Começando pelo fim: este livro sabe a pouco; a qualidade da escrita, o estilo aprimorado e ao mesmo tempo fluido do escritor, um tema abordado de forma muito original, são motivos suficientes para partir desta obra para uma obra capaz de ressuscitar os “Os Miseráveis” de Victor Hugo.
Elvira gosta de Tony Carreira enquanto António, o marido, vai às mulheres da casa de alterne. Rosa Barba é poetisa e criadora de galinhas, que põe mais ovos, quanto mais poesias ela faz.
Avelino veio de fora, sabe-se lá de onde, para aproveitar a desgraça de Esperancinha; Esperancinha (talvez por não ser mais que uma pequena esperança), há-de morrer no fundo de um poço; Deolondina, a filha deles e da desgraça, sonha… entre sonhos, vive com a desgraça. Nunca vencida por ela; nem sequer enfrentando-a; vivendo nela. Afinal sempre foi assim…
Rosa Barba sobrevive. Como os outros; enganando a vida. Ela é a guardiã da tradição que ensina a viver na miséria.
Ao longo da leitura veio-me à memória, por várias vezes, o imortal filme de Ettore Scola “Feios, Porcos e Maus”: a sátira simultaneamente trágica e cómica, a ironia; a desmistificação da pobreza. Ser pobre não implica ser bom ou ser ingénuo.
O Alentejo dito profundo não terra de gente ingénua; é terra de gente que esconde a infelicidade por detrás de todos os subterfúgios que a alma humana encontra para a desgraça: a violência, o sexo por vezes incestuoso, o alcoolismo, o crime. “São pobres de espírito”, dizem alguns; no entanto, nem o espírito sobrevive quando não há pão.
Perante a desgraça, muitas vezes não há outro refúgio senão o encolher do corpo e da alma como uma porca-sara.
A reforma agrária é vista ainda como um sonho perdido; um tempo em que uns raios de sol pairaram no céu mas que depressa se desvaneceram. Resta uma realidade imutável, por mais que os microondas, os telemóveis ou os plasmas invadam a planície; até a escola continua a ser um mundo à-parte; um mundo que não compreende as pessoas; um mundo impiedoso que quer impor o progresso a quem já há muito perdeu a esperança. A Directora de Turma, a psicóloga e a Directora da escola nunca compreenderão que a Esperancinha morrera há muito tempo…
E até o professor gordo que escreve o livro é visto como um estranho que não serve para nada na planície…