo em que gostei ainda mais do filme que do livro. Acho que isto diz tudo.





O Fantasma da Ópera

Este filme de Joel Schumacher foi, para mim, uma descoberta recente. Fiquei literalmente apaixonado por esta maravilha. Pela música, pelo encanto da cantora, pelo enredo, pela beleza em geral…





Outros filmes que adorei: Magnólia, Gandhi, Os Amigos de Alex, O Fabuloso destino de Amelie, Zorba o Grego, O Exorcista, o Carteiro de Pablo Neruda, Che…

quinta-feira, 3 de março de 2011

Alteração do nome do Blogue

Como sabem, há uma revista intitulada "Os Meus Livros". Para evitar confusões decidi alterar o nome do meu blogue, se bem que este seja mais antigo do que a dita revista. Seja como for, admito que a mudança de nome lhes desse um pouco mais de trabalho :)

quarta-feira, 2 de março de 2011

A Melhor Leitura de Fevereiro

Foi um mês pouco produtivo em quantidade mas muito bom em qualidade.
O pequeno livro de Luís Sepúlveda, muito autobiográfico, quase intimista, é uma leitura divertida e sentida. Um livro agradável e que nos ensina muito sobre a América do Sul e sobre as lutas que o autor travou pela justiça social e pela ecologia.
Melhor ainda, na minha opinião é Para Sempre, de Vergílio Ferreira. Um livro triste, muito triste mesmo, mas terrivelmente real. Uma escrita profunda, poética e filosófica.
Mas o melhor mesmo, foi uma bela surpresa: um escritor para mim desconhecido, espanhol de nascimento radicado no Canadá, chamado Yann Martel. O livro é A Vida de Pi. Um livro absolutamente fantástico. Uma história comovente e emocionante.