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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A Longa Noite sem Lua - John Steinbeck


Comentário:
Escrito em 1942, esta obra de Steinbeck nunca foi, que eu tenha conhecimento, publicada em tradução portuguesa (de Portugal). A edição que li foi, portanto, a tradução brasileira.
Este livro revela-nos um Steinbeck muito diferente daquele a que estamos habituados pela leitura das suas grandes obras. The Moon is Down (A Longa Noite sem Lua na tradução brasileira) foi escrito em 1942, já em plena fase de maturidade do escritor, três anos depois da sua obra-prima, As Vinhas da Ira. Mesmo assim, este pequeno livro não deixa de ter algo de experimental, ao abordar uma temática pouco habitual no autor: a estória de uma cidade imaginária, ocupada por um inimigo enigmático, através da invasão militar, quase sem oposição. É bom lembrar que o ano de 1942 situa-se em plena segunda guerra mundial, em que a pátria do autor também esteve envolvida (EUA).
Vivia-se o terror nazi no seu auge, um pouco por toda a Europa mas com especial incidência na França, esse país mártir que deu ao mundo um exemplo de coragem através da famosa resistência francesa, à qual o livro parece prestar uma homenagem implícita.
Uma cidade qualquer, num país que podia ser a França, ocupado por outro país, que podia ser a Alemanha, numa guerra idiota que podia ser a segunda guerra mundial. Neste livro, o ”prefeito” é um homem passivo, um bom homem mas sem coragem para atos heroicos; ele vai tentado gerir a ocupação de forma pacífica, levando ao limite o seu esforço para acalmar a ira dos ocupantes. Mas nunca o prefeito deixou de acreditar naquele que é o verdadeiro herói do livro: o povo da cidade. Ele acredita que, seja qual for a sua atitude, um dia o povo se revoltará e o agressor tornar-se-á vítima. É esta a mensagem do livro: nada pode domar a vontade de um povo, por mais oprimido que ele seja.
E ao longo do livro, a premonição do prefeito vai-se concretizando; lentamente, a euforia de quem possui as armas vai-se esvaindo, à medida que a resistência do povo vai triunfando. A meio do livro, já os oficiais invasores, extenuados perante uma ocupação sob grande resistência, vão reconhecendo: “A cidade foi conquistada e estamos com medo; foi conquistada e estamos cercados.” Premonição perfeita do que viria a ser o desfecho da guerra: os nazis viriam a ser vencidos pelo desgaste.

domingo, 31 de agosto de 2014

Chama Devoradora - John Steinbeck


Comentário:
Ao contrário do que se passa nas obras mais conhecidas de Steinbeck, em "Chama Devoradora" o acento tónico não está nas relações do ser humano com o meio, quer físico quer social, mas sim nas terríveis lutas interiores que configuram os grandes dramas da existência humana. As "chamas devoradoras" a que o autor se refere são essencialmente chamas da alma, emoções profundas e conflitos interiores.
Livro muito simbólico, talvez não seja o que mais agrada aos admiradores da escrita emocionante de Steinbeck, cheia de ritmo narrativo e incerteza nos desfechos. É talvez a sua obra mais estranha. O próprio autor reconhece ter tentado fazer algo que nunca ninguém tinha feito: um romance-peça de teatro, tentando evitar a exaustão do romance e a dificuldade de leitura de uma peça de teatro.
A estrutura do livro é, por si só, um grande motivo de interesse: o mesmo tema repete-se, em três situações diferentes, correspondentes a três actos: uma jovem mulher grávida, o seu marido, o amigo do marido e o amante da jovem grávida. As três situações desenvolvem-se como se fossem três círculos concêntricos, cada vez mais concisos, até que o último se resume ao desfecho do drama. Nos 3 atos os personagens são os mesmos e o tema é o mesmo (a gravidez da mulher, perante o conflito entre o marido e o amante, mediado pelo amigo). Apenas diferem as profissões e o contexto em que se desenrola o conflito dramático entre as personagens.
O final do livro é belíssimo.
Toda a intensa poesia de Steinbeck numa fala,de um homem que acaba de descobrir a incapacidade de ser pai:
"Acabou-se! A minha geração, o meu sangue, toda a sucessão das idades está morta e eu é só esperar mais uns tempos e morrer também!" - página 100/101
NO ENTANTO:
"Tive de mergulhar nas trevas para saber que todo o homem é pai de todas as crianças e que todas as crianças devem ter por pai todos os homens" - página 112

