Numa edição muito pouco divulgada,
saída há uns anos, restou nas profundezas mais remotas das minhas estantes este
livrinho pequeno, pobre a abandonado. Em boa hora me veio parar às mãos porque
foi uma das melhores surpresas dos últimos tempos. É um livro para sorrir, rir
e deixar correr um rio de emoções.
Evidentemente, Jonh Steinbeck é um dos melhores escritores
de todos os tempos. No entanto, a sua genialidade é reconhecida, acima de tudo,
pela magnífica obra-prima que é As Vinhas da Ira e, um pouco mais em segundo
plano, A Leste do Paraíso e Ratos e Homens. O que eu não imaginava sequer é que
este livro, que foi o seu primeiro sucesso fosse uma obra tão bela. Tortilla
Flatt no título original e “Boêmios Errantes” na tradução brasileira, é um
livro singelo, simples e de uma beleza extraordinária, tanto ao nível do estilo
como, principalmente, da mensagem que transmite.
É a história de um grupo de amigos, sem eira nem beira,
heróis errantes que, viciados no vinho, procuram viver sem amarras, sem a
escravatura do trabalho, do dinheiro ou do amor e de todas as outras coisas que
nos aprisionam a todos nós, homens “normais” do mundo dito civilizado. Eles são
vagabundos miseráveis aos olhos dos outros mas donos dos seus destinos.
Danny e os seus amigos são livres; nada os oprime; nada
podem perder porque nada têm.
Acima de tudo, este livro é um verdadeiro hino à amizade.
Vivem de pequenos roubos, que sempre se justificam moralmente, pois a desigualdade
deixa sempre uma pequena margem para que se possa fazer justiça ao mesmo tempo
que se garante a sobrevivência. Além disso há a solidariedade, essa palavra
mágica que só os pobres e oprimidos entendem.
Steinbeck escreveu este livro em 1935, época em que o
capitalismo esbarrava na triste realidade da grande depressão e as injustiças
vinham todas ao de cima. Estes amigos de Danny contrariam toda a lógica do
sistema capitalista: eles recusam o dinheiro (que só serve para comprar vinho
e, mesmo assim, trocam-no muitas vezes por outros bens) e recusam mesmo o
conceito universal de trabalho “honesto”. Esta conceção do trabalho foi sem
dúvida buscada por Steinbeck nas ideias socialistas e encara o trabalho
remunerado como uma forma de escravização ou alienação do ser humano. É por
isso que os amigos de Danny só se realizam na liberdade de não trabalhar, não
ganhar dinheiro, não pactuar com os ideais da sociedade burguesa.
É, enfim, um livro que se lê com um tremendo envolvimento emocional.
É um livro que emociona e leva à lágrima fácil de quem se entregar de corpo e
alma ao enredo, à vida destes homens aparentemente miseráveis mas que
compreendem como ninguém o valor da vida humana, da dignidade e da amizade.
Um livro belíssimo.