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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Aqui, Entre Nós - Paulo Alexandre e Castro

Já escrevi algures que de entre os novos nomes da literatura portuguesa contemporânea, Paulo Alexandre e Castro é um dos mais promissores. Depois dessa pequena obra de arte que é Loucura Azul, este escritor presenteia-nos com uma surpreendente e original peça de teatro.
Os protagonistas são três loucos num hospício. Desde logo, é um regresso à profunda, imensa, questão: o que é a loucura? Quem são os loucos? E daqui partimos para a questão que mais nos interessa: qual a quota-parte de loucura que nos é necessária para ser feliz?
É nestas coisas que o livro nos deixa a pensar. João, Pedro e Nuno são os loucos. Ou serão apenas infelizes? Ao longo do livro, é nítido o esforço que eles fazem para assumir comportamentos, raciocínios e emoções consideradas “normais”; tentam fugir da loucura assumindo uma assustadora lucidez. No entanto, parece óbvio que nada mais fazem do que qualquer um de nós, no quotidiano: apenas procuram ser felizes. Esta questão é muito mais relevante e profunda do que parece à primeira vista, porque a sua aparente loucura (e vemos isso nitidamente no final da peça) não passa de um desajuste em relação à realidade. Essa realidade é a normalidade, apresentada na peça pelas três mulheres que visitam os “loucos”; elas surgem de repente, vindas da normalidade. No entanto, essa normalidade é negra, infeliz, cruel…
Por outras palavras: onde está a loucura, afinal: na fuga à crueldade dos dias “reais”? ou nessa realidade trágica, absurda, que levara aqueles homens aos hospício?
Afinal de contas para onde caminham João, Pedro e Nuno? De que fogem? Onde está a normalidade da vida?
Esta avalanche de perguntas, de dúvidas existenciais é o que nos fica da leitura desta peça. E não é pouco, convenhamos. São questão que sempre hão-de avassalar a alma humana… afinal de contas, João, Pedro e Nuno não são diferentes de qualquer um de nós. Qualquer um de nós foge da normalidade; qualquer um de nós será um dia apelidado de louco… mas qualquer um de nós poderá descobrir que um homem é muito mais que um carimbo social, muito mais que um nome, um tempo no relógio, uma imagem na fotografia, mais que a ilusão de uma pedra na sopa.
No final, João, Pedro e Nuno recitam, em conjunto um poema. De lá tomei a liberdade de copiar este excerto:
NUNO-  … da vida…
JOÃO - … o que vale…
PEDRO - … é a loucura…
NUNO - … pura e crua!…
 Avaliação Pessoal: 9/10

domingo, 28 de novembro de 2010

Loucura Azul - Paulo Alexandre e Castro

Loucura Azul é um livro surpreendente, uma espécie de aparição, num tempo em que as editoras apostam em literatura fantástica ou de cordel. Sem deixar de contar um estória com emoção e mistério, que prende o leitor até ao final, o autor leva-nos a reflectir sobre questões que avassalam a alma humana.
Tudo se desenrola em torno de um pintor em dificuldades, Maurizio, que se apaixona por uma professora universitária, Sylviane. Juntos experimentam uma intrigante história, em busca de compreensão da natureza humana.
O corpo está sempre no centro da vida; da experiência quotidiana às situações aparentemente mais bizarras, a viagem envolve prostitutas de rua, linhas eróticas, sex-shops, pensões sujas de encontros ocasionais, etc. Tudo o que possamos apelidar de sub-mundo do sexo não é mais que o campo de batalha onde se desenrola a luta entre a vida e a loucura.
“Quero viver tudo”, afirma Sylviane. Mas… até que ponto é possível “viver tudo” sem colocar em causa esse último reduto de segurança, onde vive o amor, essa reserva, esse refúgio?
Com Vladimir, o pretenso espião russo que cai aos trambolhões na vida de Maurizio e Sylviane, atinge-se o auge da loucura. Mas os corpos do prazer são também os corpos que matam e morrem; o amor e o ódio; o prazer e a violência; o orgasmo e a morte; loucura azul e loucura vermelha… Impossível compreender. Extremos que se tocam mas permanecem: as contradições resistem sempre. Torturam Maurizio. Torturam-nos. “Se ao menos a filosofia fosse descartável”, diz Mauirizio; se ao menos pudéssemos não pensar, seguir em frente sem compreender… “se ao menos eu conseguisse amar-te sem te ter…” se ao menos a vida pudesse ser só a vida…
Perante o cadáver de Vladimir, explana-se o horror da loucura vermelha: a beleza do cadáver; a “beleza do horror, sangue e húmus da vida”.
A mente de Maurizio, cada vez mais alucinada vai-se afastando da realidade, criando um mundo paralelo onde os pesadelos se confundem com o real; a fronteira do irreal torna-se cada vez mais ténue.
Este livro é um constante desafio aos limites: limites do corpo e da alma; do prazer e do sofrimento, do amor e da morte. Mas por mais eloquentes que sejam as construções teóricas, o corpo permanecerá. A loucura azul dará lugar ao vermelho, talvez vermelho de paixão desmedida ou, fatalmente, de sangue, vermelho-forte de Marte, o cruel Deus da guerra.