Sinopse:
"O tema de Chama Devoradora é chocante e até sensacional. Nas mãos de um escritor menor, poderia tornar-se licencioso, mórbido e obsceno. Mas John Steinbeck, que é um dos maiores escritores da América, trabalhou-o com coragem, audácia, lucidez e compaixão. Esta é, afinal, a história do impulso fundamental, a ânsia de procriar, a necessidade premente de continuar a espécie, conduzindo-a à imortalidade… As personagens de Steinbeck encontram-se a braços com uma dolorosa situação humana, em que intervêm as mais importantes emoções do homem, tais como o amor, o orgulho, o egoísmo, a lealdade e a abnegação." Do New York Times
in www.wook.pt

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A Leste do Paraíso - John Steinbeck

Comentário:
Escusado será de dizer que estamos perante um livro notável. Normalmente atribuo uma avaliação de zero a dez a todos os livros que leio. Até hoje só tinha atribuído a nota máxima a nove livros. Este é o décimo e Steinbek é o único escritor com dois livros nesta lista.
Publicado em 1952, nos alvores da Guerra Fria, este livro transporta consigo uma força tremenda. E essa força deteta-se, desde logo, num título belíssimo e também premonitório: a associação de ideias entre o Leste e o Mal será, ao longo da segunda metade do século XX, uma realidade incontornável (o lado Leste do Paraíso é o sítio para onde se deslocou Caim após ter matado Abel).
Uma das maiores virtudes deste escritor genial é a forma como gere a narração e o desenrolar do enredo, com uma economia narrativa notável: sem excessos de adjetivação nem de descrições, mas também sem lacunas; tudo nos é narrado  de uma forma objectiva, clara.
Quanto à temática do livro, ele tem de se entender na sequência dessa outra grande obra-prima do autor, As Vinhas da Ira (1939); tal como nesse outro grande livro, interessa mais a Steinbeck a compreensão e explicação do espírito humano do que os factos em si.
Outra marca distintiva deste génio é a força dos seus personagens. Em As Vinhas da Ira, Tom Joad e a mãe são os exemplos mais marcantes de força de caráter e bondade humana. Em A Leste do Paraíso, a bondade de alguns personagens aparece-nos em contraponto com uma espécie de maldade natural, mais evidente em Cathy mas também nos personagens Charles e Cal, claramente inspirados no personagem bíblico Caim. Aliás são inúmeras e muito significativas as referencia bíblicas nesta obra. Cathy representa a maldade mais requintada, como se alguns seres humanos nascessem como aberrações, como autênticos monstros. No entanto, em todos os personagens a quem é atribuída essa maldade natural, ela vem enquadrada numa certa lógica, como se o mal fosse inerente ao ser humano. No fundo, o confronto entre o Bem e o Mal constitui o verdadeiro âmago deste livro, como explicarei adiante.
A opção por personagens muito fortes não acontece por acaso; ela deriva da crença de Steinbeck na força do espírito humano; não na força do espírito coletivo, mas na força do ser individual: só individualmente o ser humano é capaz de criar, como o próprio autor explica no início do segundo capítulo.
Tal como em As Vinhas da Ira, também aqui é notável a relação do homem com a terra, como se esta fosse uma extensão do ser humano. No entanto, a Terra é fonte de alimento mas também de sofrimento; a alegria e o prazer parece só ganharem significado em confronto com o sofrimento, da mesma forma que o Bem só ganha sentido em paralelo com o Mal.
Esse confronto é analisado, ao longo de todo o enredo, em confronto com a própria Bíblia. O livro sagrado parece ser encarado como uma espécie de sentença de condenação perpétua que paira sobre o ser humano. Mas, pelo contrário, a religiosidade da personagem Lizzi é enternecedora. A ela só não agrada a ideia de no Paraíso não se trabalhar; por isso ela planeia realizar lá uns serviços, quando morrer,como remendar nuvens ou limpar as túnicas dos santos. Estas personagens positivas, como Lizzi ou Samuel são o contraponto da maldade extrema de Cathy mas também de uma espécie de maldade natural, humana, de Cal ou Charles, os herdeiros de Caim. O mais terrível é que esta luta está dentro de todos os seres humanos; todos nós temos no nosso espírito algo de Caim e de Abel. E essa luta prevalece até à morte, como acontece com Adam...
Lee, o criado chinês paira sobre o enredo como se fosse um elemento exterior ao livro: fruto de uma formação oriental, ele não foi contagiado pela bíblia; por isso ele detém a sabedoria e a racionalidade. É ele quem faz esta afirmação absolutamente notável:
"Fumo os meus dois cachimbos todas as tardes, como fazem os mais velhos, e sinto que sou um homem, e o homem é uma coisa muito importante, talvez mais importante ainda do que uma estrela. Isto não é teologia. Não dobrei a espinha perante os Deuses mas surgiu em mim um novo amor por esse instrumento brilhante que é a alma humana. É uma coisa maravilhosa e  única no mundo. Está sempre a  ser atacada e nunca é destruída porque TU PODES."

