Sinopse
Um ser
misterioso, que é obviamente o Diabo, propõe a Teodoro um dilema terrível:
tocar uma campainha mágica e matar, à distância e de imediato, o riquíssimo
Mandarim Ti Chin-Fu, que vivia nos confins da China. Este simples gesto faria
dele o herdeiro e senhor de uma imensa fortuna!
Teodoro cede à tentação e torna-se um nababo. Mas o crime, mesmo executado telepaticamente, não compensa...
Teodoro cede à tentação e torna-se um nababo. Mas o crime, mesmo executado telepaticamente, não compensa...
Comentário:
“As felicidades haviam de vir: e para as
apressar eu fazia tudo o que devia como português e como constitucional: –
pedia-as todas as noites a Nossa Senhora das Dores, e comprava décimos da
lotaria.”
Assim era a vida do
nosso herói, Teodoro, que foi amanuense do Reino e se fez milionário por
misteriosa herança de um mandarim chines, Ti Chin-Fu.
E esta citação
revela de forma bem clara a natureza da sátira, mordaz e divertida, com que Eça
nos presenteia: afinal de contas, Teodoro é o português típico. Podia ser
qualquer um de nós: quando se vê aflito reza a Nossa Senhora e quanto a
prevenir o futuro, compra bilhetes da lotaria.
A sátira queirosiana
está por todo o lado; em primeiro lugar, o ambiente pequeno-burguês que se vive
na pensão onde Teodoro está hospedado: os prazeres corriqueiros das tardes de
domingo passadas na pacatez de uma conversa de circunstância, a ausência de
ambição, o deixar passar os dias como filosofia de vida. Depois, quando Teodoro
herda a fortuna, vem a sátira aos novos-ricos e respetivo mau gosto: o gastar dinheiro
como forma de satisfação pessoal de caprichos recalcados e a necessidade de
exibir essa riqueza, mesmo que da forma mais oca e ostensiva possível.
Depois, a sátira
aos lambe-botas, como formigas no pote de açúcar, personificados em todos os
que rodeiam Teodoro quando a fortuna o acompanha; os mesmo que, obviamente, o
desprezam quando ele é pobre.
Se é verdade que
este é um dos livros de Eça que mais escapa ao padrão da novela queirosiana,
também é verdade que este toque de fantástico lhe confere uma peculiaridade que
expressa também a versatilidade do escritor. Não há dúvidas que este livro se afasta
consideravelmente de toda a estética realista. O próprio Eça parece ter
considerado este livro como uma obra menor, “menos moderna”. No entanto, para o
leitor comum, o tom cómico e fantasista até conferem ao livro um aspeto
surpreendente, original e cativante.
No entanto, mesmo
assim, está aqui o que há de mais genuíno em Eça: a crítica social, a sátira
mordaz e o bom humor da sua escrita.
Perante tudo
isto, chegamos sempre ao fim de um livro de Eça com pena por já ter terminado;
é sempre um prazer imenso ler ou reler Eça de Queirós.