Sinopse:
Com acento bíblico, o grande autor de As Vinhas da Ira define o universo de A Leste do Paraíso através das seguintes inspiradas palavras: «O assunto é o mesmo que cada homem tem utilizado como tema: a existência, o equilibro, a batalha e a vitória, na eterna guerra entre a sabedoria e a ignorância, a luz e a treva, o bem e o mal.» A Leste do Paraíso, vasto fresco levantado a partir do relato da vida de várias gerações de duas famílias norte-americanas, os Trask e os Hamilton, num período crucial da história dos Estados Unidos (1860, Guerra da Secessão – 1920, anos imediatos à Primeira Grande Guerra), proporcionou ao malogrado James Dean talvez o mais importante papel da sua carreira.
in www.fnac.pt


terça-feira, 29 de maio de 2012

O Inverno do Nosso Descontentamento - John Steinbeck




O Inverno do Nosso Descontentamento é um título feliz, poético e bem adequado a esta obra. Trata-se de um dos últimos livros de John Steinbeck. Por este motivo é considerado por muitos como uma das obras mais “maduras” do grande escritor. Pessoalmente, acho mais adequado encarar este romance como uma obra em que o autor se desvia bastante das características básicas dos seus livros anteriores. Mas vamos mais devagar.
Este livro trata de um homem bom, como tantos personagens de Steinbeck. Um homem simples e bom, proveniente de uma família abastada de uma pequena cidade conservadora americana: New Baytown. No entanto, Ethan é o último herdeiro de um património misteriosamente perdido no tempo do seu pai e acaba por se tornar um modesto empregado de um avaro comerciante, proprietário de uma loja (Murillo), onde Ethan é o único e modesto funcionário.
Ao longo de todo o enredo, Ethan personifica a luta entre a moralidade do homem bom e a ambição de um enriquecimento que, aos poucos, se vai revelando incompatível com essa mesma moralidade. Até às últimas páginas do livro, mantém-se este dilema, assim como um outro: a identidade do personagem em confronto com a identidade da família, das suas raízes familiares.
Penso que aquilo a que os críticos chamam a maturidade literária do autor materializa-se neste livro mas de uma forma não obrigatoriamente positiva para o leitor; Steinbeck ganha neste livro uma intensidade reflexiva que não detetamos em Ratos e Homens, Tortilla Flat ou mesmo na sua obra prima, As Vinhas da Ira. Mas, pelo contrário, perde, a meu ver o que ele tem de mais extraordinário: a singeleza, a simplicidade, a humanidade das suas personagens. Aqui, Ethan tem alguns desses traços de humanidade típicos do autor, mas, lentamente, vai questionando toda essa humanidade, à medida que vai equacionando a hipótese de renunciar à honestidade para ceder à tentação do crime.
É sem dúvida, a obra mais reflexiva que li deste autor. Aquilo que ganha em profundidade psicológica perde, a meu ver, em ritmo narrativo. Mesmo assim, no final resiste a crença infinita de Steinbeck no ser humano. 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Milagre de São Francisco - John Steinbeck


Este livro é uma pérola. 


Numa edição muito pouco divulgada, saída há uns anos, restou nas profundezas mais remotas das minhas estantes este livrinho pequeno, pobre a abandonado. Em boa hora me veio parar às mãos porque foi uma das melhores surpresas dos últimos tempos. É um livro para sorrir, rir e deixar correr um rio de emoções.
Evidentemente, Jonh Steinbeck é um dos melhores escritores de todos os tempos. No entanto, a sua genialidade é reconhecida, acima de tudo, pela magnífica obra-prima que é As Vinhas da Ira e, um pouco mais em segundo plano, A Leste do Paraíso e Ratos e Homens. O que eu não imaginava sequer é que este livro, que foi o seu primeiro sucesso fosse uma obra tão bela. Tortilla Flatt no título original e “Boêmios Errantes” na tradução brasileira, é um livro singelo, simples e de uma beleza extraordinária, tanto ao nível do estilo como, principalmente, da mensagem que transmite.
É a história de um grupo de amigos, sem eira nem beira, heróis errantes que, viciados no vinho, procuram viver sem amarras, sem a escravatura do trabalho, do dinheiro ou do amor e de todas as outras coisas que nos aprisionam a todos nós, homens “normais” do mundo dito civilizado. Eles são vagabundos miseráveis aos olhos dos outros mas donos dos seus destinos.
Danny e os seus amigos são livres; nada os oprime; nada podem perder porque nada têm.
Acima de tudo, este livro é um verdadeiro hino à amizade. Vivem de pequenos roubos, que sempre se justificam moralmente, pois a desigualdade deixa sempre uma pequena margem para que se possa fazer justiça ao mesmo tempo que se garante a sobrevivência. Além disso há a solidariedade, essa palavra mágica que só os pobres e oprimidos entendem.
Steinbeck escreveu este livro em 1935, época em que o capitalismo esbarrava na triste realidade da grande depressão e as injustiças vinham todas ao de cima. Estes amigos de Danny contrariam toda a lógica do sistema capitalista: eles recusam o dinheiro (que só serve para comprar vinho e, mesmo assim, trocam-no muitas vezes por outros bens) e recusam mesmo o conceito universal de trabalho “honesto”. Esta conceção do trabalho foi sem dúvida buscada por Steinbeck nas ideias socialistas e encara o trabalho remunerado como uma forma de escravização ou alienação do ser humano. É por isso que os amigos de Danny só se realizam na liberdade de não trabalhar, não ganhar dinheiro, não pactuar com os ideais da sociedade burguesa.
É, enfim, um livro que se lê com um tremendo envolvimento emocional. É um livro que emociona e leva à lágrima fácil de quem se entregar de corpo e alma ao enredo, à vida destes homens aparentemente miseráveis mas que compreendem como ninguém o valor da vida humana, da dignidade e da amizade.
Um livro belíssimo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Ratos e Homens - John Steinbeck

Numa obra muito menos ambiciosa do que a obra-prima “As Vinhas da Ira”, John Steinbeck conta-nos a história de George e Lennie, dois homens que percorrem as grandes propriedades agrícolas à procura de cumprir um sonho: juntar dinheiro para um pequeno pedaço de terra onde possam criar coelhos. Ou melhor, onde possam ser livres e trabalhar para eles próprios. George é inteligente e corajoso. Lennie é forte como um touro mas é, na perspectiva do comum dos mortais, um idiota.
Mas a extrema sensibilidade de Steinbeck mostra-nos um Lennie profundamente sensível, uma espécie de criança grande, sujeita a todas as ameaças que a sociedade expõe às almas simples. Esta alma simples, no entanto, é vítima da sua força bruta. O que prevalecerá? O seu coração de criança ou a sua força ameaçadora para aqueles que existem para dominar os outros?
Lennie, na sua inocência, é uma criança. Mas para os poderosos ele é uma ameaça. Um alvo a abater pela sociedade.
À volta de George, outros sonhadores surgem. Mas todos eles encontrarão o desencanto da realidade. Não obstante, como diz o poeta, a primavera é inexorável.
O sonho de George, também ele, será espezinhado. Não morrerá porque ser eterno é apanágio dos sonhos. Fica o sofrimento: a vida dos que percorrem o mundo à procura de uma sobrevivência que só pode ser adornada pelo sonho; a vida de quem só nos sonhos pode ser livre.
Tal como As Vinhas da Ira, este é um livro sobre os limites do sofrimento humano mas também sobre os sonhos que, esses, não conhecem limites. Mas é também uma crónica sombria da maldade e do egoísmo humano; a crónica de um caminho a que alguns chamam “espírito capitalista”. E a que outros chamam exploração do homem pelo homem. Infelizmente, esta é uma mensagem actual.
É um livro pequenino, que se lê com prazer mau grado o sofrimento que nos invade a alma.

Avaliação pessoal: 8/10